Liberdade de expressão

PGR se manifesta contra censura ao especial de Natal do Porta dos Fundos na Netflix

No Estado laico, órgãos e instituições devem agir com o máximo de neutralidade possível, diz subprocurador-geral

censura porta dos fundos
Foto: Reprodução / Netflix

A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou, nesta quinta-feira (25/6), contra a censura ao “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, lançado no fim de 2019, na Netflix. A PGR defendeu que a liberdade de expressão tem forma ampla e inclui a garantia real de participação dos cidadãos na vida coletiva. O órgão evoca, ainda, o Estado laico. 

“No nosso atual Estado laico existe a nítida separação da religião e seus valores e crenças dos atos dele emanados. Por conta disso, os seus órgãos e instituições devem agir com o máximo de neutralidade possível, sem decidir pelos indivíduos o que cada um pode conhecer, saber ou dizer, pelos mais variados meios”, apontou. 

A manifestação foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em uma reclamação apresentada em janeiro deste ano pela Netflix e foi assinada pelo subprocurador-geral da República José Elaeres Marques Teixeira. Leia a íntegra.

No curta, Gregório Duvivier interpreta Jesus, que volta para casa depois de 40 dias meditando no deserto acompanhado de Orlando, vivido por Fábio Porchat. O filme deixa implícito que há um envolvimento entre as duas personagens, mas em nenhum momento isso é exposto de forma clara. Além disso, Deus, papel de Antonio Tabet, fica a todo momento tentando convencer Maria (Evelyn Castro) a fugir com ele e deixar José (Rafael Portugal).

“A liberdade de expressão possui status constitucional de princípio fundamental, estando indissociavelmente relacionada com a própria garantia do Estado Democrático de Direito”, disse o subprocurador-geral da República. 

José Elaeres Marques Teixeira afirmou, também, que a garantia da liberdade de expressão dá ao cidadão um direito de “dizer o que pensa”, mas não gera um “direito a ser ouvido” nem a “obrigação de ouvir”. Assim, a Netflix é mera transmissora de conteúdo. 

“Sendo assim, a empresa não obriga o usuário a assistir programação pré-definida. O que ela faz é possibilitar que atores produzam suas artes, na mais pura liberdade artística, garantindo que cada usuário escolha o conteúdo que deseja assistir a seu livre critério.”

A censura foi determinada no dia 8 de janeiro pelo desembargador Benedicto Abicair, relator do agravo de instrumento na Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O processo foi movido pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.

Decidiu-se pelo deferimento da liminar pleiteada em sede de ação civil pública, “para acalmar os ânimos não só da comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira como um todo – majoritariamente cristã”, suspendendo a disponibilização aos assinantes da Netflix do filme.

O caso tramita como a Reclamação 38.782, ajuizada pelo advogado Gustavo Binenbojm, da Binenbojm & Carvalho Britto, que atua em vários casos importantes de liberdade de expressão no STF. O relator é o ministro Gilmar Mendes. Até hoje a Netflix só havia sido censurada na Arábia Saudita, também por motivo religioso. 

Na reclamação, a empresa argumenta que “não é dado ao Estado proteger maiorias sempre que manifestações artísticas as incomodem– ainda mais se o direito contraposto é fundamentado em crenças religiosas, considerando o modelo de Estado laico adotado no Brasil desde a Proclamação da República. Trata-se de medida que viola o cerne do regime democrático brasileiro”.

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