A 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reduziu de R$ 60 mil para R$ 20 mil o valor de uma condenação da Rede Record, por danos morais, por ter apontado no Cidade Alerta um homem como culpado por sequestrar uma mulher para estuprá-la com mais quatro amigos.
O homem nunca sequer chegou a ser investigado por sequestro e não há nos autos notícia sobre a conclusão do inquérito de estupro. O valor da condenação foi reduzido porque os desembargadores consideraram que o “equívoco da ré não teve a repercussão na proporção narrada pelo autor”.
Em 2016, o juiz Douglas Iecco Ravacci, da 33ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, entendeu que a reportagem excedeu o dever de informar ao não se limitar em divulgar apenas as informações contidas no boletim de ocorrência.
O magistrado escreveu que não foram utilizadas expressões como “suspeito” ou “indiciado”, mas que foi veiculada a informação de um sequestro a fim de se realizar o estupro. Ravacci concluiu que é “evidente o caráter sensacionalista da matéria” e condenou a emissora a pagar R$ 60 mil ao homem.
Ao recorrer, a emissora alegava que a reportagem exibida no Cidade Alerta constituía uma mera reprodução do relatos da testemunha e dos fatos registrados no boletim de ocorrência e que foram informados pelos policiais que atenderam a ocorrência.
O entendimento do tribunal
O relator, desembargador Renato Rangel Desinano, considerou que embora a Record sustente que o apresentador do programa Cidade Alerta e o repórter “apenas relataram os fatos registrados no boletim de ocorrência e nos relatos das pessoas envolvidas no episódio”, “é inequívoco que a manchete divulgada pela requerida tratou o requerente como um dos autores dos crimes de sequestro e estupro, e não como suspeito de supostos crimes”.
O desembargador afirma que “é inadmissível o exercício da liberdade de imprensa de forma desmedida, sendo reprovável a prática de abusos consistentes na veiculação de notícias falsas ou com nítida intenção de macular a imagem e a honra de determinada pessoa”.
Desinano, dessa forma, concluiu que a emissora excedeu o exercício regular da atividade jornalística e atingiu indevidamente a honra do homem ao vincular sua imagem à afirmação de autoria dos crimes, sendo que o crime de sequestro sequer foi investigado pelas autoridades policiais.
“O fato de o requerente ter sua imagem divulgada em veículo de comunicação de alcance nacional, com potencial de atingir milhões de pessoas, associando-o à autoria de crimes de sequestro e estupro, à toda evidência, supera o mero aborrecimento, eis que faz recair sobre ele a prática de crimes graves e amplamente repudiados pela sociedade”, escreveu o relator.
Por outro lado, os desembargadores consideraram que o valor da indenização deveria ser reduzido.
Os desembargadores entenderam que apesar de o homem alegar que seu envolvimento “não passaria de um engano pois jamais cometeu qualquer ilícito penal”, “o Boletim de Ocorrência juntado aos autos pela requerida demonstra que houve a instauração de Inquérito Policial para apuração dos crimes de lesão corporal e estupro, não havendo notícia da conclusão das investigações” nos autos.
Além disso, o relator também afirmou que embora o homem afirme que “vive tendo que se mudar do local onde reside para poder esclarecer os fatos sem que sua vida fosse ceifada antes”, a sua qualificação na petição inicial demonstra que ele residiria no mesmo endereço da época dos fatos.
O caso tramita com o número 1059652-63.2016.8.26.0100.
Outros casos relacionados à mesma reportagem
Ao menos quatro dos cinco homens apontados na reportagem como responsáveis por sequestrar e estuprar a mulher entraram, individualmente, com ações de indenização por danos morais contra a Record.
Em 2017, a juíza Carla Themis Lagrotta Germano, da 31ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, condenou a emissora a pagar R$ 5 mil para outro envolvido.
A magistrada entendeu que ter sua imagem exposta em “situação humilhante, sem seu consentimento” foi um evidentemente objeto de dor, tristeza e sofrimento. A Record não recorreu da decisão e o caso foi extinto. Este processo tramitou com o número 1059623-13.2016.8.26.0100.
No mesmo ano, a juíza Ana Lúcia Xavier Goldman, da 28ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, considerou que é “inequívoca a intenção sensacionalista da matéria, que ultrapassou o dever de informação”.
Entretanto, afirma que o caso não tem prova documental, pois o autor da ação não havia apresentado a matéria completa que pudesse constar a sua identificação como um dos supostos criminosos, a ensejar o dano à sua imagem. O caso foi extinto e tem o número 1059617-06.2016.8.26.0100.
Em 2018, a juíza Paula Narimatu De Almeida, da 29ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, divergiu e decidiu que “não se vislumbra da matéria divulgada nenhuma atitude ilegal”.
A magistrada entende que, apesar da divulgação da foto dos suspeitos, em nenhum momento eles foram dados como efetivamente culpados, não lhes sendo imputada a certeza por qualquer crime. “Veiculou-se sim a ocorrência de crime, onde o autor e mais quatro outros elementos estariam envolvidos em suspeito crime de estupro coletivo”, pontua.
Assim, condenou o autor a pagar as custas e despesas processuais. O caso tem o número 1060684-06.2016.8.26.0100 e também já transitou em julgado.
O episódio 42 do podcast Sem Precedentes analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça: