Liberdade de expressão

STF confirma que desembargador pode suspender direito de resposta monocraticamente

Plenário declarou direito como parte da liberdade de expressão e competência de relator no tribunal para avaliar razoabilidade

Ministro Luiz Fux preside sessão plenária por videoconferência / Crédito: Fellipe Sampaio /SCO/STF
A reportagem foi alterada às 21h20 de 11 de março de 2021 para corrigir o título. O STF decidiu que um relator pode suspender o direito de resposta monocraticamente

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quinta-feira (11/3), que é constitucional o direito de resposta e que a retificação de eventual erro ou distorção feita por um veículo de comunicação não interfere na possibilidade de exercício deste direito. Além disso, o plenário afastou um ponto da lei: a exigência de que a suspensão do direito no segundo grau seja definida por órgão colegiado.

O entendimento foi de que o relator tem competência para conceder monocraticamente efeito suspensivo a recurso interposto em face de decisão proferida segundo o rito especial do direito de resposta. Caso contrário, seriam violadas as atribuições do magistrado, bem como se atrasaria o andamento do processo. Assim, o entendimento do relator, ministro Dias Toffoli, prevaleceu. Apenas o ministro Marco Aurélio, decano da Corte, ficou vencido.

A Corte julgou as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5.415, 5.418 e 5.436, ajuizadas, respectivamente, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ). As ações discutem, entre outros pontos, se as retratações eximem o veículo de comunicação de assegurar o direito de resposta e afastam o dever de indenização por dano moral.

A discussão se deu em torno dos pedidos circunscritos aos princípios da Lei 13.188/2015, que dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.

Em 2015, Toffoli suspendeu liminarmente, na ADI 5.415, a eficácia do artigo 10° da Lei 13.188. O dispositivo estabelecia condições distintas para o julgamento de ações com pedido de direito de resposta. O dispositivo previu que um juiz, monocraticamente, pode analisar e julgar o pedido de direito de resposta contra um jornal. Mas definiu que o efeito suspensivo de um recurso seria julgado por um colegiado.

O plenário começou a julgar o caso na sessão de quarta-feira (10/3), quando ouviu as sustentações orais e o voto do relator. Ele sustentou que “o direito de resposta, em sua concepção, pressupõe a acentuada assimetria entre ofendido e ofensor. O direito de resposta atua como um contrapeso da liberdade de imprensa e do grande poder que detêm os veículos de comunicação social”.

Primeiro a votar na sessão desta tarde, o ministro Nunes Marques acompanhou o relator. Para ele, a Lei 13.188/2015 veio ao mundo jurídico em boa hora, trazendo o direito de resposta. “Foi econômica ao fixar prazos processuais e prestigia a cláusula da duração razoável do processo”, disse. O ministro entendeu, assim, que os prazos são constitucionais.

Ele também observou que a retificação espontânea pode ser ainda considerada incompleta ou incorreta, o que é previsto pela legislação em discussão. Mas o ministro entendeu parcialmente inconstitucional o artigo 10 da lei, o único trecho que causou alguma discordância entre os ministros.

O artigo 10 dispões que, “das decisões proferidas nos processos submetidos ao rito especial estabelecido nesta Lei, poderá ser concedido efeito suspensivo pelo tribunal competente, desde que constatadas, em juízo colegiado prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida”.

Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes retomou a defesa que faz do binômio liberdade e responsabilidade quando se trata de liberdade de expressão. Ou seja, a ideia de que esta ponderação protege a liberdade de expressão tanto no aspecto positivo, quanto no negativo.

“Assim, cidadão e imprensa podem se manifestar como bem entenderem e é absolutamente ilegítima a intervenção do Estado por meio de censura prévia. Agora, o mesmo entendimento permite a responsabilização posterior”, pontuou. Moraes elogiou o voto de Toffoli, quando este afirmou que o direito de resposta cria paridade de armas entre um veículo de comunicação e o cidadão.

Luiz Edson Fachin se somou aos colegas no sentido de que o direito de resposta confere proporcionalidade à liberdade de expressão. Ele afirmou que a matéria é da maior importância e fez uma retomada histórica do tema no Direito Internacional.

“O direito de resposta consagra a um só tempo a dimensão individual e a dimensão social de comunicar uma nova informação que irá contradizer a anterior, restabelecendo o equilíbrio informacional, necessário na democracia que se pretende plural. Esse necessário equilíbrio deve reverberar tanto no procedimento quanto no objeto da relação jurídica material, a qual deve ponderar, para além do direito abstratamente considerado, também as circunstâncias do caso concreto.”

Fachin entendeu, no entanto, como dito nas sustentações, que a celeridade “exacerbada imposta ao rito compromete o exercício do contraditório e da ampla defesa”. O art. 5º, § 2º, prevê prazo máximo de 30 dias para o trâmite processual; o art. 6º prevê prazo de 24 horas e de 3 dias para respostas; e o art. 7º, o prazo judicial de 24 horas para análise e de 10 dias para o cumprimento.

“São todos prazos que não permitem que o veículo de imprensa possa exercer o contraditório na sua forma plena, assim como a ampla defesa.” Assim, ele ponderou que o contraditório compreende não apenas o direito de expor as próprias razões, mas também de tê-las devidamente apreciadas. “Eis, então, um desequilíbrio não isonômico em desfavor do veículo de informação e, especialmente, do direito à liberdade de imprensa.”

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que havia “um vazio que foi preenchido por esta lei” após o STF declarar inconstitucional a Lei de Imprensa (Lei 5250/67), por meio da ADPF 130, em 2009. Para ele, a lei preenche esse vazio “de maneira bastante satisfatória, compatibilizando a liberdade de expressão, que é um valor de expressão máxima na Constituição, com o direito das pessoas eventualmente afetadas por imprecisões ou por notícias equivocadas ou mesmo deliberadamente falsas”.

