conteúdo patrocinado

Futuro da isenção federal a compras de até US$ 50 está nas mãos do STF

Ação da CNI e CNC argumenta que benefício promove ambiente de competição desleal no Brasil; entenda questionamentos

Foto: Unsplash

A disputa em torno da isenção de impostos federais para compras internacionais até US$ 50 está longe de ter um ponto final. No capítulo mais recente, quase 50 entidades da indústria e do varejo brasileiro pediram, nesta semana, para que o Ministério da Fazenda repense o benefício. Mas um cenário provável é que o assunto seja definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

O programa Remessa Conforme, em vigor desde agosto, zera a alíquota de 60% do imposto federal de importação (válido no regime de tributação simplificada) nas compras de até US$ 50 em plataformas internacionais participantes. Todas as vendas ainda recebem uma cobrança de 17% do ICMS. 

Antes disso, a totalidade das compras era sujeita ao tributo, com exceção às remessas feitas entre pessoas físicas e transportadas pelos Correios. 

A questão é que, na perspectiva da indústria e do varejo brasileiros, a incidência de impostos sobre produtos nacionais ainda é maior do que o tributo cobrado sobre os produtos importados dentro do programa. É o que apontam, por exemplo, o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV) e a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) na carta à Fazenda. 

Ação contra o benefício

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) concordam com essas preocupações. As duas entidades são responsáveis pela ação no STF que defende a inconstitucionalidade da isenção de impostos às exportações de pequeno valor. 

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7.589 aguarda encaminhamento pela ministra Carmem Lúcia, a quem a ação foi designada.

De acordo com a CNI e a CNC, há violação dos princípios constitucionais da isonomia e da livre concorrência. Elas questionam dispositivos do Decreto-Lei 1.804/1980 e da Lei 8.032/1990, que estabelecem a isenção do direito aduaneiro para parte das remessas endereçadas a pessoas físicas, além da Portaria da Fazenda 612/2023, sobre o Remessa Conforme.

Para se ter uma ideia da mudança, de acordo com levantamento da CNI com base em dados do Banco Central, entre 2013 e 2022, as importações de pequeno valor saltaram de US$ 800 milhões para US$ 13,1 bilhões – passando de uma representatividade, frente a todas as importações de bens, de 0,0% em 2013 para 4,4% em 2022.

“Essa porcentagem mostra que isso deixou de ser uma compra residual, como era nos anos 1980, e passou a ser uma prática comercial. E como prática, ela precisa ser taxada”, diz o diretor jurídico da CNI, Cássio Borges.

No período de janeiro a novembro de 2023, com os dados mais atualizados, as importações de pequeno valor somaram aproximadamente US$ 9,3 bilhões, representando 4,2% das importações totais do período. 

Isso é reflexo sobretudo da explosão do comércio eletrônico desde a pandemia da Covid-19, aliada à chegada massiva de marketplaces globais ao Brasil – ofertando preços baixos e entregas rápidas, ainda que o produto tenha sido produzido do outro lado do planeta. 

“As duas leis, originadas em 1980 e 1990, não representam mais a realidade socioeconômica do país. No passado, remessas assim eram raríssimas, sendo que o comércio eletrônico não existia”, explica o diretor jurídico da CNC, Alain MacGregor. “Enquanto antes esse tipo de movimentação não tinha impacto no mercado, a situação é bem diferente hoje”, continua ele.

Diferença no preço

“Um levantamento feito pela CNC mostra que o preço de um produto vendido por um empresário brasileiro custa o dobro para o consumidor em relação ao produto do comércio eletrônico transfronteiriço”, acrescenta MacGregor. “E essa diferença é causada apenas pela divergência na tributação”.

Para uma empresa nacional importar o mesmo produto anunciado por até US$ 50 ao consumidor no comércio eletrônico, o custo tributário varia entre 63% e 90% – isso porque ele não se beneficia do regime de tributação simplificado. 

Assim, esse produto custaria entre R$ 407 e R$ 474 ao chegar ao estoque do empresário brasileiro; e o preço de venda ao consumidor seria de pelo menos R$ 546. Como comparação, o preço final para o consumidor que importa diretamente no e-commerce e se beneficia da isenção fica em R$ 292 – levando em conta a conversão do dólar a R$ 5, patamar aproximado em que se encontra atualmente. 

“Isso não só viola o princípio de isonomia, já que dá vantagem às compras por importação, como também vai contra a ideia de incentivo ao mercado interno como patrimônio nacional”, continua ele. “Na atual conjuntura, estamos ajudando a criar empregos em outro país, estimulando a economia de outra nação, encorajando o empreendedor de outro lugar”, diz ele.

Esse efeito também seria observado nas vendas e na competitividade. Levantamento da CNC aponta que, a cada 1% de diferença de preço em relação ao produto importado pela Remessa Conforme, o varejo brasileiro tem 0,49% de queda nas vendas. 

“Na atual conjuntura, estamos ajudando a criar empregos em outro país, estimulando a economia de outra nação, encorajando o empreendedor de outro lugar”

Alain MacGregor, diretor jurídico da CNC

Impactos nas vendas de vestuário

O setor de vestuário é um dos mais preocupados com as consequências do benefício. O presidente emérito da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, afirma que os US$ 50 isentos de tributos na importação de pequenas encomendas equivale, justamente, ao ticket médio do consumidor de vestuário no Brasil.

“O brasileiro gasta em média menos de 250 reais em compras de moda. Quando não há tributação, o poder de compra aumenta, portanto fica mais rentável comprar fora do que dentro do Brasil por conta dessa isenção”, afirma ele.

Pimentel cita pesquisa feita pelo BTG Pactual que mostrou como a empresa de e-commerce de moda chinesa Shein teve um faturamento de R$ 10 bilhões em 2023 no Brasil. 

“Isso significa que, em média, foram 250 milhões de peças de roupas trazidas para cá, representando até 4% do consumo aparente de vestuário no Brasil. Esse número é enorme”, comenta ele, com base em cálculos da indústria. 

Esse volume, caso a fabricação acontecesse no Brasil, representaria 50 mil empregos diretos na indústria têxtil brasileira. Esse montante ainda somaria R$ 100 milhões de reais em salários.

Para Pimentel, não se trata de proteção da indústria e do varejo nacionais, mas de isonomia. “Queremos um sistema justo: se o e-commerce internacional está isento, então as empresas que produzem e vendem no Brasil também deveriam ter isenção até US$ 50. Por uma questão de igualdade, se não há o benefício no país, os lojistas no exterior também não podem ter”, defende. 

Dessa forma, caso o mercado consumidor brasileiro, ainda assim, optasse pelos produtos do comércio eletrônico transfronteiriço, não haveria problema. “Essa seria uma resposta dos consumidores e livre de qualquer tipo de benefício fiscal”, complementa.

“Queremos um sistema justo: se o e-commerce internacional está isento, então as empresas que produzem e vendem no Brasil também deveriam ter isenção até US$ 50. Por uma questão de igualdade, se não há o benefício no país, os lojistas no exterior também não podem ter”

Fernando Pimentel, presidente emérito da Abit

O setor tem urgência por um desfecho. Pimentel ressalta que, depois do Natal, a data mais importante para o mercado têxtil brasileiro (em especial, a parcela de vestuário) é o Dia das Mães, que neste ano cai no dia 12 de maio. “Precisamos resolver essa situação até lá, pois é uma data importante para quem trabalha no setor. É uma fatia importante do lucro do ano”, alerta.

Queda nas importações

Por ora, a situação pode demorar a ter uma nova definição. Um relatório técnico divulgado pelo Ministério da Fazenda no início do ano recomendou que o programa Remessa Conforme mantenha a alíquota federal em zero nas importações de até US$ 50.

Segundo o documento, no bimestre entre outubro e novembro de 2023, cerca de 83,8% das encomendas que chegaram ao país foram declaradas corretamente. Esse número não chegava a 10% antes do programa.

Apesar disso, os técnicos consideram muito cedo para declarar se o Remessa Conforme deve ou não continuar existindo, destacando que mais dados são necessários para sua real avaliação.

Além disso, de acordo com dados recentes do Banco Central, as vendas de marketplaces internacionais caíram 40% durante o mês de novembro de 2023. Para a equipe do Ministério da Fazenda, a cobrança de ICMS foi o suficiente para afastar o mercado brasileiro das importações. 

O documento também mostrou que o volume mensal de remessas internacionais caiu de US$ 1,6 bilhão em 2022 para US$ 952 milhões em 2023. Já no acumulado de janeiro a novembro de 2023, foram US$ 9,29 bilhões em operações, algo que representa uma queda de 19,2% sobre o mesmo período em 2022.

Para Cassio Borges, da CNI, esses números não caminham no sentido contrário às alegações da ação no STF sobre quebra da isonomia e danos à competitividade. Pelo contrário, eles a apoiam. 

“Com um acréscimo de 17% de imposto, já tivemos uma redução de 40% nas compras. Isso mostra que o consumidor brasileiro não está se voltando para a importação porque não temos produtos de qualidade no mercado nacional, e sim porque financeiramente os produtos importados têm uma vantagem tributária em relação aos nacionais”, explica ele. 

Se o consumidor tiver o mesmo preço e, mesmo assim, preferir um produto importado, é porque precisamos melhorar a nossa qualidade. Desse modo, é uma situação de livre concorrência. Mas os dados mostram que não é esse o caso”

Cássio Borges, diretor jurídico da CNI

Em outras palavras, os consumidores procuram preços baixos – e a importação via comércio eletrônico isenta de direito aduaneiro facilita isso. O diretor jurídico da CNI afirma que o programa Remessa Conforme tem seus méritos, ao promover a retificação das declarações aduaneiras e dar mais transparência a esse mercado. Contudo, ele ainda seria insuficiente para promover condições de igualdade de competição. 

“O que a indústria nacional quer é justamente uma concorrência leal. Se o consumidor tiver o mesmo preço e, mesmo assim, preferir um produto importado é porque precisamos melhorar a nossa qualidade. Desse modo, é uma situação de livre concorrência. Os dados mostram que não é esse o caso”, avalia. 

“Sabemos que não é uma situação fácil para o Supremo. Mas esperamos uma decisão técnica por parte deles, baseada nos princípios constitucionais”, conclui Borges.

Aumento da arrecadação

Além dos debates no Executivo e no STF, também está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 2339/2022, que propõe o fim da isenção para encomendas de pequeno valor. O objetivo é gerar mais receita e evitar concorrência desleal no mercado.

O projeto do deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) e relatado pelo deputado Paulo Guedes (PT-MG) prevê que o vendedor deverá recolher o imposto de importação até a data de entrada da mercadoria no país. Caso isso não aconteça, o consumidor terá de honrar o compromisso. 

Mas o ponto central que pode aparecer no relatório de Guedes é uma alternativa ao atual modelo de tributação do Remessa Conforme – o fim da isenção e alíquotas escalonadas conforme o valor das compras são algumas das possibilidades ventiladas. 

Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) projetou que a tributação de compras internacionais de até US$ 50 pode gerar arrecadação suficiente para bancar a desoneração da folha de pagamento, prorrogada por mais quatro anos no fim de 2023.

Para os técnicos da Fiemg, a arrecadação adicional poderia chegar a até R$ 19,1 bilhões, valores bem vindos ao objetivo de zerar o déficit fiscal. 

No melhor cenário, o consumidor não deixaria de importar produtos abaixo dos US$ 50, uma vez que a taxa deve ser inferior aos 60% cobrados em compras que ultrapassam esse valor. Na pior projeção, haveria uma queda de 45% nas compras de baixo valor, mas isso ainda resultaria em uma arrecadação de R$ 10,5 bilhões.