Banner Top JOTA INFO
Style de vie

Centro Pompidou: Museu Nacional de Arte Moderna de Paris

Espectador é obrigado a oferecer a si mesmo uma revisão de conceitos

Pedro Gordilho
06/12/2017|15:37
Atualizado em 06/12/2017 às 14:37

Museu Nacional de Arte Moderna de Paris possui uma das coleções de arte moderna e contemporânea mais belas do mundo. Paris soube fazer bem a divisão das épocas. No Museu do Louvre estão as obras representativas de um longo período, cobrindo a pré-história, a história antiga, a história moderna até o final do século XVIII e começo do século XIX. Tudo aquilo que representa a arte do século XIX, até o alvorecer do século XX, está no fantástico Museu D’Orsay, tão visitado pelos brasileiros.

Daí em diante a arte que chamamos de moderna está representada no Museu Nacional de Arte Moderna, sediado no Centro Georges Pompidou. Representa uma verdadeira antologia do conjunto das formas artísticas do século XX. As grandes figuras da modernidade estão especialmente presentes, a saber, Matisse ou Picasso, Brancusi, Delaunay, Kandinsky, Léger, Rouault e tantos outros que se tornaram os verdadeiros faróis a iluminarem o percurso do artista de nosso tempo.

É o museu da arte moderna, o museu da arte contemporânea, mas também o museu de todas as disciplinas. É assim que se apresenta hoje, cerca de meio século após a sua criação, o museu nacional de arte moderna de Paris, no interior de uma instituição cultural singular, o Centro Georges Pompidou.

O quarto andar contempla a arte contemporânea, de 1960 até nossos dias, o quinto andar a arte moderna (de 1905 a 1960). Não se apresentam apenas as formas mais conhecidas de desdobramento artístico, pintura e escultura, senão também instalações, fotografia, vídeo e cinema, além de – integrados no museu desde 1992 –, plantas e maquetes arquitetônicas e objetos de desenho que influenciaram o nosso tempo.

Alguns trabalhos são tão marcantes que dificilmente, depois de uma observação refletida, o visitante conseguirá dissociar de sua lembrança momentos tão tocados pela expressividade artística. Exemplo: Georges Braque com sua Mulher com Violão (1913). Nos prolegômenos da Primeira Guerra Mundial, a desconstrução do objeto, o jogo das formas de luzes, constituem a marca cubista do pintor. Ele se interessou nesse período, tal como acontecera com Picasso, pela colagem e, como se aprecia e pode-se constatar nesse quadro, com a experimentação e o efeito de determinados materiais.

De Henri Matisse Retrato de Greta Prozor (1916). Como Picasso, Matisse foi a figura dominante no panorama artístico da primeira metade do século XX. Suas qualidades se mostraram a partir de 1905, já tendo ele 35 anos, durante uma estação de veraneio em Collioure. Meses mais tarde obras suas causaram escândalo no salão de outono de Paris. Até 1912-13 a tensão de seus quadros já vai desaparecendo. Durante a Guerra acrescenta o negro na sua palheta de cores. É dessa época esse trabalho monumental, Greta Prozor, sombria e luminosa, alta e delgada como um ícone sobre fundo dourado.

Picasso e seu Arlequin (1923). O artista era fascinado pelo mundo do circo e retratou aqui o seu amigo, o pintor catalão Jacinto Salvado, com um traje de arlequin desenhado por Jean Cocteau. É uma obra marcadamente clássica e apresenta seu modelo pensativo, quase triste e profundamente fatigado. A coloração parcial da vestimenta contradiz com a atitude de prostração em que parece ter assumido o personagem e o anima, como se a sua imagem voltasse à memória. Considerando todas as inovações cubistas imediatamente precedentes, esta obra prima parece um retorno aos princípios tradicionais da pintura.

Constantin Brancusi apresentou a sua Musa Adormecida em 1910. Em 1904 realizou suas primeiras esculturas típicas em metal, pedra, mármore e madeira. Tais obras – como também a que está apresentada aqui – dão a impressão de surgir pura e simplesmente do material empregado. Das cinco possibilidades de bronze que se conservam esta versão parece, graças à ligeira pátina, uma representação sublimada de um modelo real em lugar da pura representação de uma ideia.

Marc Chagall está representado, no período retratado, pelo quadro A Rússia, aos burros e aos outros (1911). O pintor chegou a Paris em 1910 e foi liberando-se progressivamente da influencia da vanguarda parisiense, buscando de sua memória as imagens de sua Rússia natal. O quadro mostra uma imagem idealizada e uma recordação que se vê profundamente dolorosa.

Kandinsky com sua obra Com arco negro (1912). Revolucionou a pintura. Chegou atrasado, aos trinta anos, depois de seus estudos de Direito e de Economia Política e desenvolveu a vocação artística, liberando de maneira continua a necessidade de representar. É uma peça excepcional, síntese da obra passada. O arco negro aparece com frequência nos quadros de Kandinsky como uma reminiscência do seu passado.

