PL 1429/2020

Entre a censura online e os desafios globais da desinformação

Análise do Projeto de Lei de ‘Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet’

Imagem: Pixabay

Em meio às graves crises enfrentadas pelo Brasil com a pandemia do Covid-19, sobretudo nas esferas sanitária, política, econômica e social, propostas legislativas tramitam de modo expedito nos canais do Congresso Nacional – e para além dele-, como tentativas de endereçar aquilo que para alguns parlamentares seriam as mazelas do País a reclamar urgência nesse momento de desalento, perdas de vidas e privações. Várias são, contudo, as sutilezas dos meios e as finalidades buscadas.

Nova frente parlamentar parece explorar um campo regulatório no qual processos democráticos, liberdade de expressão e discurso na Internet são redimensionados sob o manto do controle, monitoramento e combate à desinformação online e notícias falsas.

Estamos certamente em um terreno movediço, de muitas discordâncias teóricas e política públicas já internacionalmente observadas, mas que não deixariam de subsidiar quaisquer análise de iniciativas legislativas que devam operar segundo as bases normativas consolidadas a partir da Constituição, de tratados e convenções de direitos humanos quanto a liberdades civis e garantias institucionais e mesmo das leis especiais vigentes, como é o caso do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).

Os campos da informação e comunicação não passam alijados de qualquer exercício mais básico de atenção que deva maximizar postulados democráticos e de cidadania a inspirar uma atmosfera vibrante, educativa e culturalmente orientada pelo digital na Internet, e sempre a serviço da voz, da participação, do dissenso, das oportunidades e das opiniões.

Em 8 de maio, a plataforma Wikilegis da Câmara dos Deputados, abria uma chamada para comentários e contribuições ao texto do Projeto de Lei no 1.429/2020, de autoria dos Deputados Federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), que pretende introduzir a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. A primeira versão do Projeto, apresentada em 1º de abril de 2020 na Câmara, já ventilava o objetivo de combater a desinformação online “durante a pandemia do Covid19” e propôs regras, dentre outras, sobre transparência, monitoramento e identificação de conteúdo considerado “desinformativo” e contas “inautênticas”, por parte de provedores de aplicações, mais especificamente redes sociais e serviços de mensagens no Brasil.

Também importante destacar, aqui, que outras versões desse PL circularam em formato eletrônico pelas mãos de especialistas, da academia, sociedade civil e indústria, e  a última versão disponível de seu texto na Wikilegis seguia em consulta até dia 18 de maio de 2020, segunda-feira, um prazo muito exíguo, a toque de caixa, portanto.

Finalmente, na última segunda-feira, dia 18 de maio, por volta das onze horas da noite, houve reedição da apresentação da consulta e novo prazo foi dado para dia 18 de junho. Todos poderiam pensar que seria uma colher de chá para que o público e especialistas pudessem revisitar o texto durante a tantos processos infodêmicos que concorrem com a pandemia do Covid1-9, mas as aparências enganam.

Paralelamente, o primeiro texto do PL 1.429/2020, que contava com idêntica proposição no Senado, o PL 1.358/2020,  apesentado pelo Senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES), foi arquivado. Na sequência, o mesmo parlamentar apresentou o PL 2.630/2020, que reproduzir o texto hoje sob consulta na platorma Wikilegis, e agora segue para o Plenário do Senado para apreciação. É fato que o meio político tem utilizado o Covid19 para manobras da velha política e gradualmente aproveitar a situação de gravíssima emergência sanitária para justificar intervenções sensíveis no exercício de direitos fundamentais para além da realidade de enfrentamento da pandemia.

Seria prematuro entrar em tecnicalidades a essa altura, permitindo ao Congresso a ocasião de rever suas agendas, prioridades e medidas para contrabalancear as ações do Executivo no combate à Covid-19. Uma análise preliminar dos textos, contudo, deve ser aqui estabelecida para que a comunidade compreenda quais seriam os riscos, oportunidades e inadequações da escolha legislativa proposta.

O conjunto dos novos documentos traz diferenças substanciais em relação à primeira versão do PL 1.429/2020 originalmente apresentado na Câmara em 1º de abril (ou de seu idêntico PL 1.358/2020 que tramitava no Senado e posteriormente arquivado).

