Liberdade de expressão

TJSP anula condenação de Hans River a indenizar jornalista Patrícia Campos Mello

Juiz de primeiro grau terá de proferir uma nova sentença sobre as ofensas proferidas contra a jornalista. Entenda

Hans River
Hans River do Rio Nascimento (à esq.) ao lado do advogado Fernando Barbosa Guarda (à dir.) / Crédito: Jane de Araújo/Agência Senado
A reportagem foi alterada às 18h41 de 15 de fevereiro de 2022 para incluir o posicionamento da advogada Taís Gasparian, que defende a jornalista Patrícia Campos Mello

A 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) anulou a sentença que havia condenado Hans River, ex-funcionário da Yacows, uma empresa de disparo de mensagens em massa, a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello em R$ 50 mil. A anulação ocorreu por motivos processuais e agora o juiz de primeira instância terá de decidir o caso novamente.

River foi fonte de Patrícia Campos Mello em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo que revelou o uso de nome e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos na campanha eleitoral de 2018. A Yacows, entre outras empresas, fez parte desse esquema.

Em outra reportagem, a jornalista já havia revelado a ocorrência de disparos de mensagens anti-PT nas eleições de 2018. O principal beneficiado seria Jair Bolsonaro, então candidato à Presidência da República.

Na CPMI das Fake News no Congresso, River disse falsamente que Campos Mello teria oferecido sexo em troca de informações que utilizaria na reportagem. A Folha de S.Paulo demonstrou que o depoimento de River foi mentiroso.

Ao julgar o caso, o juiz André Augusto Salvador Bezerra, da 42ª Vara Cível de São Paulo, considerou que “as críticas dirigidas à autora pelo réu, citado na reportagem, não focam o trabalho. Focam a sua condição de mulher, o objeto de dominação sexual, conforme históricas práticas colonialistas que, em pleno século XXI, ainda proporcionam forma ao sexismo”.

“A acusação em debate gerou na vítima evidentes ofensas extrapatrimoniais, atingindo-a como ser humano que, certamente, teve sério trauma”, considerou.

Ao reexaminar o caso, os desembargadores entenderam que a decisão do juiz foi citra petita, ou seja, não examinou todas as questões formuladas por River, que respondeu à ação de Campos Mello com uma reconvenção – na qual pedia R$ 150 mil por danos morais por supostos danos causados pela reportagem.

“Julgamento citra petita é nulo, por não esgotar a prestação jurisdicional. Não suprida a falha em embargos de declaração, o caso é de anulação da decisão pelo tribunal, inclusive de ofício, com devolução e baixa para novo pronunciamento”, escreveu o desembargador Matheus Fontes, relator.

A advogada Taís Gasparian, que representa a jornalista Patrícia Campos Mello, afirmou o seguinte sobre o assunto: “Discordamos da conclusão do acórdão quanto à questão processual que acarretou a nulidade da sentença, mas respeitamos o posicionamento da Câmara”.

O caso tramita com o número 1017115-13.2020.8.26.0100.

Outros casos

Hans River não foi o único que havia sido condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello. O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado em março do ano passado pela juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, a pagar uma indenização de R$ 20 mil.

Bolsonaro atacou a jornalista de forma machista ao dizer que “ela queria, ela queria um furo. Ela queria dar o furo [risada geral] a qualquer preço contra mim”.

Um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também foi condenado por dizer que a jornalista tentava seduzir [fontes] para obter informações que fossem prejudiciais ao chefe do Executivo. A condenação foi confirmada em segunda instância, em setembro do ano passado, e majorada de R$ 30 mil para R$ 35 mil.

O deputado estadual do Ceará André Fernandes (PL) foi outro condenado a indenizar Campos Mello, em R$ 50 mil, por ataques machistas.

O juiz considerou que o teor das postagens de Fernandes não revela divergência política, mas evidente ofensa a uma determinada pessoa, “polemizando de maneira vulgar sua capacidade profissional e ainda o fato de ser mulher”. Desta forma, não é possível falar em imunidade parlamentar, já que a prática de ofensa moral em relação à jornalista não guarda qualquer relação com o exercício de seu mandato.