Tributos

STJ julga competência do Senai para arrecadar e cobrar diretamente suas contribuições

Especialistas defendem que entidade tem legitimidade para fazer cobrança direta

STJ
Fachada do edifício-sede do STJ. Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Um tema sensível a todo o setor industrial deve ser julgado nos próximos dias pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se da competência do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para recolher as contribuições devidas à entidade e, em caso de inadimplência, ajuizar ações de cobrança contra a empresa-contribuinte, um papel exercido há 60 anos pela entidade. Todo o arcabouço legal que dá sustentação à cobrança direta pelo Senai, assim como os acordos de cooperação assinados com as indústrias para o recolhimento direto, estão sendo questionados.

Estão na pauta desta quarta-feira (8/2) no STJ os embargos de divergência interpostos pelo Senai para reformar decisão que considera a entidade não competente para fazer a cobrança direta do tributo. “É um recurso especial interposto pelo Senai contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional da 4ª Região que reconheceu, equivocadamente, a nulidade formal da cobrança realizada pelo Senai, ao argumento de que seria a União, atualmente, o sujeito ativo da contribuição devida à entidade, cuja constituição, arrecadação e fiscalização estaria a cargo exclusivo dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil”, explica Christiane Pantoja, gerente de Contencioso do Senai.

Embora os embargos de divergência não sejam vinculantes, eles têm o papel de pacificar a jurisprudência sobre o tema nas duas Turmas de Direito Público do STJ e nortear os julgamentos nas instâncias ordinárias. As empresas recolhem as contribuições em favor do Senai há 60 anos. Embora a Lei 11.547/2007 defina que a Receita Federal tem a competência de forma ordinária para receber e fiscalizar a contribuição de terceiros, recebendo os recursos e repassando a parte do Senai, a legislação também prevê a possibilidade de arrecadação direta.

“A partir de um arcabouço legal que permite ao Senai exercer este papel, a entidade firma acordos de cooperação com as indústrias que, em vez de recolherem a contribuição via e-social, vão ao site do Senai para emitir a respectiva guia de recolhimento”, explica Pantoja.

A origem do questionamento data de 2012 quando a Hering entrou na Justiça Federal de Santa Catarina contra o Senai com a alegação de que a entidade não teria legitimidade para cobrar as contribuições, isso mesmo após ter assinado o acordo de cooperação com a entidade. A ação impugnou duas notificações, emitidas pelo Senai contra a Hering, uma relacionada à contribuição geral e outra cobrando o adicional. Esta é a discussão que está na origem do processo dos embargos de divergência.

O Senai pode cobrar dois tipos de contribuições da indústria. Uma delas é sobre a folha de salários, que é a contribuição geral. Já as empresas que possuem mais de 500 funcionários devem pagar também uma contribuição adicional de 0,2% sobre o valor arrecadado da contribuição geral.

A gerente de contencioso da entidade aponta que o Supremo Tribunal Federal já tem posição firmada sobre o assunto, no sentido da recepção pela Constituição Federal de 1988 do arcabouço legal que fundamenta a arrecadação direta pelo Senai. “Nossa ordem constitucional é perfeitamente compatível com a atribuição de capacidade tributária a pessoas jurídicas de direito privado, desde que a aplicação desses recursos se faça sob o crivo dos órgãos de controle oficiais. É precisamente o que acontece com o Senai, que se submete à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União, nos termos do art. 70, parágrafo único, da CF/88.”

Um dos maiores especialistas em Direito Tributário do país, o professor Paulo de Barros Carvalho, do escritório Barros Carvalho Advogados Associados, reforça esta visão de que o Senai permanece competente para realizar a cobrança direta das contribuições. “O sistema de ‘cobrança direta’ que o Senai pratica existe desde a década de 60 e tem fundamento em dois diplomas: os Decretos 494/1962 e 60.466/1967. O que se discute, hoje, é se tais documentos, que vem sendo continuamente utilizados há cerca de 60 anos, continuam vigentes em nossa ordem jurídica, em especial após a Lei 11.457/2007. Estou convicto de que a resposta é afirmativa”, afirma o especialista.

Sobre a criação da Super Receita, em 2007, que atribuiu o dever de recolher tributos ao órgão federal para que assumisse poderes antes sob a responsabilidade do INSS, Barros Carvalho afirma que a mudança envolve várias contribuições destinadas a terceiros. “No entanto, este ‘novo’ comando não é juridicamente capaz de se sobrepor a regras mais específicas já em vigor, como as que instituem a cobrança direta pelo Senai, e que foram recepcionadas pela Constituição de 1988”, afirma o professor.