Os textos suprimem certas obrigações relacionadas a propaganda política patrocinada e transparência em processos eleitorais (qual seria o propósito?); criam categorias legais relacionadas a agentes, conteúdo informacional e comunicacional e contas de usuários (por exemplo, ‘conteúdo inequivocamente falso ou enganoso’; ‘contas inautênticas’, ‘disseminadores’, ‘rede de disseminação artificial’); revertem a base de responsabilidade de provedores de aplicações de internet para controle de conteúdo gerado por usuários; e reforçam o que seria o ‘núcleo duro’ da Lei, decorrente do título – quiçá panfletário – que a ela é atribuída pelas propostas.

Como podemos explicar melhor sem aprofundar ainda discussões conceituais e normativas? À exceção de importantes padrões hoje estabelecidos para a Governança da Internet e que também são consagrados pelo Marco Civil, o mantra “Liberdade, Responsabilidade e Transparência”, nos projetos analisados,  torna-se o anteparo de política legislativa para estabelecer limitações a direitos fundamentais e impor obrigações de monitoramento, fiscalização e controle não apenas de conteúdo informacional e comunicacional que circula, mas também da vida digital de usuários, cidadãos, empresas e organizações.

Ironicamente, ao pretender sair do online e do remoto para a vida real durante o Covid-19 (e para além dele), a Lei idealizada parece não oferecer contrapartida para disciplinar como os próprios agentes estatais, nas múltiplas esferas da jurisdição, comportam-se para aperfeiçoar os mecanismos de aplicação das leis brasileira na internet.

Ao buscar alcançar usuários, conteúdos, contas e empresas de Internet no cenário ilustrado pela desinformação online, o que inclui até celeumas políticas anteriores, usos de ‘bots’ e agências de disparos em campanhas eleitorais, as iniciativas destravam uma pauta nada suave. Seria arriscado chegar-se a um modelo legislativo com ideal socialmente relevante, como de manter informações confiáveis para segurança da população no enfrentamento do Covid19.

Da forma como se encontram as iniciativas, elas partem de introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, de obrigações de vigilância, de controle e de orientação de comportamentos online para que discurso e comunicação sejam dirigidos pelas aplicações de internet (um dirigismo ‘paraestatal’?), sob o objetivo de “fortalecer processo democrático por meio do combate à desinformação e fomento da diversidade de informações na internet e no Brasil” (Art.3º, inciso I, do PL 1429/2020 e PL 2630/2020).

Sem entrar em mais detalhes, as propostas poderiam ainda implicar – se lei aprovada – a transferência de certas funções da jurisdição para agentes privados, colocando de lado debates ainda mais vitais para democracia, como a tarefa de fortalecimento das instituições estatais e a sociedade civil quanto ao letramento digital e participação política, ou mesmo por legitimar uma forma nada astuta de exonerar o Judiciário da responsabilidade de realizar o controle de violações de direitos fundamentais dentro e fora da internet segundo a Constituição, leis e tratados.

O novo pacote legislativo, na esteira de projetos de lei que criminalizam certos usos da internet no Brasil sob o clamor das ‘fake news’, deve ser, antes de tudo, escrutinado à luz de condicionantes para uma análise de mérito e oportunidades que se expandem diante do enfrentamento da pandemia do Covid-19 e para além dele. Trata-se de tarefa a ser dada ao parlamento, em respeito à Constituição, à legalidade internacional, aos compromissos assumidos em tratados e convenções de direitos humanos pelo Estado brasileiro e mesmo um exercício de aprendizados recíprocos com os graves exemplos de censura online e violações a direitos fundamentais de usuários no globo.

Casos recentes de leis nacionais utilizadas como pretexto para combate à desinformação online têm servido para governos de países conhecidos por práticas antidemocráticas e totalitárias para cercear e punir cidadãos, jornalistas, empresas por diversidade de opiniões políticas.

Qualquer escolha de política legislativa para limitar a livre manifestação de opiniões, o discurso e fluxos informacionais e comunicacionais na Internet deve travar diálogo de precaução quanto ao respeito aos direitos de usuários e os resultados de censura online, autocensura, obstáculos aos desenvolvimento de modelos de negócios e inovações e fragmentação da internet no conjunto de sua estrutura, dados e conteúdo.

A essa altura, abstenho-me de traçar qualquer análise crítica relativa à técnica legislativa dos textos correntes veiculados no PL 1429/2020 e PL 2630/2020, porque algumas inconsistências surgem (e.g. conceitos juridicamente indeterminados; categorias abertas para tipificação de delitos e alteração da base de responsabilidade civil de provedores).

