FAKE NEWS

TJSP: fake news sobre filho de palmeirenses chamado Semundienzo deve ser removida

Notícia falsa dizia que casal colocou no filho nome de Semundienzo, em referência à ausência de título mundial

Palmeiras mundial
Palmeiras busca há anos reconhecimento da Fifa da Copa Rio, torneio disputado em 1951 no Rio de Janeiro e que teve a participação de 8 equipes. Crédito: YouTube

Um torcedor do Corinthians colocou no filho o nome de Corinthienzo em homenagem ao time de coração. Com base nessa notícia verdadeira foi criada uma fake news, com a foto de uma família palmeirense, dizendo que o casal teria batizado o filho como Semundienzo, em referência ao fato de o Palmeiras nunca ter conquistado um título mundial reconhecido pela Fifa.

A notícia falsa foi hospedada inicialmente no site “youreact247”, que excluiu a postagem depois uma denúncia ser realizada. No entanto, o conteúdo continuou sendo disseminado no Facebook, onde foi compartilhado por 71 mil usuários.

A família palmeirense acionou o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para que a montagem fosse retirada do ar também no Facebook, onde a notícia falsa foi compartilhada.

Em primeira instância, a juíza Marcia Tessitore determinou que todos os links de compartilhamento da fake news fossem excluídos. A magistrada também definiu que seria necessário o fornecimento de “registros de acesso da pessoa que fez o primeiro compartilhamento na rede social, limitados às informações disponíveis em seus servidores”. Além disso, a sentença estabeleceu que cada parte teria que arcar com metade das custas e despesas processuais.

As duas partes recorreram. Os autores alegaram que é possível ter acesso a dados detalhados das pessoas que difundiram o conteúdo e que o ônus da sucumbência deveria ficar na totalidade com o Facebook.

Já o Facebook sustenta que “houve violação ao § 1º do art. 19 do Marco Civil da Internet, ante a necessidade de indicação do URL de cada página a ser removida, o que é ônus da parte contrária, sob pena de se caracterizar uma obrigação genérica de impossível cumprimento”. O parágrafo citado diz que “a ordem judicial que trata o capu deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material”.

A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o recurso da família palmeirense deveria ser provido.

No entendimento do relator, Donegá Morandini, o “conteúdo foi satisfatoriamente identificado pelos autores, que juntaram diversas páginas de perfis do Facebook com o referido material”. O desembargador também destaca o fato de a notícia falsa ter sido compartilhada mais de 71 mil vezes no Facebook, “não sendo exigível que os autores informem a URL de cada compartilhamento, tampouco que possam identificar quem foi a primeira pessoa que efetuou o compartilhamento na rede social”.

Para Christian Perrone, pesquisador sênior da área de direitos e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), a indicação das URLs se faz necessária para não deixar a decisão sobre as exclusões totalmente nas mãos das empresas. “Eu entendo que parece um ônus que é dado à vítima, mas é uma escolha política relacionada a como a gente quer que a internet e as plataformas tenham que funcionar”, afirma.

Assista ao novo episódio do podcast Sem Precedentes sobre coesão do STF ao manter inquérito das fake news:

Em julgamento de 2017, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que há a necessidade de indicação de URL para remoção de conteúdo. “A necessidade de indicação do localizado URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinarem a remoção de conteúdo na internet”, disse a ministra. Ainda de acordo com a magistrada, o Judiciário não pode repassar ao provedor a tarefa de analisar e filtrar as mensagens.

Na ocasião, era analisada uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), que definiu ser suficiente o nome completo de um ofensor para que o Facebook tirasse do ar determinadas mensagens.

“A meu ver, a decisão do STJ é acertada, pelo menos na gigantesca maioria dos casos”, avalia Christian Perrone, do ITS. “Nesse caso particular [da família palmeirense], talvez poderia se pensar que se torna um fardo para a vítima, mas entre os fardos, entre os sopesamentos e os balanceamentos, me parece que ainda prevalece a ideia de que deveria ter a indicação das URLs.”

