O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um processo administrativo disciplinar (PAD) contra a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), por ter feito publicações no Facebook nas quais associa Marielle Franco a bandidos, compartilhou mensagem dizendo que Guilherme Boulos seria recebido a bala e fez comentários discriminatórios contra pessoas transexuais e pessoas com deficiência.
A desembargadora foi alvo de sete representações diferentes no CNJ, que tramitam em sigilo. Nesta terça-feira (24/11), o plenário julgou todas as sete representações por meio de uma reclamação, e decidiu, por unanimidade, abrir o PAD.
Em uma postagem no Facebook, Marília de Castro Neves publicou que Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018, era “engajada com bandidos”. Em outra postagem, publicou uma foto de Guilherme Boulos, atual candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, na qual está uma frase: “A tristeza no olhar de quem vai ser recebido na bala depois do decreto do Bolsonaro”.
Esta é a desembargadora Marília Castro Neves, do TJ do Rio de Janeiro. Já responde judicialmente por ofensas a Marielle Franco e outras postagens inadequadas. Um magistrado tem que ter equilíbrio, não pode incitar ao crime. Agora responderá mais uma ação judicial. pic.twitter.com/IZBlV4yfjI
— Guilherme Boulos 50 (@GuilhermeBoulos) January 17, 2019
A corregedora-nacional de Justiça, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, iniciou seu voto dizendo que, “para exercer com responsabilidade sua liberdade de expressão, a pessoa investida na magistratura deve guardar especial atenção aos valores que informam a atividade jurisdicional”, e que “ao magistrado cabe cultivar em sua vida profissional e em todas as suas relações interpessoais as qualidades que demonstram aptidão para as elevadas funções nas quais foi democraticamente investido”.
Para a corregedora, na publicação sobre Boulos, há aparente exercício de prática político-partidária, o que é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e pela Resolução 305/2019 do CNJ, que dispõe sobre regras de uso de redes sociais por magistrados.
“São manifestações que parecem evidenciar ataques pessoais à liderança política representada pelo candidato Guilherme Boulos, com a finalidade de descredencia-lo perante a opinião pública, e o apoio público a corrente política do presidente da República”, disse a corregedora.
Em relação às críticas discriminatórias, a corregedora-nacional de Justiça destacou que os magistrados devem se abster de “emitir opiniões discriminatórias ou preconceituosas”, porque esse tipo de manifestação “viola de forma transversal os valores da magistratura”.
E em relação às falas sobre Marielle Franco, a corregedora afirmou que a desembargadora não demonstrou imparcialidade. “A vida da vítima do homicídio é avaliada a partir de suas posições na arena política, o compromisso da Justiça com apuração e resposta imparcial e proporcional ao fato criminoso parece colocado em segundo plano. Além disso, a magistrada adianta uma opinião sobre um caso da competência da Corte a qual está vinculada. O homicídio ocorreu na jurisdição da reclamada, em algum momento era possível que o caso viesse a estar sob sua cognição jurisdicional”, afirmou.
A desembargadora está sendo processada criminalmente pelo crime de calúnia, em razão das postagens aqui analisadas. “A corte especial do STJ entendeu que a conduta da querelada de divulgar mensagem em rede social imputando a vítima falecida o crime de pertencer a organização criminosa implica, em tese, o crime de calúnia”, lembrou Maria Thereza de Assis Moura.
Assim, ela votou pela abertura do PAD para apurar melhor as condutas da desembargadora fluminense.
Arquivou, entretanto, as reclamações sobre postagens feitas pela desembargadora sobre o CNJ. Em publicações no Facebook, Marília de Castro Neves disse que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) “manda” no CNJ e no CNMP”, e que “se o Brasil deseja uma justiça íntegra tem que extinguir os dois conselhos petistas”.
Para a corregedora, as críticas, “embora feitas de forma áspera e descortês”, podem ser vistas “como parte da liberdade de expressão da magistrada”.
A relatora foi acompanhada por unanimidade. Não participaram do julgamento, por suspeição por motivos de foro íntimo, o presidente Luiz Fux e os conselheiros Mario Guerreiro e Luiz Fernando Keppen.