Arbitragem

Judiciário não pode virar ‘segunda instância’ da arbitragem, alertam especialistas

Aumento de contestações de sentenças arbitrais pode minar a confiança no instituto, o que afeta o ambiente de negócios

Fachada do STJ com visão das bandeiras e iluminação roxa / Créditos: Gustavo Lima/STJ

Criada como uma alternativa de resolução de conflitos independente do Judiciário, a arbitragem tem ganhado força no Brasil nos últimos anos para dirimir conflitos contratuais e empresariais. As vantagens são imensas: o julgamento é mais célere, sigiloso e é feito por julgadores especializados. Mas o questionamento de decisões arbitrais seguidamente na Justiça, o que tem ocorrido em alguns casos, pode acabar por enfraquecer o instituto e afetar o ambiente de negócios do país. 

Dados de uma pesquisa feita em 2016 pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), que analisou acórdãos de tribunais superiores em ações anulatórias arbitrais, mostram que de 11 ações que haviam chegado ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, duas resultaram em anulação, um índice de 18%. O grupo prepara uma nova pesquisa sobre o tema com dados mais recentes, que ainda deve demorar alguns meses para ficar pronta. Para se ter uma ideia do volume de contestações atualmente, uma simples busca de jurisprudência no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), o maior do país, revela que apenas neste ano foram julgados 8 recursos que mencionam o termo “anulação de sentença arbitral”. 

A Lei de Arbitragem fixa algumas hipóteses em que é possível declarar nula uma sentença arbitral – são casos bem excepcionais e dizem respeito a vícios formais e procedimentais, nunca ao mérito da decisão, deixando claro que o Judiciário não é uma “segunda instância” do procedimento. Nos dois casos anulados mencionados pela pesquisa do CBAr, por exemplo, foi constatado que havia problemas na cláusula compromissória de arbitragem. Em um deles, havia a previsão apenas de mediação, enquanto no outro o compromisso arbitral só havia sido assinado por uma das partes. 

Eliana Baraldi, advogada e vice-presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem das Sociedades dos Advogados da OAB-SP,  afirma que “o questionamento judicial é parte do sistema, mas hoje ele tem sido utilizado muito mais como uma forma de recurso travestido, algo extremamente nocivo para a arbitragem no Brasil”.

“Há uma profusão de demandas com propósitos frívolos”, avalia a advogada. “De maneira alguma a Justiça funciona como segunda instância da arbitragem, mas há uma percepção de partes que podem usar a ação anulatória como se recurso fosse, quando recurso não é”, destaca.

O advogado Gilberto Giusti, sócio e coordenador da área de arbitragem do Pinheiro Neto Advogados, destaca que é preciso deixar claro que as decisões da arbitragem são definitivas. “A arbitragem realmente não pode ser uma etapa para todo mundo começar a ir para o Judiciário, não é assim”, afirma. “Nestes casos em que a Justiça interfere, algumas pessoas podem achar que o Judiciário acaba servindo como um órgão de revisão. E a gente corre o risco de, por desinformação, as pessoas pensarem que a arbitragem não é definitiva, o que não é verdade”, diz.

Quando o Judiciário passa a ser visto como uma instância recursal das arbitragens, há um evidente desincentivo aos meios de solução de conflitos extrajudiciais, o que afeta o ambiente de negócios do país. Hoje questões industriais e empresariais são majoritariamente decididas por meio da arbitragem, já que o julgamento tende a ser mais especializado. 

Gustavo Schmidt, professor da FGV e presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), explica que a lei de arbitragem impede que o Judiciário reexamine o mérito. “A partir do momento em que você faz uma escolha, contratualmente, pela solução do conflito via arbitragem, o máximo que o Judiciário pode fazer é anular, não pode reexaminar. E essa anulação tem hipóteses bastante restritas. Você só admite com base no error in procedendo, ou erro de procedimento. São situações muito excepcionais”, afirma.

As regras para eventuais anulações de uma sentença arbitral estão previstas na Lei 9307/1996. E as hipóteses para isso ocorrer são muito restritas, como quando a decisão for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; se a sentença for decidida por quem não podia ser árbitro ou se foi desrespeitado o devido processo legal, como o direito ao contraditório e à ampla defesa.

“Uma sentença arbitral não é nula porque uma parte não gostou, ela só é nula se não foi cumprida determinada formalidade que deveria ter sido cumprida”, avalia Carlos Forbes, especialista em arbitragem e sócio do Forbes, Kozan e Gasparetti Advogados, para quem o Judiciário sabe que não é uma segunda instância arbitral – e nem deseja esse papel. É necessário que o Judiciário reafirme essa posição de forma peremptória para garantir a segurança jurídica e o saneamento do ambiente negocial brasileiro.

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