Licenciamento ambiental

Mudança sobre competência para licença ambiental geraria insegurança e atrasos

Risco de o STF acolher ação de inconstitucionalidade que questiona a LC 140 preocupa setor empresarial

Floresta amazônica com névoa durante o dia
Floresta amazônica / Crédito: Pexels

As manifestações de quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante votação em plenário virtual da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.757, que questiona a validade da LC 140 também conhecida como a Lei das Competências Ambientais– acenderam a luz amarela de especialistas em Direito Ambiental e de entidades representantes do setor empresarial. Os primeiros votos foram favoráveis a pontos da ação que podem levar a um retrocesso no principal ponto da LC 140: tornar claro e delimitar o que cada ente federativo pode e deve fazer em termos de licenciamento ambiental e fiscalização –União, estados e municípios. O pedido de destaque feito pelo ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento, mas em seguida foi cancelado e será retomado do ponto que parou, a partir desta sexta-feira (2). 

“Foram 23 anos de espera até que a Lei Complementar 140 fosse publicada e encerrasse disputas constantes entre os órgãos ambientais dos diferentes níveis da federação, e que prejudicavam os licenciamentos”, comenta Marcos Abreu Torres, gerente de Assuntos Jurídicos de Representação da Confederação Nacional da Indústria (CNI).  Torres se refere ao que já previa a Constituição de 1988 ao definir que todos poderiam legislar e fiscalizar o tema, mas indicando que uma Lei Complementar (LC) deveria regulamentar o assunto, o que só ocorreu em 2011. “Até a LC 140 havia muito conflito de competências, às vezes por excesso ou sobreposição dos órgãos, às vezes por omissão porque como todos poderiam fiscalizar, muitas vezes ninguém de fato o fazia.  A tendência expressa nos primeiros votos no STF é preocupante porque pode haver, ao meu ver, um retrocesso.”

A consultora Legislativa na Câmara dos Deputados na área de Meio Ambiente e Direito Ambiental, Organização Territorial, Desenvolvimento Urbano e Regional, Rose Hofmann, vai além e diz que a LC 140 é para a defesa do meio ambiente e segurança jurídica. “O objetivo da LC 140 foi o oposto ao da fragilização, dado que buscou a cooperação e o fortalecimento dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama)”, comenta Hofmann, acrescentando que a distribuição equilibrada de atribuições entre os entes federativos, como fez a LC 140, gera maior engajamento e efetividade na implementação da política ambiental, evitando sobreposições e omissões no exercício do controle e fiscalização.

A importância da LC 140 é também defendida por um dos principais especialistas no tema, o advogado e professor da UFPB e da UFPE, Talden Farias. Autor de uma tese de mestrado sobre a lei complementar e de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Urbanístico, Farias afirma que a legislação ambiental brasileira é muito avançada, porém que o ponto frágil sempre foi a indefinição das competências administrativas. 

“A discussão de competência é preliminar a qualquer legislação e ela faltava na Constituição que não definia os limites da União, com o Ibama e o Instituto Chico Mendes, e dos órgãos ambientais do Estado e dos municípios, o que foi sanado com a LC 140”, comenta o especialista que não vê conflitos entre o modelo federativo e a LC 140. “O artigo 23 da Constituição estabelece competência administrativa comum nos três níveis respeitando a jurisdição e ordenou que uma LC regulamentaria, o que foi feito. A ideia de que houve enfraquecimento dos poderes de fiscalização federal, feito pelo Ibama, não se sustenta. É argumento frágil.” 

 A ação que está sendo julgada foi ajuizada no STF em 2012 pela entidade que representa os servidores do Ibama, a Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). “Eles alegam primeiro que as condições de fiscalização, do artigo 17 da 140, limitariam as atribuições dos entes federativos ao definir que quem concede a licença é quem deve fiscalizar. Na visão da associação, isto limita o poder de atuação do Ibama, o que não concordo.” 

Talden Farias também discorda do posicionamento da ASIBAMA. “Faz todo sentido que o órgão que concedeu a licença faça a fiscalização prioritariamente, mas a lei não veda que outros órgãos possam fiscalizar. Se um órgão estadual percebe algum problema na atividade empresarial pode embargar e tem que comunicar o Ibama, se foi ele quem licenciou para que se manifeste. A palavra final é de quem licenciou, mas todos se perceberem alguma irregularidade podem se manifestar” explica o professor. 

