Se você tem interesse no mercado de inovação no Brasil e já procurou saber mais sobre os fundos de venture capital que atuam por aqui, certamente já ouviu falar no Anderson Thees. Fundador da Redpoint eventures, fundo de investimentos focados em empresas que ainda estão em estágio inicial (conhecidas como as “early stages“), Thees é um dos principais responsáveis pelo surgimento de grandes startups na América Latina.
Seja pelos investimentos em empresas como Rappi, Gympass, Resultados Digitais, Mol e Créditas, entre tantas outras; seja por ter fundado, junto com o Itaú, o Cubo, um dos principais hubs de fomento de empreendedorismo tecnológico da região, sua visão é fundamental para entendermos o que o Brasil ainda precisa para de fato construir um ecossistema que atinja todo o seu potencial.
Dentro deste contexto, Anderson Thees tem acompanhado as discussões sobre o Marco Legal das Startups, em tramitação na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do deputado Vinícius Poit (Novo-SP) e, apesar de ainda enxergar espaço para melhoramentos nos textos em debate, tem gostado das discussões. “No geral, eu vejo com bons olhos”, afirmou o investidor em conversa com o JOTA no início de novembro.
Para ele, a ficha do governo caiu. “A sensação que eu tenho é que, em primeiro lugar, caiu a ficha de que o que a gente faz é importante. Segundo, a gente chegou a um tamanho muito menor do que deveria ser, mas já grande o suficiente para que prestem atenção”, avalia Thees.
Para o investidor, o excesso de penalização com quem é responsável pelas startups “faz com que aquela pessoa que quer fazer as coisas direito não tope essa responsabilidade, que é desproporcional”. Esse cenário de confusão, avalia, é ruim tanto para o empreendedor quanto para o gestor de fundo que vai participar de conselhos. “Tudo isso impacta a liquides dos ativos”, critica.
Confira abaixo os principais trechos desta conversa:
JOTA – Queria começar essa conversa do geral para depois seguirmos aos pontos específicos que estão sendo discutidos. Qual sua visão sobre o Marco Legal das Startups?
ANDERSON THEES – No geral, eu vejo com bons olhos. E essa é uma posição nova. Se você for buscar participações minhas em eventos algum tempo atrás, diante da pergunta ‘o que você espera do governo, legisladores e etc, para apoio às startups?’, minha resposta classicamente era alguma variação de ‘eu espero que eles olhem para o outro lado e não tentem ajudar, porque normalmente eles atrapalham.’ Acho que isso tem mudado.
O que exatamente tem mudado?
A sensação que eu tenho é que, em primeiro lugar, caiu a ficha de que o que a gente faz é importante. Segundo, a gente chegou a um tamanho muito menor do que deveria ser, mas já grande o suficiente para que prestem atenção. Existe algum marco perfeito? Claro que não. Até porque se você falar com três gestores já não vai existir um marco perfeito para todos eles. Haveria crítica para qualquer coisa que viesse. Mas ter um ministro da Economia que entende do business, por ter em sua origem o venture capital e o private equity, e ouvir a frase “precisamos apoiar as startups” saindo da boca de um presidente, independentemente de qual presidente seja, é uma novidade aqui no Brasil.
Você acredita que as proteções aos investidores podem fazer alguma diferença por aqui?
Essa é uma das partes mais carregadas de ironia. O que [o texto enviado pelo governo em outubro] está dizendo que será feito é o que já deveria estar acontecendo desde quando regulamentaram a figura da empresa limitada. O que está falando ali que será dado aos investidores em startups é o que qualquer sócio de empresa limitada deveria ter. Neste ponto, especificamente, só acredito vendo, porque não depende da lei, porque a lei brasileira já diz isso. Enquanto a Justiça Trabalhista tiver essa capacidade de interpretar a lei da forma como quer, acredito que é difícil essa ideia de proteção ser respeitada. Esse é o flanco mais comum no Brasil: o impacto trabalhista para os empreendedores, depois para os administradores, depois para os board members.
Tem alguma história específica que tenha acontecido com vocês?
Especificamente com a Redpoint nunca, mas os casos no Brasil são muitos. E é uma infelicidade muito grande. O excesso de penalização com quem é responsável faz com que aquela pessoa que quer fazer as coisas direito não tope essa responsabilidade, que é desproporcional. É uma tentativa desproporcional de proteger que acaba igualando justos e pecadores de uma forma muito burra.