Já o advogado Felipe Barreto Veiga, especializado em Direito Digital e Novas Tecnologias e sócio do BVA Advogados, entende que a indicação de todas as URLs é uma obrigação genérica e de impossível cumprimento. “O que se percebe nos autos é que o conteúdo foi devidamente identificado pelos autores da ação”, diz. “Eles, inclusive, juntaram as páginas dos perfis de Facebook com o conteúdo infringente e dessa forma não há o que se falar em ausência de identificação clara e específica do conteúdo, ele está claramente identificado.”

Para Veiga, grandes plataformas como o Facebook têm condições técnicas de mapear e excluir conteúdos que ferem determinadas normas. “Eles possuem internamente os procedimentos e as ferramentas necessárias para suspender conteúdos que, na visão deles, violariam os termos de uso e as regras de conduta das próprias redes que eles administram e controlam”, afirma. “Esse conteúdo como foi compartilhado 71 mil vezes, se o postulante tivesse que identificar cada um deles, ficaria impossível ele solicitar o cumprimento da obrigação pelo Facebook.”

O desembargador Donegá Morandini tem a mesma avaliação e diz no acórdão que o Facebook “possui em sua plataforma contador do número de compartilhamentos de cada postagem, cabendo-lhe o rastreamento de conteúdo para fins de identificação de sua origem”.

O relator também condenou o Facebook ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários.

A reportagem do JOTA entrou em contato com o Facebook, que informou que está avaliando suas opções legais. Ainda é possível encontrar a foto com a montagem da fake news no Facebook.

A apelação cível tramita na 3ª Câmara do Direito Privado do TJSP com o número 1017281-79.2019.8.26.0100.

Palmeiras e a Taça Rio

Em 1951 a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), atual CBF, organizou um torneio no qual foram convidados clubes dos países mais bem colocados na Copa do ano anterior, realizada no Brasil. A ideia inicial era que houvesse 16 equipes, mas nem todas puderam participar e o torneio teve oito times. O campeão da Taça Rio foi o Palmeiras, derrotando na final a Juventus, time da Itália. Embora a taça tenha sido entregue por Jules Rimet, presidente da Fifa à época, o torneio não foi organizado pela Federação Internacional de Futebol.

Parte da imprensa chegou a tratar a disputa como campeonato mundial, mas oficialmente nunca houve esse selo. Como em São Paulo os outros três clubes dos chamados grandes – Corinthians, São Paulo e Santos – conquistaram campeonatos mundiais reconhecidos pela Fifa, surgiu o dilema que já rendeu horas de discussões em mesas redondas, bares e grupos de WhatsApp: o Palmeiras tem Mundial?

“Acho que não. Esses nomes começaram a gerar uma forma de exercício de poder: ‘eu sou melhor do que você, o meu é melhor do que o seu’”, diz Sérgio Xavier Filho, comentarista da SporTV. “Para isso, é importante nessa brincadeira, que na verdade tem um lado de seriedade, você usar códigos”, explica.

“Na conotação das palavras, ‘mundial’ vale mais, é o equivalente ao interplanetário, virou uma coisa simbólica”, destaca. “A Taça Rio teve uma importância naquela época, segue tendo uma importância histórica. Agora, trocar o nome, acho um pouco forçação de barra.”

Para o comentarista da SporTV, o primeiro gatilho na busca do Palmeiras por esse reconhecimento foi em 1999, quando perdeu a final do Mundial para o Manchester United. “O Palmeiras jogou melhor do que o Manchester, mas perdeu”, lembra Sergio Xavier. Segundo ele, as tentativas começaram a ganhar corpo depois de 2011, quando o Palmeiras teve uma aproximação com a CBF. “O Palmeiras viu uma forma de legalmente transformar algo afetivo em efetivo”.

No rival Corinthians, o título do Campeonato Mundial de 2000, organizado pela Fifa e disputado no Brasil, tem uma abordagem oposta. “A Taça Rio eu acho que foi mais importante do que o Mundial do Corinthians, mas não dá para chamar de Mundial”, avalia Sergio Xavier. “E o título do Corinthians dá para chamar de Mundial, aliás, tem que chamar de Mundial, porque ele já nasceu como Mundial, o nome é esse, não tem o que dizer”.