Ele cita, entre outros artigos, o art. 2º §2º da Lei de Interpretação das Normas de Direito Brasileiro (LINDB) segundo o qual uma norma posterior de caráter mais amplo não se sobrepõe a outra, mais antiga, de caráter específico. E resume: “Vê-se, assim, que os dispositivos que dão capacidade tributária ao Senai foram recepcionados pela Constituição; preservados das mudanças da Lei 11.457/07, pois tratam de matéria mais específica; e salvaguardados da revogação pelo Decreto de 1991 pois tal matéria só pode, hoje, ser tratada por meio de lei.”

Vantagens para União e Sociedade

Christiane Pantoja, do Senai, lembra que, apesar dos questionamentos feitos por empresas, a própria União já se manifestou favorável à arrecadação direta praticada pela entidade. “A Receita Federal do Brasil, em diversas oportunidades, referendou o sistema de arrecadação direta das contribuições devidas ao Senai através de Soluções de Consulta e Instruções Normativas. Também a Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já se pronunciou pela legalidade da arrecadação direta efetivada pelo Senai. Inclusive, há vários processos em que a Fazenda Nacional foi chamada a se manifestar e considerou o Senai legítimo para arrecadar e, portanto, para ajuizar ações de cobrança. Não há interesse da União em mudar isso.”

Por outro lado, o modelo de arrecadação direta adotado pelo Senai via acordos de cooperação gera ganhos para a sociedade. Isso porque a parceria firmada com as empresas oportuniza a aplicação de recursos em atividades ou projetos iguais aos fins institucionais da entidade, como escolas, projetos de inovação e capacitação de mão de obra.

Um exemplo de parceria entre Senai e empresas, que reforça a validade e a importância dos acordos de cooperação que permitem a arrecadação direta foi firmado há mais de três décadas. “O termo de cooperação técnica e financeira foi assinado no início década de 1990 entre a Mercedes-Benz do Brasil e o Senai. Não foi uma decisão isolada, mas uma decisão conjunta, levando-se em conta os benefícios da parceria que a empresa já acumulava com o Senai desde 1957. O termo tem trazido excelentes vantagens e benefícios mútuos para a Mercedes-Benz, seus colaboradores e o Senai durante os mais de 30 anos de sua assinatura”, comenta Romulo Rodrigues Violante, gerente de Recursos Humanos da Mercedes-Benz.

O executivo da Mercedes-Benz do Brasil cita, entre as inúmeras vantagens, o suporte financeiro para projetos e iniciativas relacionados ao desenvolvimento técnico e profissional dos colaboradores da montadora. “São vários projetos e iniciativas relacionados à promoção da saúde e qualidade de vida de nossos colaboradores que são realizados com os recursos disponibilizados pelo termo de cooperação. Podemos destacar os treinamentos sobre normas técnicas (NR) relacionadas à Segurança do Trabalho e Saúde Ocupacional para o atendimento à legislação e a promoção da saúde e segurança dos nossos colaboradores.”

Expectativa para a retomada do julgamento

O julgamento que está na pauta do STJ desta semana, começou em maio do ano passado. O relator, ministro Og Fernandes, votou para acolher os embargos de divergência do Senai e reconhecer a legitimidade da entidade para fazer a arrecadação direta. Após um pedido de vista, o julgamento foi retomado em setembro com o voto divergente do ministro Gurgel de Faria, que opinou pela ausência de legitimidade do Senai. O julgamento foi novamente interrompido, em razão de pedido de vista da ministra Assusete Magalhães, a próxima ministra a votar.

“O julgamento não pode mais ser adiado e esperamos que os questionamentos do Senai sejam acolhidos. De qualquer forma, sabemos que qualquer que seja a decisão há a possibilidade de que o processo seja enviado para apreciação do Supremo Tribunal Federal”, comenta Christiane Pantoja. O professor Barros Carvalho também destaca a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja convocado para avaliar o tema. “Sobre o STF, parece-me plausível que o assunto possa chegar àquela Corte. Isso porque questões que envolvem a recepção dos diplomas têm índole constitucional e podem fundamentar recursos à Suprema Corte. Tudo isso, no entanto, dependerá dos precisos termos em que será prolatada a decisão do STJ e isso ainda está em aberto.”