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STF: Estado deve indenizar fotógrafo que perdeu a visão após ser ferido pela PM

Profissional cobria manifestação na Paulista quando foi atingido por bala de borracha; TJSP havia assentado ‘culpa da vítima’

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Polícia Militar durante protesto na Avenida Paulista / Crédito: Roberto Parizotti/FotosPublicas

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (10/6), que o Estado deve indenizar profissional de imprensa ferido em manifestação. Por dez votos a um, foi acolhido recurso de um fotojornalista que perdeu a visão após ser atingido, em 2000, por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar quando cobria manifestação em São Paulo. 

Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação a profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente de responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física.”

Em 18 de maio de 2000, o fotógrafo jornalista Alex Silveira, que trabalhava no jornal Agora, do Grupo Folha, cobria uma manifestação de professores na Avenida Paulista quando foi atingido no olho esquerdo por bala de borracha disparada pela Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo. O disparo deixou Alex sem a visão do olho esquerdo, o que o impediu de seguir na profissão de fotógrafo. 

Silveira acionou a Justiça buscando indenização do estado de São Paulo, e na primeira instância teve seu pedido atendido. Mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu recurso do estado e fixou que o ferimento com bala de borracha disparada pela PM foi culpa exclusivamente do fotógrafo. O caso chegou ao STF em 2019, por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1.209.429 e o tribunal reconheceu a repercussão geral do caso em junho daquele ano. 

Em 14 de agosto do ano passado, o julgamento do recurso começou no Supremo, por meio do plenário virtual, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O relator, Marco Aurélio Mello, votou por dar provimento ao recurso e reconhecer a responsabilidade do Estado. Leia o voto do relator.

O voto de Marco Aurélio, no caso concreto, foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Houve divergências entre estes ministros apenas em relação à tese.

Para o relator, “ao atribuir à vítima, que nada mais fez senão observar o fiel cumprimento da missão de informar, a responsabilidade pelo dano, o Tribunal de Justiça endossou ação desproporcional, das forças de segurança, durante eventos populares.” O ministro afirmou que “a Polícia Militar do Estado de São Paulo deixou de levar em conta diretrizes básicas de conduta em eventos públicos, sendo certo que o fotojornalista não adotou comportamento violento ou ameaçador”. 

Marco Aurélio ainda defendeu a liberdade de imprensa, que classificou como “medula da democracia e do Estado de Direito”. Para o ministro, “surge imprescindível, à concretização do acesso a informações de interesse público e ao controle da atuação estatal, imprensa livre e independente, forte e imparcial constitui meio para ter-se o avanço dos ideais expressos na Constituição Federal e contribui para o fortalecimento da República”. 

O relator propôs a seguinte tese de repercussão geral: “Viola o direito ao exercício profissional o direito-dever de informar conclusão sobre a culpa exclusiva de profissional da imprensa que, ao realizar cobertura jornalística de manifestação pública, é ferido por agente da força de segurança”. Na tese, foi acompanhado pelo ministro Edson Fachin e por Luiz Fux.  Os outros ministros acompanharam a tese proposta pelo ministro Alexandre de Moraes.

Na última quarta-feira (9/6), o julgamento foi retomado, e o ministro Alexandre de Moraes também votou pela responsabilidade do Estado, mas sugeriu uma tese diversa do relator. Da mesma forma, o ministro Edson Fachin também votou pelo reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado e pela indenização, acompanhando o relator. 

Para Moraes, “não é razoável exigir dos profissionais de imprensa que abandonem a cobertura de manifestações públicas em que haja conflito entre a polícia e os manifestantes”, pois isso acabaria propiciando notícias incompletas, imprecisas e equivocadas. Já Fachin destacou que, neste caso, “com toda intensidade, verifica-se por parte do Estado o descumprimento de um dever de proteção, o que enseja a responsabilidade objetiva do Estado”.

Nesta quinta-feira (10/6), o julgamento foi retomado. O ministro Luís Roberto Barroso disse, em seu voto, que “o jornalista não estava lá correndo um risco em interesse próprio, estava por interesse público”. Para Barroso, “a liberdade de expressão, além de ser uma manifestação da dignidade da pessoa humana, é indispensável para a democracia”.

A ministra Rosa Weber também votou para reconhecer a responsabilidade do Estado. “A vítima não tomou parte do confronto, era um profissional de imprensa alheio ao conflito”, falou.

O ministro Luiz Fux disse que, neste caso, a responsabilidade do Estado “é absolutamente inequívoca”. Para o ministro, a culpa exclusiva só se daria em casos específicos, se o profissional descumprisse uma ordem expressa da Polícia, por exemplo. “Assim como a liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia, a responsabilidade do Estado também é um dos pilares, porque ela significa uma repartição de ônus por toda a sociedade em razão de atos praticados pela administração pública”, afirmou.

Divergência

O ministro Nunes Marques foi o único a votar para negar o recurso do fotógrafo atingido pela bala de borracha da PM. O ministro alertou que “o desejo de fazer justiça no caso concreto não pode ser maior do que a reflexão sobre os efeitos transcendentes da manifestação do STF para casos atuais e futuros que tramitem na Justiça”. Para Marques, o caso em discussão exigiria uma reanálise de provas, para verificar se o fotojornalista teve ou não culpa por ser ferido.

“O profissional de imprensa, como qualquer cidadão, não está livre de sofrer acidente em seu trabalho. E é claro que o jornalista ferido por abuso ou imperícia policial deve ser sim indenizado, não estou negando isso de forma alguma. O que não se pode é, sob o argumento da liberdade de imprensa, instituir a regra abstrata de que a vítima, apenas pelo fato de ser jornalista, nunca contribuirá pelo evento danoso. Assim, jornalistas que assumem riscos extremos, imprudentemente contrariando todas as normas de segurança, seriam indenizados depois por eventuais danos por eles sofridos”, falou.