E como isso impacta o ecossistema?
Aqui no Brasil, quando a gente acompanha o andamento de uma empresa, a gente tem que analisar o quanto custa encerrar, com algumas reservas para minimizar esse risco. Ou seja, tem empresa que talvez conseguisse dar a volta por cima se tivesse um pouco mais de fôlego. A decisão da administração é encerrar enquanto ainda tem o dinheiro para fechar de forma que minimize o risco.
Também afeta o interesse de investidores estrangeiros de investir em fundos de venture capital?
Tudo isso impacta a liquidez dos ativos. Esse cenário de confusão é ruim para o empreendedor, e é ruim para o gestor de fundo que está começando e que vai participar de conselhos. Mas o pior de tudo é na hora de fazer a venda de um ativo. Tenta explicar para um comprador internacional que está olhando uma oportunidade de comprar uma startup no Brasil, como uma forma de entrar no mercado. Ai contrata-se uma grande auditoria para fazer a análise da empresa e vem uma ressalva de não sei quantos milhões de dólares.
Ou seja, afeta o valuation das empresas diretamente, né?
É pior do que isso. Onde eu acho que pega é na liquidez dos ativos brasileiros, e acabamos destruindo ativos do país por conta desta incerteza. Afeta o valuation, claro, mas o meu ponto é que afeta ainda mais. Se o investidor internacional fizer a conta, descontar e fechar o negócio, isso já é ruim. Mas o que acontece é que muitas vezes ele desiste e vai para um outro país.
Mas vamos mudar de assunto e tentar falar do que pode melhorar
Isso, por favor! Vamos falar de coisa boas.
O texto que foi enviado pelo governo propõe que as empresas possam usar contrapartidas de benefícios específicos e que devem ser investidos em pesquisa e desenvolvimento em fundos de inovação, os chamados FIPs, qual sua visão sobre esse ponto?
Essa é a eventual mudança com o maior impacto prático, pelo menos da forma como eu consigo ver. Cabe uma análise sobre se deveria ou não haver esse tipo de incentivo. Estamos falando de uma contrapartida que empresas precisam oferecer para incentivos que elas recebem. Cabe uma pergunta maior, que é se essas empresas deveriam ter esses incentivos. Isso é um capítulo à parte. Mas o fato de poder passar a usar essas contrapartidas para investir em fundos de participação, eu acho muito bacana. É um primeiro passo.
E como isso pode ter efeito?
Em vários setores, como o de energia, por exemplo, empresas enormes tem obrigações de fazer esses investimentos, e quando você vai ver o que elas fazem com esse dinheiro, são coisas não muito inteligentes. E não é que essas empresas querem fazer isso. Elas são obrigadas e o que se pode fazer atualmente é muito restritivo. Cria todo um sistema distorcido de uso destes recursos. Então essa mudança é super positiva e vem num momento muito bom. Os investidores brasileiros estão acordando para esse universo de venture capital, de inovação, de startups. E é um uso muito melhor para esse capital do que o que historicamente é feito.
Um outro tema interessante é a busca de simplificar a natureza jurídica das empresas e diminuir burocracia. O relator, Vinicius Poit, tem batido muito neste ponto. Podemos ter bons avanços por ali também?
Eu acredito que essas mudanças são bem-vindas, mas o impacto, para ser sincero, é pequeno. É mais um low hanging fruit [algo fácil de ser feito de início] do que um avanço de fato. Simplificar o processo de abertura de uma empresa, por exemplo, é pouco impactante. Hoje, no Brasil, é possível abrir empresas. Temos milhões delas. É fácil? Não. É da melhor maneira possível, não? Mas é isso que impede um empreendedor de sucesso de montar uma empresa? Claro que não.
Ou seja, isso não impede que as boas startups surjam?
Sendo mais claro, entre ter burocracia e não ter burocracia, eu prefiro não ter burocracia. Mas eu prefiro que o tempo do parlamentar seja dedicado a coisas mais relevantes, como toda a discussão tributária. Eu prefiro ter o dobro da burocracia se fosse possível um sistema tributário simples. Mas esse é um pepino que não é exclusivo nosso do sistema de inovação. É um problema crônico brasileiro que precisa ser resolvido de maneira geral, para o país.