Gostaria de provocar, antes, a necessidade de análise do ponto de vista da legalidade e conformidade constitucionais a embasar o processo legislativo e as razões para uma lei específica no campo de regulação de internet para lidar com conteúdo veiculando “desinformação”, disseminadores artificiais de mensagens e outros. À moda bem simplificada, elaborei algumas perguntas para guiarmos a análise:

1)  É oportuno provocar o processo legislativo para essa matéria no momento atual de enfrentamento do Covid19 para endereçar aspectos da governança da internet e que dizem respeito à liberdade de expressão e jurisdição sobre dados e conteúdo, sem enfrentar as causas da desinformação online e acesso ao conhecimento e letramento digital? Da forma como o combo legislativo é proposto, a iniciativa traz consigo o ímpeto de introduzir novas regras para internet e promover mudanças legislativas de modo expedito para responder a eventos que existem antes, durante e depois da situação de emergência sanitária do Covid19.

Igualmente, se aprovado algum dos Projetos, a Lei permanece para disciplinar obrigações, responsabilidades e condutas relativas à informação, comunicação e discurso online, com potenciais lesivos a certos direitos fundamentais de usuários, como liberdade de expressão, liberdade de imprensa, acesso à informação e direitos comunicacionais, que não podem ser submetidos a atos de censura, imposição de crenças religiosas, vedação à crítica política, intercepção de dados e quebra do sigilo de comunicações privadas[1].

O texto apresentado do PL estabelece regulação de conteúdo informacional e comunicacional, com propósito de “desestimular abuso ou manipulação” em redes sociais e serviços de mensagens privadas, domínio que não se limitaria ao comportamento de usuários, indivíduos ou empresas ou as práticas de provedores de internet, como plataformas que operam redes de relacionamento social e “serviços de mensageria privada” com mais de dois milhões de usuários registrados (Art.1º, §2º do PL 1429/200 e PL 2630/2020).

Formas de produção de conhecimento científico, práticas de jornalismo e verificação de fatos, isoladamente considerados, também não seriam suficientes para alcançar as origens da desinformação online e como ela é estabelecida em contraponto à deseducação, à falta de letramento digital e da polarização política em tempos de crescente extremismo e intolerância de opiniões em diferentes países.

2) Em que medida os textos dos Projetos de Lei introduzem regras que tocam o exercício de direitos fundamentais de usuários, obrigações e responsabilidades de agentes da internet, particularmente provedores de aplicações, que são diretamente endereçados pela Constituição, leis, como o Marco Civil e tratados de que o Brasil é parte? A justificativa apresentada pelos proponentes de que que a Lei pretendida teria o “objetivo de combater a desinformação online durante a pandemia do Covid19” não pode ser tomada isoladamente, sem que sejam analisados seus efeitos sobre direitos de usuários, sobre o funcionamento da rede e responsabilidade dos agentes estatais na aplicação das leis brasileiras.

Toda proposta de modificação do marco legal da Internet (i.e. que proponha alterações legislativas relacionadas à disciplina da internet), deve manter coerência com observância dos direitos fundamentais relativos à livre manifestação do pensamento, acesso à informação e direitos comunicacionais, ao lado de princípios de segurança jurídica, proporcionalidade e garantias processuais das partes, todos decorrentes da Constituição, tratados e Marco Civil da Internet[2].

Quaisquer limitações por via legislativa infraconstitucional devem ser justificadas do ponto de vista da necessidade, adequação e proporcionalidade e passarem ainda pelo controle de legalidade internacional, à luz de tratados, convenções, atos e decisões internacionais relativos ao campo normativo em questão. É possível questionar, inclusive, segundo o PL apresentado e sua interpretação conforme à Constituição, se em casos de conflitos envolvendo liberdade de expressão, direitos comunicacionais e informacionais – também existentes na produção e circulação de “conteúdo desinformativo”, seria possível uma transferência de atribuições de autoridades de aplicação da lei para empresas relativamente ao controle e monitoramento de práticas e condutas de usuários nas plataformas?

O PL apresenta desequilíbrio normativo, deixando para o Poder Público uma tarefa praticamente residual baseada em poderes e deveres amplos que não endereçam as causas da desinformação online (e.g. Arts.24 a 27 do texto dos Projetos) ou ausência de qualquer obrigação de transparência para as autoridades de aplicação da lei relativamente aos pedidos de remoção de conteúdo feitos para as empresas de internet, tendo em vista a legalidade, motivação e proporcionalidade dos atos, bem como ampla defesa e contraditório que devem nortear qualquer forma de interferência estatal no exercício de direitos de cidadãos e adjudicação de litígios.

3) O texto apresentado levanta preocupações significativas do ponto de vista internacional para a liberdades civis, como liberdade de expressão, vedação à censura, liberdade de imprensa, liberdade de manifestação da opinião política, artística, científica e cultural, e direitos de comunicação e acesso à informação de usuários brasileiros?

Os Projetos reforçam, sim, preocupações relativas ao exercício de direitos fundamentais online e que transcendem o Estado brasileiro e jurisdição constitucional brasileira. Uma delas é criação de quadro regulatório que resulte indutor à censura online, perseguição política,  criminalização de críticas, rotulação de ideias, perseguição e categorização de cidadãos e organizações por posições ideológicas, pertencimento a grupos identitários etc.

Relatórios especializados, como Freedom on The Net, Digital News Report (do Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo/Universidade de  Oxford) apontam que o ambiente das redes sociais tem sido hostilizados por governos com o objetivo de instaurar vigilância e monitoramento de comportamentos de usuários, controlar opinião de cidadãos e engajamento cívico, e que a discussão não poderia ser simplesmente reduzida ao uso de mídias e plataformas digitais para fins de manipulação eleitoral.

Do ponto de vista da legalidade internacional e compatibilidade com instrumentos normativos internacionais, quaisquer leis e regulamentos que limitem discurso online com normas e obrigações sobre regulação de conteúdo (ou casos mais extremos de criminalização de usos e de usuários de internet) também podem ser contestadas nos tribunais internacionais (quando do controle de violações praticadas pelos Estados das obrigações nos tratados de direitos humanos) ou serem objeto de comunicações de indivíduos e organizações aos órgãos dos sistemas de direitos humanos, incluindo o Comitê dos Diretos Humanos das Nações Unidas.

Ainda que os textos do PL 1429/2020 e 2630/2020 recorram a cláusulas de compatibilidade formal com princípios e garantias do Marco Civil e da Lei Geral de Proteção de Dados (por exemplo, como as contidas nos Arts.2º, 5º §2º e 8º), com “aparência de conformidade” constitucional, a Lei objetivada representaria limitações a direitos fundamentais de usuários de internet (primeiro nível) e estabelecimento de regras de condutas e obrigações de empresas relativamente ao comportamento online de usuários e monitoramento de opiniões (segundo nível), além de obstáculos a discurso online, acesso à informação e comunicação privada por parte de usuários (terceiro nível).

Ela já nasceria com potencial de questionamentos quanto à constitucionalidade formal e material, em linha com jurisprudência já consolidada do STF, além da vigência e força normativa de convenções e tratados em matéria de direitos humanos, particularmente no conjunto da liberdade de expressão, proibição de censura,  direitos comunicacionais e informacionais[3].

Muitos desses níveis de violação, tanto da perspectiva de empresas como governos, são também abordados pelo Relatório do Relator Especial das Nações Unidas para a promoção e proteção do direito a liberdade de opinião e expressão sobre moderação de conteúdo gerado por usuários, adotado pelo Conselho de Direitos Humanos em abril de 2018 (“Relatório Kaye”)[4].

Nele também há indicação de que medidas de moderação de conteúdo realizadas por provedores de aplicação, como redes sociais, baseadas em suas regras de plataformas e para a finalidade de mitigar os efeitos de desinformação online, não excluem o controle judicial e o respeito aos direitos fundamentais na Internet e que também recairia sobre conflitos ou controvérsias em torno de uma publicação, mensagem ou post contestados por usuários e pelas plataformas.

Outra seria, por sua vez, a situação de obrigar plataformas à desativação de contas e remoção de conteúdos que passam a ser considerados “infrativos” ou “ilícitos”, segundo uma lei, com fundamento em deveres de monitoramento, rotulação e identificação, a exemplo do que o PL já propõe como “vedações” nas aplicações de internet (Art.5º do PL) e deveres comportamentais de usuários ao produzir conteúdo, como manifestar opinião, ou mesmo se comunicar e que ironicamente contrastariam o mote “Liberdade” que a Lei objetivada pretende consagrar, como consta no título dos Projetos.

4) Há paralelos possíveis entre o desenho legislativo objetivado nos textos dos projetos e certos padrões existentes em modelos adotados por Estados caracterizados por regimes antidemocráticos e que têm sido criticados pela tentativa de legalizar formas de “autoritarismo digital”, a partir do combate à desinformação online e ‘fake news’?

Apesar de os PLs 1429/2020 e 2630/2020 não buscarem criminalização de usos da internet, diferentemente de outras iniciativas em tramitação no Congresso, o escopo de política legislativa ali vislumbrado também é utilizado, em distintas gradações, por países como Rússia, Paquistão, Filipinas e Malásia, com objetivo aparente de impedir uso de aplicações de internet e manipulação de conteúdo para disseminar desinformação online.

