Privacidade

Facebook não deve entregar dados de todos os usuários que compartilharam fake news

No caso, TJSC obrigava a empresa a fornecer dados de todas as pessoas que compartilharam vídeo com informação falsa

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A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, nesta terça-feira (9/3), que plataformas de redes sociais não precisam fornecer dados de todos os usuários que compartilharam conteúdo que continha fake news. O julgamento foi unânime. Os ministros entenderam que não se pode permitir a quebra indiscriminada do sigilo e entrega de todos os IPs sob o argumento do compartilhamento de informação falsa.

De acordo com o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, a quebra de sigilo é um elemento sensível na esfera dos direitos de personalidade e, por isso, o preenchimento dos requisitos que a autorizem deve ser feito de maneira minuciosa, de forma que devem estar caracterizados indícios efetivos da conduta ilícita, com análise individual da necessidade da medida. Na decisão, o ministro reforçou as garantias do Marco Civil da Internet (MCI).

O colegiado deu provimento a um recurso especial do Facebook Brasil e reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que obrigava o provedor a fornecer dados de todos os usuários que compartilharam um vídeo com informação falsa, no qual um homem afirma ter comprado um salgado repleto de larvas em uma padaria de Santa Catarina.

Salomão entendeu não ser possível presumir a ilicitude dos atos de todos os usuários que divulgaram o material, a ponto de relativizar a privacidade deles. Ele mencionou que pode haver pessoas que tenham repassado o vídeo de boa-fé, preocupadas com outros consumidores, ou mesmo que o tenham republicado para repudiar seu conteúdo, por ser inverídico.

“É importante destacar que o STJ, no âmbito criminal, reconhece que o mero compartilhamento de postagem de internet, sem o animus de cometer o ilícito, não é suficiente para indicar a ocorrência de delito”, observou.​

Os ministros entenderam que não seria razoável igualar o autor da publicação aos demais usuários que tiveram contato com a notícia falsa e acabaram compartilhando o conteúdo, sendo desproporcional obrigar o provedor a fornecer os dados dessas pessoas indiscriminadamente, sem a indicação mínima de qual conduta ilícita teria sido praticada por elas.

“Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, penso que deve prevalecer a privacidade dos usuários. Não se pode subjugar o direito à privacidade a ponto de permitir a quebra indiscriminada do sigilo dos registros, com informações de foro íntimo dos usuários, tão somente pelo fato de terem compartilhado determinado vídeo que, depois, veio a se saber que era falso”, afirmou o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão.

O vídeo foi publicado em um grupo do Facebook. Na ação contra a plataforma, a padaria contou que o salgado não foi comprado no estabelecimento, mas, em razão do compartilhamento da publicação nas redes sociais, a empresa perdeu contratos com fornecedores e teve grande prejuízo financeiro.

Em primeira instância, o juiz determinou que o provedor fornecesse a identificação do responsável pela publicação do vídeo, mas o TJSC entendeu ser necessário obter informações sobre todos os usuários que compartilharam o conteúdo. Para o tribunal, o Facebook não teria uma limitação técnica que o impedisse de prestar essas informações; além disso, a ordem não representava uma invasão da privacidade dos usuários.

O entendimento do ministro Luis Felipe Salomão, no entanto, foi diferente. O relator lembrou que o Marco Civil da Internet (MCI) dispõe que a parte interessada poderá, com o propósito de reunir provas em processo judicial cível ou penal, requerer ao juiz que ordene ao responsável o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações da internet.

Entretanto, Salomão também apontou que a legislação teve especial atenção no tratamento da quebra do sigilo de registros de conexão e de acesso, salvaguardando a privacidade e os dados pessoais de usuários da internet, sem limitar a liberdade de expressão. “Se é certo afirmar que o usuário das redes sociais pode livremente reivindicar seu direito fundamental de expressão, também é correto sustentar que a sua liberdade encontrará limites nos direitos da personalidade de outrem, sob pena de abuso em sua autonomia, já que nenhum direito é absoluto, por maior que seja a sua posição de preferência, especialmente se se tratar de danos a outros direitos de elevada importância”, afirmou o ministro.

Como o Facebook retirou o vídeo das páginas cujas URLs foram apontadas pela autora da ação, bem como forneceu a identificação dos principais usuários responsáveis pelas publicações difamatórias, o ministro entendeu que não havia inércia da empresa em bloquear o conteúdo ilícito.

Isabela Pompilio, advogada do Facebook no caso e sócia do TozziniFreire Advogados, afirmou que não faz sentido fornecer dados de centenas ou mesmo milhares de usuários a um particular, sem sequer saber o contexto que essas pessoas compartilharam o conteúdo. Ela enxerga a decisão do TJSC como “um fornecimento de dados por arrastão, condenado pelo nosso ordenamento jurídico”.

“Aliás, o que faria o autor de uma ação judicial de posse desses dados? Que tratamento ele daria a esses dados? Não nos parece crível que seriam ajuizadas milhares de ações judiciais”, apontou. Além disso, ela ressalta que a função precípua de uma rede social, a socialização, sofreria um grande ataque diante medo de responsabilização indevida.

Nos autos do processo, a empresa argumentou, ainda, que a ordem judicial de fornecimento dos IPs de todos os usuários que compartilharam a publicação “é medida que viola a legislação vigente, em especial o art. 19, §1º, do Marco Civil da Internet, o qual impôs o ônus de individualização do material (‘identificação clara e específica, que permita a localização inequívoca’) para permitir a tomada de providências por parte do provedor de aplicações de internet”.