Nova Economia

A tributação de stock options no Marco Legal de Startups

Como uma regulamentação inadequada pode prejudicar o ecossistema empreendedor

Crédito: Pixabay

Todos os anos, diversos novos negócios surgem, alguns com potenciais de transformar completamente mercados já consolidados. Nesse contexto, mundialmente se convencionou chamar de startup as empresas em estágio inicial com modelo de negócios inovador, geralmente ligados à tecnologia da informação, e elevado potencial de crescimento. Empresas globais hoje consolidadas, como Facebook, Google ou Netflix surgiram como startups e hoje são importantes geradoras de renda e emprego.

O Brasil já possui um número expressivo de startups e ocupa posição de destaque em diversos rankings[1] de países com maior número de novas empresas unicórnios, em virtude do título alcançado por empresas como Nubank, iFood e Stone. Esse cenário revela o poder que as empresas da nova economia têm de fomentar a competitividade do país no panorama econômico-social internacional.

Foi pensando em impulsionar esse ambiente de progresso do empreendedorismo inovador, que surgiu o Projeto de Lei Complementar (PLP) 146/2019, conhecido como Marco Legal das Startups. A proposta contou com a participação da sociedade civil, de diversas autoridades e do próprio Poder Executivo[2]. Em dezembro de 2020, o texto foi aprovado na Câmara dos Deputados na forma de um texto substitutivo proposto pelo deputado Vinicius Poit (NOVO/SP), seguindo agora para tramitação no Senado Federal, onde aguarda o parecer do relator, senador Carlos Portinho (PL/RJ) para votação.

A proposta representa um importante avanço na dinamização do ecossistema empreendedor brasileiro, como proteção ao investidor-anjo, possibilidade de sandbox regulatório para empresas disruptivas e incentivos fiscais para startups. Contudo, existem alguns pontos de melhoria que precisam ser estressados, sobretudo no que diz respeito ao tratamento dado às Stock Options. Resumidamente, o novo texto prevê a incidência de Imposto de Renda e Contribuição Previdenciária nas opções de compra de Stock Options concedidas pelas empresas no geral, independente de serem startups,  aos seus colaboradores, atribuindo a elas um caráter remuneratório.

Em linhas gerais, Stock Options são planos oferecidos pelas empresas aos seus funcionários, por meio dos quais há concessão do direito de optar pela compra de participações da companhia por um preço pré-determinado e após um período de carência.

Nasce daí uma possível vantagem econômica para o funcionário, decorrente da possibilidade de exercer o direito de compra e venda das ações no futuro e de auferir a renda oriunda da diferença entre o preço preestabelecido no plano de opções e o preço efetivo das ações no momento do exercício da opção de compra. E como a variação positiva entre os preços e a vantagem econômica dela oriunda dependem da valorização da companhia no tempo, a concessão da opção acaba por se tornar um forte instrumento de engajamento dos funcionários e, consequentemente, vetor propulsor dos resultados da empresa.

O empregado, por acreditar no potencial da empresa, aceita compartilhar o risco e vê com bons olhos a concessão de Stock Options, já que há uma possibilidade de ter ganhos relevantes em caso de crescimento da empresa.

Como é comum que haja um período de tempo necessário para o exercício efetivo do direito de comprar as ações (período de vesting), os funcionários também acabam por ser incentivados a atuar ostensivamente para o sucesso de longo prazo da empresa, contribuindo para  a valorização das futuras ações que poderão ser por eles adquiridas. Cria-se um verdadeiro “ciclo virtuoso”.

Nesse sentido, pesquisas indicam que empresas que adotam planos de Stock Options tendem a apresentar melhores resultados[3], o que denota a relevância do benefício também para as empresas que concedem os planos.

Ao pretender a regulamentação do mecanismo, para lhe atribuir maior segurança jurídica, a redação atual do  PLP 146/2019 acabou por atuar na contramão do seu objetivo central, que é incentivar as empresas da nova economia.

A economia brasileira sempre perpetuou um incentivo tributário perverso privilegiando investimentos de baixo risco em detrimento dos que envolvem grandes riscos. A título exemplificativo, podemos citar os ganhos de capital relacionados a Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e a Letras de Crédito Imobiliário (LCI) são investimentos em renda fixa isentos de imposto de renda vinculados aos setores de infraestrutura e agronegócio.

