LGPD

Conselho consultivo da ANPD tem grande potencial de contribuição para a sociedade

Regimento interno é importante para que grupo, com representantes de diversos setores, possa desempenhar bem seu papel

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Crédito: Unsplash

Na era digital, muitas vezes basta um clique para conseguirmos acesso a fatos bastante particulares a respeito de qualquer um. Postamos uma infinidade de conteúdos nas redes sociais, preenchemos formulários em compras on-line, respondemos à habitual pergunta “qual é seu CPF?” ao visitar uma loja… Não é de hoje que esse cenário gera discussões acerca da privacidade e dos limites do uso das informações individuais por empresas. Afinal, os dados pessoais se tornaram uma mercadoria valiosa. 

Por isso, em 2018, o Brasil deu um passo significativo ao aprovar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que regula o tratamento dessas questões. Com a norma, surgiu, logo no ano seguinte, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão com as atribuições de fiscalizar o cumprimento da legislação, elaborar diretrizes, aplicar sanções, promover ações educativas, elaborar estudos e por aí vai.

“A aprovação da LGPD nos colocou na mesma trilha de mais de 130 países que já têm normas desse tipo”, afirma Miriam Wimmer, uma das diretoras da ANPD. “Transitamos para uma economia cada vez mais intensiva em dados. É importante estabelecer as regras do jogo para que eles possam ser utilizados e circularem com segurança jurídica, sempre tendo por pressuposto o respeito aos direitos do titular.”

A fim de reforçar essa rede de defesa, surgiu o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD). Trata-se do órgão consultivo da ANPD, previsto em lei e responsável por legitimar suas decisões, propor diretrizes estratégicas, elaborar relatórios de avaliação, realizar debates e audiências públicas, entre outros encargos. A entidade, prestes a entrar em ação, ainda terá de definir o regimento interno e abrir campo para começar de vez os trabalhos. 

“Há um olhar bastante plural no Conselho, que será capaz de enxergar a todos da sociedade toda. Os integrantes possuem uma visão não necessariamente correspondente, e isso é salutar. A diversidade de opiniões, convergindo para um único propósito, democratiza o debate e legitima escolhas e soluções”, explica Cassio Augusto Borges, conselheiro titular do CNPD, indicado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e representante das categorias econômicas do setor produtivo. 

Ele se refere à formação do grupo – liderado por um representante da Casa Civil – composto por 23 membros, que inclui representantes do Senado, da Câmara dos Deputados, do Ministério da Economia, de entidades representativas dos setores laboral e empresarial, de organizações da sociedade civil, do Conselho Nacional do Ministério Público, entre outros. 

“Essa multiplicidade de setores com assento no Conselho faz com que um eventual impacto negativo relacionado à vinculação da ANPD ao Poder Executivo, a exemplo de conflito de interesses, seja minorado”, acredita Borges. Apesar de possuir garantias importantes de autonomia, a Autoridade foi criada como um órgão da administração pública direta federal, vinculado à Presidência da República – diferentemente de outras autoridades com papéis regulatório e normativo semelhantes, a exemplo das agências reguladoras, que são autarquias sob regime especial. Formada por cinco diretores nomeados pelo presidente, após a aprovação dos nomes pelo Senado, a instituição busca (a partir de uma revisão de sua natureza jurídica) se tornar uma autarquia especial, ligada, então, à administração indireta.

Nesse cenário, o Conselho possui papel fundamental no amparo à ANPD. Uma das preocupações de parte de seus integrantes, entretanto, é que seu potencial não seja totalmente explorado. Eles defendem um diálogo ativo e permanente entre as partes, com acesso às agendas e participação atuante nas iniciativas.

“Esse grupo – repleto de profissionais que conhecem bem o tema e com pensamento tão oxigenado – só será bem aproveitado se usado pela ANPD, se provocado o máximo possível”, acredita o conselheiro titular Rodrigo Badaró Almeida de Castro, indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Existem muitos desafios na implementação da lei. Afinal, a lei no Brasil, além de existir, precisa ‘pegar’. Se a Autoridade quiser utilizar o Conselho como mero carimbador de posições já consolidadas, corremos o risco de não conseguir representatividade da sociedade nas decisões.”

Entre suas bases, o CNPD traz como obrigatórias três reuniões ordinárias ao ano. Porém, a ideia é realizar outros encontros de forma extraordinária. Além disso, a criação de comissões e grupos de trabalho sobre assuntos específicos, algo que deve ser definido no regimento interno, pode ajudar a criar celeridade nos procedimentos e aprofundá-los. Para que tudo aconteça, e o Conselho possa iniciar o seu trabalho, o órgão deve se reunir em breve para definir as suas regras internas de funcionamento.

“O Conselho me parece uma figura tremendamente relevante quando consideramos a amplitude das competências da ANPD, que se espraiam sobre todas as áreas da economia e quase todos os campos do Poder Público”, diz Miriam Wimmer, diretora da ANPD. “Essa transversalidade impõe que tenhamos processos muito participativos de elaboração de normas e o Conselho é, indubitavelmente, uma parte muito importante disso. Estamos ansiosos por seu pleno funcionamento.” 

A proteção de dados se mostra, de fato, um tema presente em áreas centrais e múltiplas da sociedade e tende a ocupar um espaço cada vez maior. No ano que vem, por exemplo, ocorrerá um evento notável: as eleições para presidente, governadores, senadores e deputados. Há cada vez mais campanhas de políticos impulsionadas por informações pessoais, com uso intenso de redes sociais e aplicativos de mensagem. 

Por isso, a Autoridade firmou, em novembro, um acordo de cooperação técnica com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a implementação de procedimentos e práticas necessários à aplicação da LGPD no contexto eleitoral. Esse é apenas um dos muitos desafios futuros que a ANPD e seu conselho consultivo deverão enfrentar em um país ainda pouco consciente da dimensão da necessidade da proteção de seus dados.

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