Barroso lembrou da censura na época da ditadura militar e exaltou a liberdade de expressão. “Nós vivemos épocas muito tristes no Brasil, e triste mesmo é ver quem sinta saudade deste tempo”, falou. O ministro disse que, quem enfrentou a ditadura e a censura, costuma ter uma visão mais libertária sobre a liberdade de expressão e repudia a censura prévia.

Entretanto, ele afirmou que a contrapartida de não se admitir nenhuma interdição a priori “é a possibilidade da reação a posteriori diante da injustiça, diante da inverdade e da imprecisão”, e acrescentou que o direito de resposta é previsto na própria Constituição.

O ministro falou que, na prática, “o bom jornalismo já adota como regra ética ouvir os dois lados”, o que “minimiza o próprio instituto do direito de resposta”. Mas “mesmo de boa fé, podem ocorrer erros”. Assim, o ministro acompanhou o relator, votando apenas pela supressão da parte “juízo colegiado prévio” do artigo 10.

No mesmo sentido, a ministra Rosa Weber também destacou que o direito de resposta é assegurado na Constituição, e que “a lei em exame veio a suprir um vazio legislativo deixado pela declaração de não-recepção da Lei de Imprensa por esta casa ao exame da famosa ADPF 130”.

Para ela, a lei é constitucional em sua maior parte. Entretanto, entendeu ser inconstitucional toda a integralidade do artigo 10. “Tal dispositivo, na minha visão, afronta o devido processo legal, criando injustificada situação de disparidade de tratamento entre as partes, amesquinhado o exercício da tutela de urgência pelo relator do recurso e, sobretudo, atentando contra o poder geral de cautela do Poder Judiciário e contra o postulado da inafastabilidade da jurisdição”, falou.

“Essa norma, a meu juízo, no seu todo mostra-se despicienda, uma vez que já prevista na legislação processual civil medidas mais eficazes para proteção do direito, além de inadequada, porque a sujeição necessária ao colegiado esvazia o próprio sentido da concessão da tutela de urgência, considerada a natureza do direito envolvido”, disse a ministra. “E além disso, também se revela desproporcional em sentido estrito, ao impor atrasos desnecessários a efetivação da tutela de urgência, comprometendo a sua própria efetividade.”

A ministra Cármen Lúcia acompanhou integralmente o relator. Na visão dela, no artigo 10 “reside uma mácula que precisa ser afastada” pois, considerando “o poder geral de cautela que é necessário para se dar eficácia à jurisdição, a disposição que estabelece que deverá ser ‘previamente submetido a juízo colegiado’, parece não coincidir com a própria estrutura do sistema Judiciário brasileiro”.

Integrando a maioria já formada, o ministro Ricardo Lewandowski disse que a Lei 13.188 veio a estabelecer uma disciplina processual para viabilizar o direito de resposta, que abre ao ofendido “uma possibilidade de oferecer uma correção ao que foi indevidamente veiculado”, um direito com previsão constitucional e com amparo em tratados internacionais.

Entretanto, ele também entende que o artigo 10 é inconstitucional. “Eu penso que submeter os efeitos de uma decisão liminar concessiva do direito de resposta a um juízo colegiado não apenas ofende o postulado da eficácia plena e aplicabilidade imediata do direito de resposta e retificação, como também afronta o princípio da universalidade de jurisdição, o que compreende o poder geral de cautela, que está implícito não apenas na Constituição, mas em toda a legislação processual”, disse Lewandowski.

O ministro, entretanto, acompanhou Rosa Weber e sugeriu a supressão de todo o dispositivo, e não apenas a exclusão do termo “juízo colegiado prévio”. Isto porque, em sua visão, “artigos do Código de Processo Civil que cuidam da tutela de urgência a meu ver são suficientes para regular a matéria”, por isso não seria necessário manter essa disciplina na Lei do Direito de Resposta.

Gilmar Mendes enfatizou que, no Estado Democrático de Direito, a proteção da liberdade de imprensa também leva em conta a proteção contra a imprensa. A proteção se dá sem permitir violações à honra, intimidade e dignidade humana. A ordem constitucional não apenas garante à imprensa a amplo espaço de liberdade, mas protege o indivíduo em face desse espaço”.

O decano Marco Aurélio foi o único a divergir sobre a inconstitucionalidade do artigo 10. Para ele, não há problema no dispositivo ao prever que apenas órgão colegiado poderia suspender decisão de primeira instância que reconheceu o direito de resposta.

“Ouço muitas críticas de que órgãos colegiados deixaram de sê-lo e passaram a ser órgãos individuais, e aí, evidentemente, fica esvaziado”, disse. “E o que prevê o artigo 10 eu penso que é correto e não merece qualquer censura. Se se trata de órgão colegiado, as decisões devem ser sempre deste órgão.”

Em harmonia com a Constituição Federal, houve uma opção política dos congressistas, segundo o decano, porque ao se exigir algo mais, para afastar-se o que já reconhecido em termos de direito de resposta, tem-se a necessidade de manifestação do colegiado.

“É super razoável o preceito, e, diria mais, é recomendado em termos de atuação legiferante. O artigo 10 pressupõe recurso ante uma decisão que haja reconhecido o direito de resposta, e aí considerada a envergadura deste direito constitucional, quis o legislador vincular a retirada do cenário jurídico a manifestação ou pensamento não de cabeça única, o todo-poderoso relator, mas do colegiado competente, interposto contra decisão positiva relativa ao direito de resposta.”

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