Partindo-se de pesquisas sobre as jurisdições indicadas, são leis e projetos de leis que estabelecem padrões normativos resultantes em: (i) censura e autocensura online, como por imposição de obrigações legais de regulação de conteúdo por monitoramento, desativação de contas ou perfis, remoção e filtros; (ii) regras comportamentais para usuários de como devem se expressar, produzir ou compartilhar conteúdo sob o fundamento de combate e repressão de desinformação, notícias falsas; (iii) criação de categorias vagas, tais como “informações não confiáveis”; “informações que representem flagrante desrepeito pela sociedade, governo, símbolos governamentais oficiais, à Constituição e aos órgãos governamentais”; “informações falsas socialmente significativas distribuídas sob o disfarce de mensagens verdadeiras”; “conteúdo ilícito online”; “interpretação ou permissibilidade de qualquer conteúdo online”.

Dentre projetos de lei e leis vigentes nesses países, destacam-se os seguintes: (i) Information, Information Technologies and Information Protection Act e (ii) Code of Administrative Offenses on the distribution of foreign print media, de 1º de maio de 2019 (Russia); (iii) Citizens Protection (Against Online Harm) Rules of 2020 (Paquistão); (iv) Bill on Anti-Fake News Act, de 21 de junho de 2017; (v) Anti-Fake Content Act – Act Penalizing The Malicious Distribution of False News And Other Related Violations,  de 9 de julho de 2019 (Filipinas); e (vi) Anti-Fake News Act, de 19 de abril de 2019 (Malásia).

Essas leis, pelas obrigações que criam para empresas e poderes conferidos a autoridades governamentais, transferem certas atribuições de agentes de aplicação da lei e tribunais para órgãos ministeriais  (administrativos/reguladores) ou para provedores de aplicações no tocante à fiscalização e repressão de práticas e condutas online que sequer estariam disciplinadas do ponto de vista jurídico no campo civil ou criminal (ilícitos/delitos).

Apesar da importância de posicionar normativamente determinados deveres relacionados à transparência em relação a contas e conteúdos removidos e/ou indicação de conteúdos patrocinados relativamente a usuários[5], em práticas que plataformas já vêm adotando em nível global, os projetos brasileiros recorrem a alguns dos mecanismos das leis daqueles países, juntando-se ao grupo de jurisdições que se enveredaram em técnicas questionáveis para justificar e legislar em torno de uma espécie de “Direito Antidesinformação”.

Todavia, seria de se perguntar o quanto, em verdade, todos esses países, inclusive o Brasil, têm buscado medidas de compreensão e combate às causas da desinformação online, das desgraças da educação, da exclusão digital e da deliberada tentativa de despolitização da cidadania em nosso País. O risco maior, diante da grave crise humanitária global posta pela Covid-19, é o de recorrer ao processo legislativo de emergência (e quase ‘por exceção’ nesse caso), para tomada de uma posição que terá repercussões delicadas para o futuro da internet e liberdade de expressão no Brasil.

—————————————-

[1] Bastaria, nesse sentido, iniciarmos o conjunto de testes dos dispositivos dos Projetos segundo o Art. 5º, incisos IV, V, VI, XII, IX, XIII, XIV; Art. 5º, §2º, Art. 220 da CF/88; Arts. 17, 18 e 19 do Pacto das Nações Unidas sobre Direito Civis e Políticos de 1966 (Decreto 532/1992)

[2] Ver ainda, as implicações dos PLs, por exemplo, sobre a vigência dos Arts.2º, inciso V, 3º inciso VIII, Art. 19 do Marco Civil da Internet e orientação jurisprudencial consolidada sobre aspectos relativos a conteúdo online gerado por usuários e responsabilidade de provedores de aplicações.

[3] Considero ser possível apreciar a matéria do PL sob os aspectos de potencial violação positiva de obrigações multilaterais e bilaterais que o Brasil assumiu e tem assumido com amparo no Artigo 4º da Constituição de 1988. O Art. 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (Decreto  n. 532/1992) considera violação quaisquer legais proibindo,  limitando ou dificultando a disseminação de informações, tais como leis, regulamentos e práticas de Estados que recorram a categorias vagas e amplas para esse propósito.

[4] Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G18/096/72/PDF/G1809672.pdf?OpenElement>

[5] Cf. por exemplo. Arts. 6o a 12, PLs 1429/2020 e 2630/2020.

Sair da versão mobile