Fernand Léger aqui é visto pela sua obra O Casamento (1911). Foi um dos artistas mais singulares do século XX. Este quadro está mais distante da obra de Braque e de Picasso e mais próxima da obra de Robert Delaunay, onde se podem encontrar essas mesmas formas arredondadas e apenas levemente coloridas. No centro do quadro, com vivo colorido, aparecem os noivos rodeados por seu cortejo, o povo e o caminho.

Max Ernst está representado por Ubu Imperator (1923). É uma obra predecessora do surrealismo e mostra influencia de colagens cubistas. É um homem híbrido, formado por homem, pião e torre inclinada de Pisa, simbolizando uma forma grotesca de poder: a inércia física de sua matéria se contrapõe unicamente com o giro da sua sombra. A estranha figura representa o prestigio da autoridade paterna, o ato sexual e o processo criador.

Joan Miró. La Siesta (1925). Como os surrealistas, aos quais Miró haverá de aderir, ele se esforçou por chegar à poesia através da pintura. O artista que viveu desde 1920 em Paris e passava somente os veraneios na Cataluña, desenvolveu, depois, um primeiro período de realismo mágico, suas pinturas de sonho. Entre elas encontra-se La Siesta, uma obra complexa que, sobre um fundo monocromático (que é típico desse período criativo), reúne motivos de paisagem. Não obstante, Miró abstrai os diversos motivos figurativos (uma mulher, um sol, um nadador, um relógio de sol), deixa dominar vibrante azul sobre a tela e transforma a cena paisagística numa visão onírica.

Man Ray, um gênio da fotografia de arte, o grande amigo de todas as inteligências que marcaram presença nas primeiras décadas no século XX na capital francesa. Possivelmente a obra mais famosa de Man Ray seja inspirada no quadro de Ingres La Bañista Valpinçon, que lembra haver sido o fotografo um apaixonado violinista. A fotografia que está reproduzida é da modelo Kiki de Montparnasse, em cujas costas desenhou o artista dois esses do violino com tinta, como que a sugerir um jogo de palavras visual com apaixonada atração erótica do fotografo pelo corpo da jovem. O artista realizou este ícone da modernidade num ponto culminante de uma relação tão bem sucedida de quinze anos entre a fotografia e a vanguarda.

Ninguém consegue ficar inerte diante do quadro de Otto Dix Retrato da jornalista Sylvia Von Harden (1926). Ele une de forma magistral técnicas pictóricas do renascimento com gestos caricaturizados e consegue com seus quadros um retrato precioso de uma época, uma época de contradições caracterizada pela agitação febril e a busca do prazer. Uma representante típica daquele tempo, foi a jornalista retratada, intelectual e independente, que o artista conheceu no “café romano” da Berlim dos anos vinte. Ela aparece aqui desproporcionada como uma marionete desarticulada, sua cabeça em um corpo demasiadamente compacto, suas mãos crispadas mas ao mesmo tempo como querendo abarcar ou conquistar o mundo. Nela se resumem todos os estigmas dos famosos “loucos anos vinte”.

Christian Schad está aqui representado com sua obra Retrato do Conde Saint-Genois d’Anneaucourt (1927). É uma singular obra prima do movimento, que oferece o panorama de um mundo que se precipitava, um mundo da aristocracia alemã dos anos vinte e trinta que perde a sua função social e se encontra desorientada. Usando um estilo parecido com o do Otto Dix, Schad consegue capturar o espírito de seu tempo, talvez de forma menos violenta. O conde aí retratado é um boêmio celebre e suas acompanhantes noturnas respiram a decadência social, política e sexual. A sexualidade desta época é um dos motivos pictóricos preferidos pelo autor. Vestido de negro e como que intimidado pelo colorido frio dos distintos planos, o conde parece aqui indiferente a tudo que está a sua volta.

Salvador Dalí está representado por uma espetacular produção, denominada Ilusão Visual Parcial. Fez aparições de Lênin sobre um piano (1931). Ele é o artista mais destacado do grupo dos surrealistas e desenvolveu em sua pintura uma forte relação com as imagens mentais, em parte sentimentos reprimidos pelo inconsciente. No quadro representa uma visão experimentada de um estado de semi-vigília: o retrato de Lênin rodeado por uma auréola de chamas amarelas. Este motivo se fortalece com algum ou alguns dos motivos simbólicos próprios do autor: a capa em forma de guardanapo nas costas de um personagem anônimo, as cerejas vermelhas transparentes na banda de seu braço e, naturalmente, o grande piano, como a partitura devorada pelas formigas. Através da porta do fundo se distinguem uma montanha que resplandece com uma rara luz sobrenatural, cuja forma lembra a dos inquietantes totens da ilha de Páscoa.