Em comparação com esses tipos de investimentos, a tributação de Stock Options, da forma que consta no relatório, torna a ferramenta menos interessante, podendo inclusive inviabilizá-la. Para impulsionar esse ambiente de progresso e empreendedorismo inovador que está se iniciando no país, é importante avaliar os impactos da tributação no desenvolvimento das atividades de empresas de tecnologia.

Tratando especificamente da tributação, a redação atual do PLP 146/2019, pretende alterar o art. 28 da lei 8.212/91 e art. 3º da lei 7.713/88 para promover a tributação do valor justo das opções de compra no momento do seu exercício. Essa medida faz com que o funcionário beneficiado arque com uma tributação de 27,5% de IRPF e 14% de INSS (limitada a  R$ 900,70 por mês), e as empresas tenham que pagar a Contribuição Previdenciária Patronal e demais contribuições sociais, que podem chegar a cerca de 27% do valor da opção.

Além do elevado custo de tributação, a regulamentação, nos moldes pretendidos, também é juridicamente inadequada, pois visa atribuir o status de remuneração ao valor justo das opções no momento do exercício.

Como, por força  do artigo 195, I, a, da Constituição Federal, e dos artigos 22, I e II, e 28 da Lei nº 8.212/1991, a remuneração está sujeita à incidência das contribuições previdenciárias, é essencial verificar se o valor justo das opções pode ser enquadrado no conceito previdenciário de remuneração.

O art. 28 da Lei 8.212/91 estabelece que, para que uma verba possa ser entendida como remuneração/salário-contribuição apta a integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, ela deve: (i) ser paga, devida ou creditada a qualquer título durante o mês; (ii) a empregados e trabalhadores avulsos; (iii) destinar-se a retribuir o trabalho prestado ou o tempo à disposição do empregador ou contratante; (iv) incluir os ganhos habituais sob a forma de utilidades, além de outras verbas expressamente previstas no dispositivo legal, como as gorjetas.

Disso, podemos extrair que os principais elementos para caracterização de uma uma verba como remuneração são: a habitualidade e o caráter contraprestacional da verba (destinada a retribuir um trabalho prestado). Esses elementos constam na definição da base de cálculo das contribuições previdenciárias e são também a fundamentação por trás da exclusão de várias verbas da incidência pelo art. 28, §9º da mesma Lei 8.212/91.

Nesse sentido, a caracterização ou não dos planos de Stock Options como de natureza remuneratória deve ser feita caso a caso, perpassando necessariamente pela averiguação da presença ou não dos elementos acima mencionados.

Essencialmente, os planos de opções de compra de ações são caracterizados por elementos que não se enquadram com aqueles inerentes às verbas de natureza salarial. Pelo contrário, os planos de Stock Options são compostos por características que reforçam o seu caráter mercantil (e não remuneratório):

  1. Liberdade de adesão ao plano de Stock Options: o funcionário tem a prerrogativa de aderir ao plano conforme sua vontade, considerando riscos e oportunidades relacionados. Essa característica exclui o caráter contraprestacional do benefício;
  2. Onerosidade: o efetivo pagamento pelo valor da participação quando do exercício do direito de opção reforça o caráter de transação mercantil dos planos de opções, considerando que há compra de participação;
  3. Existência de risco de mercado para o beneficiário: as perdas e os ganhos decorrentes da venda das opções ou outras formas de acréscimo patrimonial estão vinculados aos resultados da companhia e às variações de mercado;
  4. Inexistência de habitualidade: não há garantia e nem sequer regularidade no pagamento os rendimentos aos funcionários;
  5. Ausência de vínculo do benefício econômico ao cumprimento de metas relacionadas ao trabalho do optante: a produtividade do funcionário e a mera satisfação de objetivos individuais não é garantia de lucratividade. Motivo pelo qual o período de vesting geralmente é relacionado à permanência do vínculo empregatício por tempo mínimo definido.

Avaliando a essência dos contratos de opção sob essa ótica, conclui-se que não é possível  caracterizar as Stock Options como remuneração. A mera inserção de um parágrafo na legislação previdenciária, é incompatível com o sistema de contribuições previdenciárias hoje instituído e contraria o próprio artigo 195, I, a, da Constituição Federal.

Na jurisprudência o entendimento dominante também é o de que os planos de Stock Options são, por essência, instrumentos mercantis.

O próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) rechaça reiteradamente a natureza salarial dos rendimentos deles decorrentes. No acórdão proferido pela 6ª Turma, no AIRR- 85740-33.2009.5.03.0023, o TST assenta categoricamente que a importância auferida pelo empregado em decorrência da valorização de ações não representa uma retribuição pelo trabalho prestado, além de reconhecer que a  “a circunstância de serem fortemente suportadas pelo próprio empregado, ainda que com preço diferenciado fornecido pela empresa, mais ainda afasta a novel figura da natureza salarial prevista na CLT e na Constituição”. São inúmeros os julgados nesse sentido, que também mencionam a existência de onerosidade na aquisição do plano, como elemento descaracterizador da natureza remuneratória dos planos de Stock Options.

Não apenas os tribunais trabalhistas, como também diversos Tribunais Regionais Federais corroboram o entendimento de que as Stock Options possuem natureza mercantil. A exemplo o TRF da 3ª Região, recente acórdão proferido pela 4ª Turma, na Apelação Cível 5001768-54.2018.4.03.6100, em junho de 2020. Até mesmo o Carf já se manifestou em prol da natureza mercantil dos planos de opção de ações, em virtude das características de risco e onerosidade que, por essência, integram os planos, no processo 16327.720432/2015-82.

Vale destacar que, nas decisões mencionadas, a análise da ausência de natureza remuneratória das Stock Options está relacionada ao valor remanescente da compra e venda da ação e não do valor justo da opção. No PLP ora analisado, está claro que o intuito do legislador é considerar como remuneração o valor justo atribuído conforme as normas contábeis à opção de compra de ações.

Contudo, ainda que estejamos falando expressamente sobre o valor justo da opção, não há elementos suficientes para caracterizar este como verba remuneratória, uma vez que os elementos necessários para tanto, como habitualidade e onerosidade, não estão presentes nesse tipo de incentivo fornecido aos profissionais.

Assim, apesar de se tratar de mecanismo relativamente novo, que teve uso ampliado com a chegada das startups, tanto os tribunais judiciais quanto administrativos já estão a par da discussão e têm se alinhado ao entendimento perfilhado pelo TST.

Além de estar na contramão da jurisprudência dos tribunais, o texto proposto preocupa veementemente o setor, pois tende a contrariar o objetivo de fomentar o empreendedorismo inovador no país. De fato, considerar as Stock Options como mero complemento de remuneração, não atrelado à participação nos riscos da empresa, certamente inibirá seu uso. Isso pode ter consequências imprevisíveis, já que o mercado de startups depende delas para atrair e seguir arrojado.

Se o objetivo da regulamentação é trazer segurança jurídica ao instrumento, a simples supressão do texto também não resolve o problema. O ideal seria que a proposta legislativa trouxesse expressamente a menção aos elementos caracterizadores da natureza remuneratória do plano, sem os quais não seria possível submetê-los à incidência da tributação previdenciária: i. Liberdade de adesão ao plano; ii. Onerosidade; iii. Risco de mercado; iv. Não habitualidade; v. Não vinculação entre benefício econômico e cumprimento de metas. Além disso, é essencial que a proposta estabeleça que os ganhos decorrentes do plano serão apurados considerando o valor justo da opção no momento da outorga e não o valor justo da opção no momento do exercício (após o período de vesting).

Sem tais adequações, a supressão do texto e a manutenção do status quo em relação à regulamentação acaba sendo mais favorável do que o texto que hoje tramita no congresso, pois, ao menos, concede às empresas o benefício da dúvida e a possibilidade de discutir casuisticamente a forma de tributação no judiciário.

Assim, resta claro que, no texto atual do Marco das Startups, as Stocks Options, uma das principais fontes de fomento do empreendedorismo inovador, está ameaçada por entraves criados pela própria regulamentação que prometeu fazer justamente o oposto: fomentar a nova economia e os novos modelos econômicos propostos.

Estamos diante de uma janela de oportunidade para ajustar o arcabouço regulatório que rege as Startups e é importante evitar que erros que corroem a nossa economia sejam repetidos.


O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:


[1] https://www.statista.com/chart/6696/the-us-is-home-to-the-most-unicorns/

[2] A trajetória trajetória já foi contada por artigo aqui no próprio JOTA: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/formulando-um-marco-legal-de-startups-20102020

[3] PEROBELLI, Fernanda Finotti Cordeiro. LOPES, Bruno de Souza. SILVEIRA, Alexandre Di Miceli. Planos de Opções de Compra de Ações e o Valor das Companhias Brasileiras. In: Revista Brasileira de Finanças, Rio de Janeiro, Vol. 10, Nº 1, Março de 2012, pp. 105-147. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/3058/305824774005.pdf.

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