Direito Penal

Juiz tranca inquérito sobre possível ameaça contra Doria no Instagram

Para magistrado, frase ‘que a mão do senhor pese em vc’ não configura ameaça séria, mas mero desejo de gravame

Doria
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) / Crédito: Flickr/@governosp

O juiz Luiz Guilherme Angeli Feichtenberger, do Foro Central Criminal da Barra Funda, em São Paulo, determinou o trancamento de inquérito policial em que se apuram possíveis ameaças proferidas contra o governador João Doria por meio do Instagram. Leia a íntegra da decisão.

De acordo com o Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), o perfil @cachorro_total_oficial, no dia 2 de abril de 2020, publicou: “Que a mão do senhor pese em vc e seus familiares. Lembra do filho do Alckmin? Deus o levou. Vai acontecer a mesma coisa na sua casa. Tragédia com doença. Vc está decretando a morte de muitos. Na sua casa também haverá morte. @biadoria @brunocovas”. Por isso, o governador pediu à Justiça a apuração da autoria do comentário, oficiando-se o Instagram para identificação do dono do perfil.

O juiz, entretanto, não acolheu o pedido da polícia para que a rede social fosse oficiada para declinar o dono do perfil, e ainda concedeu habeas corpus, de ofício, para o trancamento do inquérito. Para o magistrado, o caso é “notoriamente atípico” e não configura clara ameaça a Doria e sua família.

“O delito de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal, é assim redigido pelo legislador: ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. No caso em tela, o que se vê é meramente um desejo de que forças divinas tragam ao agente público algum gravame, bem como à sua família”, disse Feichtenberger na decisão, da última segunda-feira (8/6).

“Ora, no caso em questão, a ameaça de que ‘a mão do senhor pese em vc’, por evidente, não implica em nenhuma ameaça séria, mas mero desejo, ainda que reprovável, de que um gravame atinja o Governador do Estado de São Paulo e sua família. A mensagem sequer dá a entender de que haveria alguma ação, mesmo que religiosa, do investigado, apta a causar temor”, diz. “Tampouco as expressões tragédia e doença podem trazer alguma forma de ameaça, já que a mensagem traduz de maneira bastante clara que o que se espera é que essas tragédias ocorram por conta de entidades divinas”.

Assim, ainda que o magistrado tenha considerada “reprovável” a conduta, ela é “manifestamente atípica, razão pela qual não se admite a persecução criminal contra o investigado, ainda que simplesmente para o conhecimento de sua autoria, o que seria uma indevida intromissão das liberdades fundamentais de alguém que não cometeu crime algum com sua conduta”. Diz, ainda, que nada impede que isso seja tratado na esfera cível.

Embora entenda que este não tenha sido o caso, o magistrado pontua também que “a liberdade de expressão, conquanto pilar estruturante da democracia, encontra resistência em outros direitos igualmente fundamentais, em especial a dignidade da pessoa humana, de maneira que seu abuso por discursos de ódio ou deliberadamente falsos pode implicar em crime, normalmente se amoldando, ao menos, em crimes contra a honra”.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) já recorreu na madrugada desta quarta-feira (10/6). Na apelação, o promotor de Justiça Roberto Bacal diz que “o senhor governador realmente sentiu-se ameaçado e levou o fato à sério, tanto que contratou advogado para subscrever os termos da representação ao delegado geral da polícia de São Paulo, apresentando os documentos que comprovam os fatos alegados”.

“Há claro teor amedrontador na mensagem recebida pelo ofendido, não havendo possibilidade de acreditar-se que apenas desejava o agressor que forças  superiores operassem contra a vítima e seus familiares como destacou a decisão guerreada. Nem mesmo é conhecida a higidez mental do ofensor ou seus reais propósitos. Mas deixou claro que alguém da família do governador iria morrer, assim como morreu (conforme destacou a ameaça), o filho do Governador Alckmin. Todo texto publicado é bastante sombrio e perturbador”, diz o promotor, que defende a retomada do inquérito.

O caso tramita com o número 1511631-13.2020.8.26.0050.

Sair da versão mobile