TECNOLOGIA

Uso de métodos online pode consolidar tendência de conciliação no Brasil

Especialistas ouvidos pelo JOTA consideram que as facilidades do ambiente online podem impulsionar a prática

Fonte: Pexels

A tradicional Semana Nacional de Conciliação, que neste ano chega à 15ª edição, terá uma novidade relevante neste ano: a tendência de prevalência das mediações online.

Nacionalmente, ainda não há uma recomendação consolidada neste sentido, porque o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expedirá só nesta sexta-feira (16/10) os ofícios aos Tribunais com as orientações para a operacionalização da campanha. Mas alguns estados como Paraná e Maranhão já anteciparam que a edição deste ano será virtual. A Semana Nacional de Conciliação deste ano ocorrerá entre 30 de novembro e 4 de dezembro.

Para especialistas ouvidos pelo JOTA, o incentivo ao uso de recursos tecnológicos para solucionar conflitos por meios alternativos tem o potencial de ser um divisor de águas na cultura litigiosa que prevalece no Brasil. Apesar de diversas iniciativas por parte do poder público, até hoje não se consolidou uma consciência coletiva de tentar resolver conflitos via mediação e conciliação antes de se acionar o Poder Judiciário.

Essencialmente, não há grandes diferenças entre a prática de mediação e conciliação, como explica o mediador empresarial Diego Faleck, sócio do Faleck & Associados e professor da FGV Direito SP.

“Em suma, a conciliação se tornou um procedimento mais ligado ao Tribunal em que as partes tentam entrar em um acordo, enquanto a mediação se insere mais em contextos extrajudiciais e mais complexos. O conciliador tende a ser menos técnico, enquanto mediador usa técnicas em conflitos mais complexos”, diz Faleck que hoje é o responsável pelas negociações dos atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho e Mariana, ambas as cidades localizadas em Minas Gerais.

Histórico e problemas

Em novembro deste ano, completa-se uma década da Resolução 125/2010 do CNJ, que dispõe sobre a adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos como política nacional do Poder Judiciário. Esse ato é considerado um dos mais importantes sobre o tema.

“Em 2006, quando a ministra do STF Ellen Gracie chega na presidência da Corte, e consequentemente, na chefia do CNJ, ela dá o primeiro tom institucional para a prática quando cunha a frase ‘conciliar é legal’. Depois, começaram a surgir os movimentos para tentar criar essa cultura na sociedade e estimular isso dentro dos tribunais, que culminaram na resolução 125 de 2010”, diz Marcelo Girade, sócio-diretor da M9GC Conflict Resolution Training e co-autor do Manual de Mediação Judicial do CNJ.

Segundo Girade, depois da resolução, que acabou incentivando os tribunais a se organizarem para atender a disposição do CNJ, começou uma mobilização para dar sustentação jurídica e legal à prática. Foi nesse período que se aprovou a Lei nº 13.140, a Lei de Mediação, que entrou em vigor em 2015.

No mesmo ano, o novo Código de Processo Civil dispôs no capítulo 5, artigo 334, a obrigação para que o juiz faça, antes do julgamento, uma tentativa de conciliação como primeira etapa do processo.

“Com esses marcos legais, a expectativa de todos era a de que a mediação e a conciliação tivessem um grande impacto no litígio no Poder Judiciário e que isso pudesse ser sentido com uma diminuição do uso de processos judiciais e um aumento de medidas alternativas para resolução de conflitos”, diz, acrescentando que, com o passar do tempo, esse resultado ainda não foi alcançado.

Historicamente, segundo dados do relatório Justiça em Números, divulgado anualmente pelo CNJ, os processos por ano que são baixados via conciliação ou mediação variam entre 3 e 4 milhões, em média.

Em 2015, primeiro ano em que a estatística foi consolidada, o percentual de soluções alternativas foi de 11% do total de processos resolvidos naquele ano. Em 2019, ano com a melhor performance desta estatística, foram 12,5% dos processos finalizados por vias alternativas.

“No fundo, o que de fato movimentou o Judiciário a abraçar essas técnicas é a sobrecarga de trabalho, mas há diversas barreiras que limitam a popularização desses métodos. A principal barreira é que o Estado é o maior litigante e, no âmbito do poder público, ainda há uma grande resistência em resolver conflitos via mediação”, afirma Rafael Alves, sócio do L.O. Baptista Advogados, escritório que atua em mediação alternativa de conflitos.

O advogado explica que, hoje, já é possível começar a perceber uma movimentação maior entre os advogados da área pública para inserir mais técnicas de mediação nos processos, mas que isso ainda precisa passar por pacificação nos órgãos de controle.

“Diferentemente da área privada, quando um procurador faz um acordo ele tem que justificar de diversas formas o por quê de aquela saída ser a melhor encontrada. Isso desincentiva”, diz.

Além disso, cita o mediador Marcelo Girade, o Brasil poderia se inspirar em países como Itália, Austrália, Turquia e Grécia, por exemplo, que adotaram a mediação, chamada de “Easy Opt Out”, como uma medida obrigatória antes de chegar ao Judiciário.

“Você pode fazer com que o cidadão, primeiro, tenha que passar por uma tentativa de conciliação e, só depois, em caso de nenhum acordo, ser direcionado para a Justiça”.

Apesar do cenário atual, iniciativas como a da Semana Nacional de Conciliação são vistas como um incentivo ao poder público, à sociedade e às empresas para se valerem dos benefícios desse tipo de resolução de conflitos para desafogar o Judiciário.

“Para os segmentos que têm mais litígios como é o caso dos bancos, resolver ações por meio de conciliação é muito mais vantajoso. Os custos são menores e se paga menos do que se previu na jurimetria anual [quando as empresas fazem previsões para os acionistas dos possíveis custos com ações judiciais”, afirma o advogado Luciano Godoy, sócio do LUC Advogados e ex‐juiz federal.

Há um consenso entre os especialistas ouvidos pelo JOTA de que a ampliação da conciliação e mediação para o ambiente online facilitará uma série de procedimentos necessários e pode, inclusive, ganhar projeção a ponto de se tornar uma política pública mais consolidada, com destinação de orçamento, metas e prestação de contas.

“Hoje, nas sessões online nós conseguimos trabalhar com partes que estão em outros estados, até mesmo outros países. Evoluímos muito em meses de pandemia. A tendência é aumentar, melhorar e aperfeiçoar as sessões virtuais, que demandam muito mais técnicas por parte do mediador ou conciliador”, diz Margarete Saltoratto, diretora da CAMCESP – Câmara de Arbitragem, Mediação, Conciliação e Estudos de São Paulo.

Na perspectiva de Maria Cristina Fraguas, diretoria de planejamento e fiscalização geral das atividades do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJSP, é possível que em 2021 as estatísticas apontem para um resultado mais positivo sobre a resolução de questões por meio de técnicas alternativas, pelo menos em São Paulo.

“Este ano foi de adaptação, mas a partir de 2021 acredito que todos os servidores terão o mínimo de tecnologia para fazer as reuniões de mediação. Nós já sabemos também que o CNJ disse ‘o remoto veio para ficar’, por conta até de dotação orçamentária. Foi uma economia muito grande e somos a favor disso”, explica.

Fraguas acrescentou, ainda, há uma expectativa por parte dos servidores do TJSP de que o Tribunal faça uma regulamentação para que, em 2021, quem trabalhe com conciliação permaneça em atividade remota, com trabalho presencial bem reduzido. “Nesse reduzido, o que poderíamos atender: as pessoas mais carentes que realmente não têm uma tecnologia para fazer online”, afirma.

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