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Por que as GovTechs serão fundamentais no pós-pandemia?

É preciso, cada vez mais, garantir que o governo esteja presente e acessível onde o cidadão mais precisa

Crédito: unsplash

Essa pergunta poderia ser respondida de forma bastante direta: as GovTechs serão fundamentais porque a evolução tecnológica é um caminho sem volta em toda a sociedade. Contudo, contaria apenas uma parte da história, sem a riqueza de detalhes necessária para que seja possível compreender que a presença da tecnologia tem possibilitado uma verdadeira transformação digital no setor público.

A pandemia de Covid-19 evidenciou a necessidade de digitalização em nossas vidas. De uma hora para outra, fomos obrigados a ficar em casa para respeitar as medidas de distanciamento social. Nossa “vida digital” foi intensificada: dados da Akamai, plataforma de armazenamento em nuvem, apontam um aumento de 112% no uso da Internet no Brasil a partir de março de 2020.

Várias atividades migraram do off-line para o on-line em tempos de quarentena – até mesmo os mais reticentes aos serviços digitais tiveram que aderir a essa modalidade. Fazer compras de supermercado, se divertir e até mesmo conversar com amigos e parentes são apenas alguns exemplos dos novos hábitos adquiridos na pandemia.

As plataformas digitais, que já exerciam grande influência nas relações sociais, tornaram-se fundamentais no atual cenário. A “plataformização da sociedade”, como denomina a pesquisadora holandesa Jose van Dijck, é uma realidade. Dessa forma, cabe ao poder público adotar medidas para potencializar seus serviços sem comprometer a obrigatória transparência em seus processos.

A proposta das GovTechs de combinar as facilidades das plataformas digitais na prestação de serviços públicos vai ao encontro das demandas provocadas pela pandemia. Se é preciso ficar em casa para evitar o contágio do novo coronavírus, o governo deve dar condições para que a população possa acessar diferentes recursos pela Internet, sem prejudicar suas rotinas.

Esse é o desafio que emerge aos governantes brasileiros, tanto na esfera municipal e estadual quanto federal: é preciso, cada vez mais, garantir que o governo esteja presente e acessível onde o cidadão mais precisa – e a digitalização de serviços tem sido a principal estratégia para garantir isso. A pandemia apenas acelerou algo que, cedo ou tarde, aconteceria. O mundo pós-pandemia, portanto, é um mundo digital, conectado e ágil, sem espaço para burocracia, para o desperdício de recursos e, principalmente, para uma baixa qualidade das políticas públicas.

No Brasil, o principal teste de governo digital até agora foi o cadastro e pagamento do Auxílio Emergencial oferecido à população durante a pandemia de Covid-19. O processo mostrou a força deste conceito, e ao mesmo tempo, seus principais desafios. Ainda que grandes filas tenham se formado nas agências da Caixa nas primeiras semanas, a incorporação de tecnologias permitiu que o aplicativo realizasse o pagamento on-line do benefício a mais de 65 milhões de brasileiros.

Governo Digital brasileiro cresce e planeja economizar R$ 38 bilhões até 2025

As filas nas agências da Caixa servem como alerta, sem dúvida, mas não são um sinal de que é impossível garantir a digitalização dos serviços públicos no país. Dados da Secretaria de Governo Digital, vinculada ao Ministério da Economia, mostram que de todas as funcionalidades disponíveis no portal gov.br, 58% delas já são realizadas de forma completamente digital.

O governo federal traçou um plano ousado para se equiparar às principais nações quando o assunto é governo digital. A expectativa é que, até 2022, todos os serviços vinculados à esfera federal possam ser feitos digitalmente, acelerando o trâmite e desburocratizando o atendimento.

Dessa forma, projeções indicam que, até 2025, o governo pode economizar R$ 38 bilhões apenas com a redução da burocracia e dos gastos com atendimento presencial. Com mais agilidade no dia-a-dia, a sociedade pode economizar mais de 149 milhões de horas por ano, convertidos em R$ 1,5 bilhão que seria gasto à espera do andamento dos processos.

Nos últimos anos, o Brasil buscou se espelhar em exemplos bem-sucedidos. Dois deles chamam a atenção. Na Estônia, as pessoas realizam inúmeros serviços no ambiente digital, como a possibilidade de abrir uma empresa. Já o Uruguai, nosso vizinho no Cone Sul, possui uma agenda de educação digital, com internet gratuita e uma  para se relacionar com o governo.

Com o aprendizado do exterior e uma estratégia consolidada, o projeto brasileiro de governo digital começa a ganhar reconhecimento no cenário internacional. Em 2020, por exemplo, o país ficou na 20ª posição da Pesquisa sobre Governo Eletrônico, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Foi o melhor desempenho da América do Sul – à frente, inclusive, do Uruguai.

Aproximação de GovTechs e poder público soluciona demandas da sociedade

As GovTechs são startups que desenvolvem soluções inovadoras para problemas reais enfrentados pelo setor público. Elas modulam suas soluções de base tecnológica buscando atender a esse mercado Business to Government (B2G) e que pode tanto se beneficiar da disrupção e do modelo inovador inerente ao ecossistema de startups.

Mas a presença delas na sociedade depende de uma abertura dos próprios governos, dispostos a digitalizarem seus procedimentos em prol de transparência, segurança, qualidade e agilidade. Há muitas resistências na aproximação entre esses dois atores, empreendedores e governos, relacionadas, por exemplo, à uma descrença na capacidade de retorno financeiro do mercado GovTech ou por resistências à inovação. Mas posso afirmar que ambos podem colher frutos muitos positivos dessa relação.

O BrazilLAB, organização que fundei há 4 anos, é o primeiro hub de inovação do país dedicado a conectar startups aos governos. Trabalhamos para “aparar arestas” e aproximar o setor público e o ecossistema de inovação GovTech, evidenciando que muitos dos receios que esses atores nutrem em relação a essa parceria são, em verdade, quase sempre infundados. Em julho, lançamos uma nova iniciativa para potencializar essa atuação conjunta no contexto da pandemia, a partir da Força-Tarefa Covid-19. O objetivo é simples: acelerar startups, pequenas e médias empresas que possuem soluções para os desafios trazidos pela pandemia nas áreas de educação, inclusão produtiva e digitalização do poder público.

O projeto recebeu mais de 130 inscrições, inclusive de companhias argentinas e colombianas, e 15 foram selecionadas. Elas terão acesso a mentores e módulos de formação. No fim, o objetivo é montar uma rede de soluções que possa ser adotadas por municípios e estados brasileiros para o pós-pandemia.

Imaginar o que vem pela frente requer certa dose de futurologia com uma pitada de esperança. Sim, esperança. A pandemia de covid-19 trouxe muita dor com os mais de 100 mil mortos no Brasil, mas também pode ser o ponto de inflexão para termos um poder público eficiente, transparente, ágil e antenado às principais necessidades da população. E não exagero ao dizer que as GovTechs são um passo fundamental nessa longa caminhada.


Podcast: o Sem Precedentes desta semana trata de uma pergunta objetiva: afinal, o presidente Jair Bolsonaro, como investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal, pode ou não prestar depoimento por escrito? Ouça:

 

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