Direito do Consumidor

Reclame Aqui: 14,2% dos usuários disseram já ter acionado o Judiciário alguma vez

Antes de registrar uma reclamação na plataforma, 91,4% dos usuários tentaram diálogo com companhias

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Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

Levantamento com 23,3 mil usuários do Reclame Aqui, feito pela plataforma para o JOTA, revela que 14,2% dos usuários do site disseram já ter acionado o Judiciário alguma vez para garantir seus direitos de consumidores. E entre os que decidiram acionar a Justiça, 4,1% afirmaram ter preferido contratar um advogado ou procurar o Juizado Especial Cível antes de sequer tentar conversar com as empresas.

A pesquisa também mostra que, segundo os próprios consumidores, a maioria deles tentou um contato com as empresas antes de registrar uma reclamação no site, mais especificamente 91,4%. “O Reclame Aqui é a prova viva de que o consumidor busca o máximo de contato antes da Justiça. E as empresas usam o Reclame Aqui como colchão de amortecimento dos processos judiciais”, avalia Edu Neves, CEO da plataforma de reputação de marcas e relacionamento entre clientes e empresas.

Com base nos dados, Neves entende que os dispositivos presentes no PL 533/2019 não fazem sentido. A matéria propõe que a busca de um acordo seja obrigatória antes de uma das partes acionar a Justiça. Isso impactaria principalmente ações ligadas ao Direito do Consumidor.

“É um engano achar que este movimento de obrigar o consumidor a provar que tentou se ajustar com a empresa vai reduzir o número de ações”, afirma Neves. “É tentar criar uma porteira a mais como se isso fosse evitar essa avalanche de processos. Como se houvesse uma leviandade do consumidor”.

Entre aqueles que consideram ser plausível a exigência de contato prévio com a empresa, o entendimento é que há um inchaço no Judiciário. “Muita gente entra no Judiciário, e pouca gente sai”, destaca Luiz Dellore, professor de Direito Processual do Mackenzie e do IBMEC. “Muitas vezes, sequer existe a informação para a empresa de que existiu um determinado conflito com um cliente”, diz. “O Judiciário virou um grande balcão de reclamações de tudo. E há graves problemas, porque os juízes julgam de formas diferentes casos semelhantes”.

Para André Roque, sócio do escritório Gustavo Tepedino Advogados e professor da UERJ de Direito Processual Civil, “o acesso à Justiça é uma garantia fundamental, mas não é, necessariamente, irrestrito”. Em sua visão, o modelo atual estimula o ajuizamento de ações que têm baixa probabilidade de êxito.

A Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) considera bem-vindas iniciativas que estimulem soluções extrajudicial. A nota enviada pela federação à reportagem do JOTA diz: “A Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) avalia positivamente todas as iniciativas que busquem solucionar extrajudicialmente os conflitos com segurança jurídica. A adoção deste tipo de medida é benéfica para os consumidores, uma vez que traz agilidade para a resolução dos problemas, e para a sociedade brasileira, pois tem potencial para melhorar o ambiente de negócios e desafogar o Judiciário, uma vez que as questões resolvidas por meio de mediação e conciliação não se unem aos milhares de processos em tramitação nos tribunais de todo o país”.

Já o diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Igor Britto, tem questionamentos com relação ao projeto de lei. “Essa proposta legislativa parte de um pressuposto muito errado de um diagnóstico dos réus de que as pessoas entram com ações judiciais de forma exagerada. Mas esse diagnóstico é muito equivocado”, diz. “Não é que as pessoas não procurem as empresas, é que as pessoas não têm provas de que a empresa negou o atendimento, porque essa prova é negada pelo próprio fornecedor”.

A reportagem do JOTA entrou em contato com as maiores operadoras telefônicas do país, grandes litigantes na área do Direito do Consumidor, mas nenhuma delas quis comentar o projeto de lei.

O parecer do PL 533/2019 foi lido no mês passado na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados pelo relator Vinícius Carvalho (Republicanos-SP). Ainda falta a votação do parecer na CDC e depois ainda há a análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).  

Ajustes no PL

O PL altera o Código de Processo Civil, e um dos dispositivos a serem introduzidos diz que “em caso de direitos patrimoniais disponíveis, para haver interesse processual é necessário ficar evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor”.

Pela atual redação, o PL exige contato prévio em todas ações do Direito Civil. Para advogados ouvidos pelo JOTA, essa amplitude merece atenção. “Uma sugestão é restringir isso em um primeiro momento a pessoas jurídicas e a relações de consumo, colocando ‘para as ações em que está no polo passivo empresa é necessária a comprovação de que houve a prévia resistência, seja mediante o serviço de atendimento ao consumidor ou o site consumidor.gov do governo federal”, opina Dellore.

Para Roque, o PL deveria exigir, em um primeiro momento, contato prévio somente em casos envolvendo Direito do Consumidor e também a relação entre o cidadão e a administração pública. Outra sugestão seria incluir um dispositivo que determine um prazo máximo para que a empresa responda o cliente. “Seria importante ter um prazo, até para trazer uma previsibilidade de quanto tempo seria necessário esperar antes de se ingressar com uma ação judicial”, diz Roque.

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