Os debates sobre novas tecnologias, regulação e políticas públicas estão na ordem do dia nos mais diferentes meios, de forma cada vez mais intensa e multifacetada. Trata-se de algo natural, tendo em vista o fato de que a tecnologia é um dos grandes motores do desenvolvimento econômico, social e político da humanidade. Um dos desafios que se coloca a partir dessa constatação, e que tem repercussão coletiva e duradoura, é o de como lidar com a relação entre inovação e políticas públicas, em especial no âmbito da Nova Economia, tema que abordamos neste artigo. No iFood, vivemos de forma intensa essa experiência em 2020.
Convém começarmos por entender alguns aspectos fundamentais do que se convencionou chamar de Nova Economia. O conceito foi criado no final da década de 90 como forma de descrever o surgimento de empresas que apresentavam formas inovadoras de operação, com altas taxas de crescimento. Tal combinação tem como consequência mudanças rápidas e profundas nos paradigmas que regem a vida das pessoas, dos mercados e das empresas.
A velocidade dos avanços tecnológicos pode ser intensa de modo que gere um descasamento entre a nova realidade que se impõe, a regulação e as políticas públicas existentes. O cenário se complexifica, pois não existem precedentes e consensos para muitas das questões e, em muitos casos, ainda não há- sequer – compreensão elementar dos elementos envolvidos nesses desafios.
Em 2020, não faltaram debates dessa natureza. Um exemplo importante são os artigos do Projeto de Lei 1.1179/2020, que criava o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) e trazia diretrizes de política nacional de mobilidade urbana em relação a retenção de valores pagos a motoristas e entregadores. O projeto, ao determinar um corte arbitrário das comissões, não resolveria o problema real que afetava a renda de parceiros, que era muito mais ligada a choques na demanda por serviços.
Além disso, corria-se o risco de provocar o efeito oposto, comprometendo justamente a principal ferramenta das empresas para induzir a demanda e promover ações de proteção contra o coronavírus: a venda de alimentos por meio do delivery. Esse é um exemplo claro de que um cenário adverso combinado com desconhecimento do funcionamento da tecnologia poderia gerar prejuízo. Ao fim, com base em dados e evidências apresentados pelas empresas operadoras, a matéria em questão não foi aprovada, evitando distorções no mercado de entregas.
Outro caso de 2020 era sobre a necessidade de diálogo entre governos, sociedade civil e empresas. Na crise provocada pelo COVID-19, diversas demandas emergiram relacionadas à distribuição de equipamentos de proteção individual, e a auxílios em caso de infecção pelo novo coronavírus por entregadores. O iFood, como líder do mercado, atuou de forma intensa nestes assuntos. Assim, a empresa criou fundos de auxílio para entregadores, que eram do grupo de risco ou que apresentaram sintomas da COVID-19. A empresa também promoveu de forma maciça e segura, a distribuição de EPIs em todos os cantos do país.
Não limitado a essas medidas, campanhas permanentes de doação de alimentos pelo aplicativo ocorreram em todo o período. A escuta ativa entre partes permitiu que essas iniciativas fossem implementadas com a velocidade que a crise demandava. Esses são exemplos do que já foi feito, mas não querem dizer que o trabalho está pronto. Ainda existem grandes desafios relacionados à Políticas Públicas em aberto.
É nesse contexto que vemos cada vez mais empresas da Nova Economia investindo em áreas especializadas no assunto, que precisam se valer de conhecimentos técnicos pertinentes aos seus setores, mas também criar espaços permeáveis à experimentação e diálogo efetivo com os atores envolvidos no processo.
As mudanças trazidas pela Nova Economia são um campo fértil para que empresas contribuam com a construção de soluções para as questões públicas. Tais soluções podem ser de cunho regulatório, mas não somente.
Há uma ampla gama de formas de atuação que podem ser aplicadas como a autorregulação, as parcerias entre setor público e privado, convênios, entre tantos outros formatos. O diálogo entre governos, setor privado e sociedade civil é fundamental para a construção de arranjos que promovam inovação e desenvolvimento.
Além do diálogo entre os diversos atores, é imperioso trazer evidências e dados para sustentar as decisões governamentais. Discussões desprovidas de base fática são alvos fáceis de grupos de interesse organizados e podem gerar distorções prejudiciais para a coletividade. Vemos uma crescente pressão social por análises de impacto regulatório, avaliação de políticas públicas e outros mecanismos para atestar a efetividade de determinada escolha.
O desenvolvimento de aprimoradas técnicas econométricas e de análise qualitativa permitem avaliações mais precisas. Obviamente, é preciso cuidados com o uso de dados. Metodologias falhas e repletas de vieses são um perigo para análises mais aprofundadas. É importante sempre deixar claro quais são os limites da pesquisa, sob o risco dos resultados serem mais a expressão de opiniões do que evidências de fato.
Um exemplo que vale ser mencionado sobre o uso de evidências é para desmistificar a falsa correlação entre número de mortes de motociclistas no trânsito e a atividade de aplicativos de entrega. Os últimos dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo mostram que o número de óbitos em 2019 caiu 19% em relação ao ano anterior, sendo que todas as empresas do setor apresentaram forte crescimento nesse período. Além disso, quando se analisa os microdados, há discrepâncias entre a hora em que ocorrem mais acidentes e o período com pico de pedidos. O uso de dados para pautar políticas públicas pode evitar decisões que pouco têm relação com a causa do problema.
O debate do impacto da Nova Economia sobre políticas públicas deve se desenvolver à luz do estado da arte das discussões nacionais e internacionais. As políticas públicas devem caminhar junto com as inovações, sob o risco de se tornarem anacrônicas. Pensando no desenvolvimento de longo prazo do Brasil, é essencial ter um ecossistema de inovação pujante e as empresas da Nova Economia são parte importante desse ambiente. Assim, um arcabouço regulatório atual e políticas públicas modernas são importantes para não perder o bonde da história.
Não há bala de prata capaz de resolver as questões regulatórias e de políticas públicas trazidas pela Nova Economia de uma vez. É um caminho de constante aprendizado e melhoria contínua. Acreditamos que diversas outras tecnologias surgirão em um futuro próximo e com elas novas questões públicas entrarão em pauta. O Brasil já criou regulamentações e políticas públicas arrojadas em diversas áreas ao longo de sua história, seja em políticas sociais como o Bolsa Família ou mesmo na aplicação de novas tecnologias como o PIX. Temos uma sociedade civil atuante, um sistema político democrático e empresas brasileiras inovadoras. Buscar soluções conjuntas a partir de evidências resultará na construção de um país mais dinâmico e justo.
** Este artigo inaugura uma série de publicações da coluna Nova Economia, que busca debater a transformação digital dos negócios e da sociedade. Neste espaço serão abordados como a Nova Economia se relaciona com políticas públicas, regulação e sociedade.
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça: