CENSURA

Hopi Hari pede direito ao esquecimento para impedir jornais de mencionar morte

Reabertura de brinquedo do qual adolescente caiu motivou pedido de censura, já negado por juíza, à toda a imprensa

Torre Eiffel no Hopi Hari: Na Justiça, parque tentou invocar direito ao esquecimento
Torre Eiffel no Hopi Hari: Na Justiça, parque tentou invocar direito ao esquecimento / Crédito: Flavia Mariani / Wikimedia Commons

Sob o argumento do direito ao esquecimento, o parque de diversões Hopi Hari tentou censurar judicialmente todos os veículos de imprensa brasileiros, para que não mais citassem em reportagens futuras o acidente no brinquedo Le Tour Eiffel, ocorrido em fevereiro de 2012, que culminou com a morte de uma adolescente de 14 anos, que morava no Japão e visitava o Brasil em férias com a família.

Em ação ajuizada em 23 de novembro, a defesa do Hopi Hari afirmou que pretende reabrir o brinquedo, sob o novo nome de Le Voyage, mediante aprovação da fabricante da estrutura e junto ao Ministério Público Estadual. A medida faz parte do projeto de reestruturação do parque, desenvolvido no plano de Recuperação Judicial da companhia.

A peça inicial aponta que toda notícia que cita a empresa sempre retoma o assunto do acidente, o que “macula sua marca”. Por isso, a estratégia foi invocar o direito ao esquecimento “para evitar que os meios de comunicação reportem a abertura da atração ao acidente ocorrido em 2012 por não trazer qualquer cunho informativo de fato, pois a requerente cumpriu todas as etapas as quais foi demandada”.

No entendimento da defesa do empreendimento, o público alvo das atrações é de crianças e adolescentes que, por ter se passado mais de oito anos desde o acidente fatal, não se recorda do acontecido. “Caso a vinculação das reportagens sobre o acidente sejam revividas, esse potencial público do parque poderá desencadear desconfiança e não querer usufruir das atrações do parque”, escreveu o advogado Rodrigo Augusto Portela, gerente jurídico do Hopi Hari.

A defesa do parque argumenta que, caso a censura não fosse concedida, a empresa ficaria “sujeita às inevitáveis matérias especulativas e sensacionalistas degradando a reabertura da atração “Le Voyage” (Antiga La Tour Eiffel), levando ao fracasso sua estratégia empresarial de reestruturação da imagem, marca e econômico-financeira culminando, fatalmente, na eterna mancha do acidente sobre toda e qualquer matéria atrelada” ao Hopi Hari, “inviabilizando qualquer estratégia futura de reestruturação da empresa e continuidade de sua atividade empresarial”.

A empresa afirma que “estendem-se os efeitos do direito ao esquecimento” ao Hopi Hari, “mesmo sendo pessoa jurídica de direito privado, pois a lei resguarda direitos similares às pessoas humanas às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do Código Civil”.

O parque diz buscar “que não se reviva o fatídico evento ocorrido em 2012, quer seja, acidente que ocorreu a mais de 8 (oito) anos. Porém, a cada vez que os veículos de comunicação lançam matéria atrelada àquela, fazem questão de, em algum momento, vincular as atividades do parque ao acidente”.

Os argumentos, entretanto, não foram acolhidos pela juíza Euzy Lopes Feijó Liberatti, da 2ª Vara de Vinhedo. Em sentença proferida em 26 de novembro, a magistrada julgou improcedente liminarmente a ação movida. Leia a sentença na íntegra.

Para ela, a pretensão do parque é contra legem [oposta à lei], por impor “freios ao exercício do direito constitucionalmente garantido da liberdade de expressão e informação, sem qualquer amparo legal que o justifique”.

Aduz, ainda, que direito ao esquecimento não se aplica ao caso, uma vez que se deve considerar esse mecanismo quando a questão atinge um ser humano. A intenção é resguardar a pessoa de reviver a ofensa a sua honra ou intimidade. No caso da ação do Hopi Hari, Liberatti destaca o fato de o autor ser uma pessoa jurídica.

“Além de se tratar de pessoa jurídica, a veiculação do fato do acidente, em si, e por si só, não representa ofensa a qualquer direito, posto que a premissa é de que pertence à história, não se podendo obstaculizar os meios de imprensa de abordá-lo, porquanto notório e verdadeiro, sob pena de se avalizar a ‘lei da mordaça'”.

A magistrada também diz não ser possível o ajuizamento da ação, uma vez que o autor aponta como requerido “Empresas de Comunicação Via Rádio, Televisão, Internet e Demais Meios de Comunicação do Brasil” de forma genérica, sem especificar pessoas jurídicas específicas.

“A propositura desta forma, sem especificar pessoas jurídicas específicas, com pedido de citação por edital, justamente pela indefinição destas, levaria a ineficácia de qualquer providência judicial que pudesse ser deferida, por não dirigida a ordem a pessoas determinadas, que tenham tomado conhecimento da pretensão e tenham exercido o direito ao contraditório e à ampla defesa”, escreveu a juíza.

No início desta semana, o parque já confirmou à imprensa brasileira que irá reabrir a atração, com previsão de que isso aconteça dentro de um ano, em dezembro de 2021.

Procurado pela reportagem, o Hopi Hari informou que não se manifestará sobre a decisão judicial. O processo tramita com o número 1002822-10.2020.8.26.0659 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Cabe recurso da decisão.