liberdade de expressão

Gentili não deve indenizar Melhem por comentários satíricos sobre suspeita de assédio

Para juíza, Gentili apenas ironizou a imagem de ‘humorista politicamente correto’ que Melhem pregou durante sua carreira

Apresentador do programa The Noite, do SBT, Danilo Gentili / Crédito: Alan Santos/PR

O apresentador Danilo Gentili não terá de indenizar o comediante Marcius Melhem por comentários satíricos a respeito da acusação de assédio moral e sexual contra mulheres no ambiente de trabalho.

A decisão é da juíza Carolina de Figueiredo Dorlhiac Nogueira, da 38ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo. Para ela, Gentili apenas ironizou a imagem de “humorista politicamente correto” que Melhem pregou durante sua carreira. Leia a íntegra.

A juíza também negou o pedido para que Gentili se abstivesse de postar “mensagens e vídeos depreciativos e ofensivos em relação a Melhem. “Necessário ressaltar que esse se mostra por demais abrangente e configura verdadeira censura prévia, vedada pela Constituição Federal”, escreveu a magistrada.

Em dezembro de 2020, a Revista piauí publicou reportagem intitulada “O que mais você quer para calar a boca, filha?”, que continha informações a respeito de uma denúncia de assédio feita por Dani Calabresa e outras atrizes do Departamento de Humor da TV Globo contra Melhem. Diante disso, o assunto chegou a ser um dos mais comentados nas redes sociais.

A partir da polêmica, Gentili fez diversos comentários sobre o caso em seu Twitter, com tom de ironia. Entre eles, por exemplo: “Eu sempre achei que o @omarciusmelhem forçava. Mas achava que era só no humor”, “Em breve no Multishow @omarciusmelhem estreará seu novo programa: Porra total” [em referência ao programa “Zorra Total”] e “Vem ai o novo programa do @omarciusmelhem: ‘Pau nas Caras’” [em alusão ao programa intitulado “Os caras de pau”].


Diante dos comentários, Melhem ajuizou uma ação solicitando indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil com obrigação de fazer e não fazer para retirada dos comentários e abstenção na divulgação de  “novas ofensas e informações falsas”. 

Em contestação, Gentili afirma que o assunto era um dos mais falados e que o humorista havia movido diversas ações idênticas, “demonstrando a intenção de censurar e intimidar os indivíduos que se posicionam acerca do tema”. Na semana passada, o youtuber Felipe Castanhari foi condenado a pagar R$ 100 mil em indenização por danos morais a Melhem, por chamá-lo de “criminoso”, “escroto” e “um assediador que merece cadeia por todo sofrimento que causou”.

De acordo com a juíza Carolina de Figueiredo Dorlhiac Nogueira, da 38ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, “essas publicações, que contavam com vocabulário que pode ser taxado de descortês, grosseiro ou chulo, teciam duras críticas ao comportamento do autor [Melhem] e ironizavam a imagem de ‘humorista politicamente correto’ que esse defendeu durante sua carreira”. Para ela, não cabe estabelecer juízo de valor sobre o conteúdo ou a qualidade do humor e que Gentili não ultrapassou no direito constitucional à liberdade de expressão e pensamento. 

“As críticas e comentários proferidos pelo réu tinham como foco as denúncias de abuso sexual e moral que pesavam contra o autor e eram amplamente divulgadas pelo mídia naquele momento; assim, apesar de inexistir qualquer condenação judicial do requerente pelo fato narrado, a polêmica em torno das denúncias e da entrevista concedida, incontroversamente, existiu limitando-se o réu a utilizar e reproduzir fatos que já eram de amplo conhecimento público (não podendo por isso ser responsabilizado)”, entendeu a magistrada.

Ela cita, ainda, manifestação do ministro Alexandre de Morais no julgamento da ADI 4.451, em que diz:

“O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regentes, 360 U.S 684, 688-89, 1959). Ressalta-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob guarda dessa garantia constitucional.”

Diante da improcedência do pedido, Melhem deverá arcar com as custas e despesas processuais do réu, bem como honorários de seus advogados arbitrados em 10% do valor atualizado da causa. Cabe recurso da decisão.

O processo tramita com o número 1003338-24.2021.8.26.0100.