A doutora em Direito Ambiental e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Priscila Artigas, tem a mesma visão. “Não há mais insegurança jurídica a respeito da definição de competência para o licenciamento ambiental e para a emissão de outras autorizações administrativas nesta seara. É preciso que apenas um órgão administrativo ambiental imponha medidas de comando e controle para determinada atividade ou empreendimento”, explica Artigas. Ela acrescenta que a norma definiu a forma de cooperação que deve haver entre os entes da federação para a proteção do meio ambiente. “Dessa maneira, ganhou o meio ambiente e ganhou a economia.”

A possibilidade de convênios entre os diferentes órgãos é outro ponto questionado na ADI em análise no STF. “A ação questiona algo que está previsto na LC 140 que é a possibilidade de a União delegar para estados e municípios algumas atribuições. Algumas faixas da zona costeira são da União, mas se for um licenciamento de quiosques na orla o Ibama não precisa participar, basta conveniar o município para que atue em nome dele, o que é correto”, comenta Marcos Torres, da CNI. “A Lei reconhece a validade dos convênios de transferência de competências entre os entes, o que é questionado na ADI.”

No voto da relatora da ADI, a ministra Rosa Weber, um dos pontos mais criticados pelos especialistas se refere à transferência de competência em caso de demora na análise da renovação da licença ambiental pedida. Ela entendeu que, em caso de omissão ou demora administrativa sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais, é possível que outros entes atuem em caráter supletivo. Se a competência da renovação for do estado, e ele não a fizer de forma regular e célere, a União pode desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais; se for do município, o estado assume a responsabilidade. “Esta manifestação apareceu no voto da ministra. Ela coloca ainda que mesmo pedindo a renovação antecipadamente, com 120 dias de antecedência, se ela não for feita no prazo, passa para outro órgão. Isto não agrega nada e pode causar mais atrasos”, explica Talden Farias.

Na avaliação do presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental (Ubaa) e sócio de Burmann Advocacia Ambiental, Alexandre Burmann, um empresário não deve ser punido por se antecipar e pedir uma renovação de licença 4 meses antes. “Não dá para dizer que é errado que um órgão assuma quando outro não está cumprindo prazos, foi negligente ou insuficiente, mas o voto da ministra cria uma confusão que só gera insegurança jurídica”, comenta o advogado.  Burmann reconhece uma lacuna na LC 140 quando o assunto é a aplicação de multa por um órgão que não foi o que licenciou. “Se a Cetesb (SP) identifica uma irregularidade em uma indústria licenciada pelo Ibama e aplica a multa, ela tem que comunicar o órgão federal, mas não é definido um tempo para isto, tudo ficou em aberto.”

Marcos Abreu Torres, do jurídico da CNI, acrescenta que o questionamento de uma “hipótese de licenciamento tácito” com a prorrogação da licença, decorridos após os 120 dias sem uma definição, não é correto. “Se o entendimento da ministra prevalecer, se o órgão estadual que fez o licenciamento não se manifestar, após o prazo o pedido vai para o Ibama, que não tem qualquer conhecimento daquela licença. Começará do zero, atrasando ainda mais. Ninguém tem interesse nisto, nem mesmo os órgãos de licenciamento e fiscalização já com muitas atribuições”, acrescenta Torres. “O Ibama não tem expertise em análise de projetos das indústrias, de postos de gasolina etc. Não faz sentido que receba estas demandas.”

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Dias Toffoli haviam acompanhado o voto da relatora. A CNI entrou com um pedido para ser amicus curiae, ou ‘amiga da corte’, e participar do julgamento fornecendo sua visão do tema. “Não será positivo caso a visão da ministra impere, poderia gerar nas grandes empresas uma onda de mandados de segurança, judicializando o tema”, comenta o advogado da CNI. 

A assessora da Câmara Rose Hofmann acredita ser “possível e bastante provável a mudança do voto” afirmando que ao analisar mais profundamente a questão podem ser esclarecidos os efeitos colaterais indesejáveis de acolhimento do pleito. “Despertar a competência supletiva por decurso de prazo, por exemplo, é algo pouco utilizado até mesmo quando se fala no primeiro licenciamento, pois é senso comum que alterar a competência do processo no meio do caminho não resolve o problema, mas apenas o desloca. Ao ponderar essas questões no debate, acredito que o voto será modificado.” 

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