O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos foi condenado a um ano e sete meses de detenção, em regime inicial aberto, por crime de calúnia contra a cineasta Estela Renner ao abordar a exposição “Queermuseu — cartografias da diferença na arte brasileira”, promovida pelo Santander Cultural, em 2017. A decisão, unânime, foi proferida pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS).
À época, Allan dos Santos publicou um vídeo no canal do YouTube Terça Livre, onde teria apresentado conteúdo ofensivo à reputação dela. Ele destacou também o Instituto Alana, do Itaú, como “exemplo da promiscuidade dessa gente medonha e assustadora”, com apoio visual de um quadro no qual ligava a instituição aos programas sociais voltados à infância. Logo abaixo, aparecia o nome de Estela Renner.
O youtuber citou-a novamente ao criticar a Maria Farinha Filmes. “Está aqui ó: Maria Farinha Filmes, Estela Renner, Catraquinha. Não estou brincando. Vai lá no site do Instituto Alana e veja com seus próprios olhos: projeto do Catraca Livre para criancinha! Esses filhos da puta que ficam querendo colocar maconha na boca dos jovens. Puta que pariu. Catraquinha querendo ensinar isso para criancinha! Tudo isso aqui é o que está por trás do Santander Cultural, quando eles fazem zoofilia, pedofilia (…).”
Allan dos Santos também disse que a cineasta enriquece a partir da isenção fiscal do Instituto Alana e por meios obscuros, com a finalidade de destruir a família e “a vida das nossas criancinhas”. Ele alegou que também seria possível “colocá-la na cadeia”, diante da sua condição social.
A diretora ofereceu queixa-crime contra o blogueiro em relação aos crimes de injúria, difamação e calúnia. Em novembro de 2021, o juízo de primeiro grau reconheceu a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto à injúria e o absolveu pelas demais acusações. No que diz respeito à calúnia, o juiz considerou que o expresso sobre a maconha na boca de jovens foi um “dizer claramente retórico e não imputa um fato certo e determinado de fornecer drogas a qualquer pessoa”.
O desembargador Jayme Weingartner Neto, relator da ação na 1ª Câmara Criminaldo TJRS, entendeu diferente. Para o magistrado, o acusado insinua que Estela Renner, em parceria com o instituto Alana, estaria induzindo ou instigando o público ao uso indevido da droga. “Descarto outras interpretações defensivas, como mera hipérbole ou opinião coberta pela liberdade de expressão em meio a uma espécie de cruzada pós-prémoderna, se compreendi o argumento da ‘Revolução Cultural’. Considero que as palavras do querelado no vídeo confluem para caracterizar o injusto, ao referir a ‘promiscuidade, de gente medonha, assustadora e imunda’, ‘filhos da puta’, ‘que fazem zoofilia e pedofilia’,” acrescentou o magistrado.
Além disso, o próprio Allan dos Santos teria reconhecido o dolo em ofender a honra da diretora ao dizer: “Dane-se se o YouTube vai querer arrancar esse vídeo depois, se eu vou tomar processo, dane-se! Eu tô pouco me lixando.”. Evidenciado, portanto, que o querelado estava consciente da gravidade e ofensividade de suas palavras.
O desembargador considerou que a difamação, também palpável, fica absorvida, na progressão, pelo crime mais grave.
Allan dos Santos está nos Estados Unidos, foragido da Justiça após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Procurada pela reportagem, a defesa manifestou que: “Allan dos Santos entende equivocada qualquer decisão que possa causar embaraço à atividade jornalística, ainda mais quando o legítimo exercício do direito constitucional fundamental de livre manifestação de pensamento, opinião e crítica, tem como escopo denunciar agendas politico-culturais que violam direta e irreversivelmente o direito de crianças e adolescentes”.
O processo é o de número 5003440-15.2018.8.21.0005.