CORONAVÍRUS

Gigantes da internet atuam para evitar desinformação sobre coronavírus

Remoção de posts de Flávio Bolsonaro e Ricardo Salles com vídeo de Drauzio Varella traz à tona discussão sobre artigo 19 do MCI

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Crédito Pixabay

Na semana passada, o Twitter removeu postagens do senador Flávio Bolsonaro (sem partido) e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em que mostravam fora de contexto um vídeo do Dr. Drauzio Varella sobre o coronavírus. Na gravação, do dia 30 de janeiro, o médico dizia que não havia motivo para pânico e que era preciso levar a vida normalmente. À época, o Brasil não tinha nenhum infectado e na Itália, um dos países com o maior número de casos, duas pessoas tinham testado positivo.

A decisão da gigante de tecnologia pela remoção de conteúdos que possam levar à desinformação no combate à disseminação do coronavírus traz à tona a discussão sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo diz que provedores de internet poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se não agirem após ordem judicial.

Advogados ouvidos pelo JOTA apontam que o artigo 19 do MCI não impede que as plataformas atuem antes de serem acionadas judicialmente, uma vez que a decisão final sobre a disputa pode acontecer na Justiça. Mas os especialistas na área divergem sobre se iniciativas como esta infringem ou não a liberdade de expressão e alguns apontam um risco de uma zona cinzenta para censura prévia sobre conteúdos.

Dias após a publicação, o ministro Ricardo Salles fez um pedido de desculpas e disse que tinha postado três vídeos de Dráuzio Varella, entre 30 de janeiro e 19 de março, para “demonstrar que o tema é dinâmico, complexo e comporta discussões e opiniões distintas”. Segundo o ministro, “o objetivo jamais foi desinformar”.

Em nota enviada à reportagem do JOTA, o Twitter diz que anunciou recentemente em todo o mundo a “expansão de suas regras para abranger conteúdos que forem eventualmente contra informações de saúde pública orientadas por fontes oficiais e possam colocar as pessoas em maior risco de transmitir COVID-19

Outras gigantes da tecnologia optaram por posturas semelhantes. No caso do YouTube, a plataforma de vídeos afirma que está comprometida “a fornecer notícias pontuais e úteis neste período importante”.

O YouTube reforça que segue “com a remoção rápida de vídeos que violem nossas políticas assim que eles forem sinalizados”. E que isso inclui o “conteúdo que incentiva as pessoas a não procurarem tratamento médico ou que afirmem que substâncias nocivas podem ser benéficas à saúde”.

No caso do Facebook e do Instagram, estão sendo removidos conteúdos falsos que, de acordo com as redes sociais, “possam levar danos às pessoas no mundo real, como por exemplo falsas promessas de cura e teorias da conspiração”.

E a liberdade de expressão?

Para advogados ouvidos pelo JOTA, essas iniciativas não violam o direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 5º da Constituição. “O estado em que estamos, de calamidade e de emergência, excepciona alguns direitos e tem como objetivo salvar vidas e preservar da melhor forma possível a sociedade”, explica Renato Opice Blum, advogado, professor e coordenador da pós-graduação em direito digital da Escola Brasileira de Direito (Ebradi). “Neste momento, está em primeiro plano o combate às fake news, que podem até levar uma pessoa à morte se ela tomar um remédio indicado por um conteúdo falso”.

Fábio Pereira, sócio da área de tecnologia da informação do Veirano Advogados, avalia que a ação mostra o papel social dessas empresas no combate às fake news, mesmo sem a obrigação de realizar esse filtro. “Não acho que fere o princípio constitucional da liberdade de expressão quando se está combatendo de fato informações que não são verídicas”, avalia.

Já Paulo Lilla, responsável pela área de Tech Law and Data Protection do Lefosse Advogados, entende que é preciso ter cautela na remoção. “Existe uma zona cinzenta quando se confunde notícias com opinião. Acho perigosa a filtragem de conteúdo com um tipo de controle editorial prévio”, pondera.

Artigo 19 do Marco Civil da Internet

Para especialistas em liberdade de expressão, essas remoções reforçam a tese de que o artigo 19 do Marco Civil da Internet não impede que as plataformas atuem antes de serem acionadas judicialmente. O artigo diz que provedores de internet poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se não agirem após ordem judicial.

“O ponto mais brilhante do artigo 19 é que ele permite que o guardião final seja a Justiça. Essas remoções que estão sendo realizadas mostram que é incompatível a ideia de que as plataformas não fazem nada”, diz Christian Perrone, pesquisador sênior da área de direitos e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). “O artigo 19 não impede que as plataformas excluam conteúdos de acordo com seus termos de uso.”

Se a remoção ferir o direito à liberdade de expressão, as redes sociais podem sofrer sanções da Justiça. “Cada plataforma tem escolhas a fazer em suas regras de comunidade e política de uso. Qualquer questionamento de violação de liberdade de expressão e outras liberdades civis estará sujeito a controle judicial”, destaca Fabrício Polido, professor da Universidades Federal de Minas Gerais (UFMG) e sócio da área de Inovação e Tecnologia da L.O. Baptista Advogados.

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