Pablo Picasso mais uma vez com a espetacular A Alvorada (1942). Essa obra prima do grande pintor catalão, da fase criativa que coincidiu com o período da ocupação alemã da França, é uma versão caricatural de dois temas tradicionais: a serenata e a odalisca. A intenção do pintor não era aqui a representação lasciva das duas mulheres, mas ressaltar situação de enfermidade, de doença e de opressão. As marcas do chão e da coberta da cama, assim como a perspectiva, extremam o aspecto de aprisionamento de toda a cena retratada. Do mesmo modo, a figura feminina deitada no leito. Mais do que a imagem sedutora contempla, na verdade, um corpo sem vida em um banco de tortura. A figura que se coloca de frente a ela, com perfil que parece ter sido traçado por uma criança, sustenta um bandolim com um garrote. A forte oposição de cores, sombrias e estridentes, sublinha a atmosfera doentia.

Baltus comparece, entre outros, com seu Alice (1933). Procurou desde cedo um estilo figurativo o qual, tanto por seu colorido como pelo tipo de pincelada, aproxima-se da pintura do Renascimento. De outro lado, o caráter onírico de seus motivos, muito inspirado no mundo da infância e da adolescência, o aproxima do âmbito dos surrealistas. Alice é uma de suas obras emblemáticas, sublinha-se o contraste entre a delicada sensualidade de uma jovem e a pobre decoração do ambiente. Com os olhos abertos a jovem se mostra aqui ao espectador com a parte frontal de seu sexo a descoberto, não obstante a pose inocente e provocadora.

Magritte, o grande Magritte, representado, entre muitas outras, com As Marchas do Verão (1938). Apesar de seu estreito contato e afinidade com o grupo formado em torno de André Breton, o pintor desenvolveu um estilo surrealista absolutamente pessoal e inconfundível. A partir de 1938 mostrou-se visivelmente fascinado pela irradiação poética de alguns objetos como, por exemplo, do cristal. Este quadro é de novo uma reflexão entre a arte e a proporção: a antiga Grécia definiu seu ideal de beleza com a ajuda dos princípios matemáticos; mais tarde o renascimento italiano, levado pelo mesmo espírito de racionalidade, introduziu a perspectiva na pintura. O original artista belga reinterpretou esses mitos fundadores, invertendo-os: a anatomia humana se recompõe a partir de cânones dispares, e a perspectiva se reinventa enfrentando cubos de gelo e nuvens.

Não podia faltar, num museu de arte contemporânea, Andy Warhol, representado num quadro inconfundível, Ten Lizes (1963). Ele ridicularizou a sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que atuou como o mais apaixonado defensor dela mesma. Desenvolveu um sistema de produção artística que se submeteu às leis do mercado e converteu o antigo estatuto do artista em algo depassé, fora de moda, antigo. Nos anos 60 surgiram suas lendárias serigrafias (como a da Campbell’s Soup, Marilyn, Electric Chair). Mais tarde fundou a não menos famosa Factory, da qual saíram nomes de muito talento como Bob Wilson e Jan Michel Basquiat. Este gênio universal era, além disso, produtor do grupo The Velvet Underground, editor da Revista Interview e realizador de vários filmes. Desta maneira esgotou todas as possibilidades da criatividade artística que lhe oferecia a sociedade de consumo ocidental. Esse famoso quadro, Ten Lizes, é um exemplo clássico do valor do múltiplo, do trabalho em serie. O mesmo motivo (aqui, no caso, um retrato da atriz Liz Taylor) se reproduz dez vezes, ligeiramente imperfeito e com diferenças mínimas: um discurso denso e ao mesmo tempo engraçado contra a pretensão da unicidade da obra de arte.

Ao final de uma visita refletida durante dois dias a este centro de arte e repositório de ideias o espectador é obrigado a oferecer a si mesmo uma revisão de conceitos. A História é movimento, o mundo é movimento, a vida é movimento, a arte é movimento. É impossível recusar-se, de pronto, uma nova manifestação do pensamento artístico, sem refletir sobre o que pensaram os franceses diante das pinturas de Delacroix no começo do século XIX, nos avanços dos impressionismos de todos os matizes e, num mundo muito mais distante, como os nossos ancestrais enxergavam os trabalhos artísticos dentro das suas cavernas. A busca de uma essência da pintura e da escultura é menos pertinente do que as obras consideradas em si mesmas, porque o interesse e a pertinência dessas obras consistem exatamente em transcender, ultrapassar os limites de uma definição.



Referências bibliográficas

Carol Strickland e John Boswell, Arte Comentada da Pré-História ao Pós-Moderno, Ediouro, 8ª Edição
Centre Pompidou, Jacinto Lageira, Editions Scala 2000, 2001
Centre Georges Pompidou, Paris, Jean Poderos, Edición española, Impreso en Alemania.logo-jota