Imprensa

Ramagem processa jornalistas que revelaram uso da Abin em favor de Flávio Bolsonaro

Para ANJ, ação ‘se enquadra na longa e assustadora lista de tentativas de intimidação da liberdade de imprensa no Brasil’

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Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin / Crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado

O deputado federal eleito Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), processa criminalmente os jornalistas Fabio Leite e Guilherme Amado por reportagens que revelaram a atuação da agência em favor do senador Flávio Bolsonaro (PL) no caso das rachadinhas. Ramagem afirma, em processo criminal, ter sido vítima de calúnia e difamação. Nesta quinta-feira (13/10), a audiência de conciliação terminou sem acordo. O juiz da 10ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Distrito Federal agora decidirá se recebe ou rejeita a queixa-crime.

Em reportagens publicadas na revista Época, no jornal O Globo, no site Antagonista e na revista Crusoé entre 2020 e 2021, os jornalistas afirmam que Ramagem atuava para que a Abin fornecesse informações para auxiliar a defesa de Flávio Bolsonaro.

Na ocasião, o senador começava a ser investigado pela participação em um suposto esquema de emprego de funcionários-fantasma em que parte dos salários eram repassados ao político enquanto ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.

Segundo a defesa de Guilherme Amado, a atuação dele “foi absolutamente legítima e se deu sempre com o objetivo de disseminar informações e fatos relevantes para a população, não havendo por parte do jornalista qualquer análise subjetiva ou de juízo pessoal quanto aos fatos veiculados”.

Além disso, antes de veicular uma das reportagens, o jornalista confirmou a existência dos relatórios produzidos pela Abin para a defesa do senador Bolsonaro com a própria advogada dele. Além disso, também tivera acesso ao material na íntegra – o que foi feito por outros veículos de imprensa, em seguida.

Nesse sentido, ao abrir uma queixa-crime por causa das reportagens, Ramagem tentaria criminalizar a função jornalística, aponta a defesa de Amado, feita pelos advogados Paulo Freitas Ribeiro e Bruno Lavigne Ribeiro. O movimento é contrário às garantias fundamentais de liberdade de expressão e de imprensa, que resguardam o ofício jornalístico.

No dia 31 de maio de 2022, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro manifestou-se pela rejeição da queixa-crime. “Da leitura atenta do inteiro teor das publicações, tenho que as referidas assertivas inserem-se num amplo contexto de críticas à postura do querelante em relação a atos do alto escalão do governo federal, sem a intenção de macular a honra alheia, a afastar a possível prática delitiva”, escreveu o membro do Ministério Público Federal.

“O exercício das liberdades de manifestação e de expressão, bem assim da atividade de imprensa jornalística (liberdade de imprensa), tão caras estas à democracia, comumente assume contornos de crítica, às vezes áspera, porque tal perspectiva é própria da accountability, ou seja, da exposição da conduta do agente público ao escrutínio da opinião popular, instrumento essencial para garantia do regime democrático”, continua Cordeiro.

Ramagem deixou a Abin em março. A partir do ano que vem, ele passa a ocupar novo cargo, como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ele se elegeu pelo PL com 59 mil votos.

O caso contra os jornalistas tramita na 10ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Distrito Federal sob o número 1076898-22.2021.4.01.3400.

Entidades jornalísticas repudiam ação criminal

Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional dos Jornalistas, afirmou o seguinte:

Uma ação deste teor se enquadra na longa e assustadora lista de tentativas de intimidação da liberdade de imprensa no Brasil nos últimos anos. Em democracias, a imprensa conta com um ambiente de liberdade plena para exercer seu imprescindível papel de vigilância dos poderes públicos, sem ameaças de natureza política, ideológica ou judiciais.

A ANJ se solidariza com os jornalistas Fábio Leite e Guilherme Amado, de ampla e reconhecida credibilidade profissional, e espera que ações do gênero não encontrem guarida nos pilares que devem sustentar o regime democrático e a liberdade de imprensa no Brasil.

Já a Abraji considera “extremamente preocupante que um agente público, que deve prestar contas à sociedade, tente criminalizar a conduta de repórteres de credibilidade e reconhecidos no país justamente pelo trabalho em apurações robustas. Amado e Leite, hoje parte da equipe do portal Metrópoles, já revelaram dezenas de ilegalidades da administração pública de todos os espectros partidários”.

“O assédio judicial contra jornalistas jogou o Brasil em um patamar constrangedor no ranking da liberdade de imprensa, tornando o exercício da profissão uma batalha constante contra acusações, sem provas, de que profissionais produzem, deliberadamente, “narrativas inverídicas e levianas”, afirma a entidade, que expressa solidariedade aos jornalistas e afirma esperar que o Judiciário não leve adiante mais uma tentativa de intimidar a imprensa.

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