CONTEÚDO PATROCINADO

Programas ambientais precisam levar em conta racismo ambiental e justiça climática

Eventos extremos penalizam mais as populações historicamente excluídas. Medidas de adaptação são urgentes

Foto: Unsplash

Não é de hoje que a pauta socioambiental está nas mesas de debates, mas, conforme a urgência sobre a crise climática tem avançado, expressões como racismo ambiental, refugiados ambientais, injustiça ambiental ganham mais espaço nos diálogos. Eles escancaram a dificuldade de promover adaptação às mudanças climáticas. 

No Brasil, esse debate teve impulsos recentes: a tragédia no Litoral Norte de São Paulo, durante o feriado de Carnaval, quando um temporal histórico deixou rastro de mais de 60 mortos e quase duas mil pessoas desabrigadas, em uma região que fora negligenciada quanto aos riscos de deslizamentos; e uma enchente histórica que deixou cidades do Acre isoladas e moradores sem acesso a serviços básicos, em março. 

Essas desigualdades já são reconhecidas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à ONU. O órgão alerta que a tendência é que esse tipo de situação se torne mais recorrente. 

Por isso, os programas socioambientais dos setores público e privado precisam levar em conta, além da mitigação, a necessidade de adaptação sobre os efeitos das mudanças climáticas e o impacto desigual que eles têm sobre a população. E, para conter essas circunstâncias, são necessários esforços integrados e de inteligência para que as informações relacionadas ao clima sejam usadas para proteger grupos em risco. 

Primeiro, o que é racismo ambiental? 

“Falando do Brasil, não se trata de uma coincidência que a população negra seja mais afetada. Devido ao passado colonial do país, esse grupo, que está em posição de vulnerabilidade social, acaba sentindo os prejuízos dos desastres socioambientais”, diz Ariel Pontes, pesquisadora em Comunidades e Ecologia Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em psicologia em emergência desastres e Defesa Civil.

Isso seria refletido no fato de a população negra compor a maioria dos moradores de comunidades expostas a riscos climáticos, como tempestades capazes de gerar desabamentos, ou ocupantes de habitações menos resistentes aos efeitos de calor ou frio intensos, para citar reflexos comuns. 

Há um termo para isso: racismo ambiental. Ele foi cunhado pelo ativista Benjamin Franklin Chavis Jr, secretário de Martin Luther King Jr. e ativista do movimento negro na década de 1960, o racismo ambiental se refere à desigualdade e à sobrecarga de riscos e prejuízos socioambientais que grupos minoritários estão expostos.

Além da população negra, no Brasil, o racismo ambiental também se manifesta trazendo perdas à população ribeirinha, caiçara e quilombola, por exemplo. “Grupos que são minoria e sofrem há muitos anos as consequências climáticas”, complementa a pesquisadora. 

Exclusão dos refugiados ambientais

Ao longo da história, epidemias, fome, catástrofes naturais e demais eventos extremos fizeram com que grupos populacionais se deslocassem de um lugar para o outro em busca de sobrevivência. Porém, diferentemente do que acontecia no passado, a atual dinâmica mundial possibilitaria novas rotas de migração a nível global, que vêm acompanhados de dilemas políticos, econômicos, culturais e éticos. 

Dessa forma, o fenômeno das migrações ambientais não é recente, como aponta Erika Pires Ramos em tese de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que ela defende o reconhecimento do status jurídico de refugiados ambientais ou climáticos para a nova categoria ou outros mecanismos que possam protegê-los. 

Segundo relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC), de 2021, mais 30 milhões de pessoas se deslocaram de seus locais de origem no ano anterior em consequência de inundações, incêndios e demais eventos ambientais – e pelo menos 7 milhões se tornaram refugiadas ambientais . 

A definição de refugiados ambientais ocorreu em 1985, cunhada por Essam El- Hinnawi, do Programa da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Chama atenção, porém, o fato de esse grupo de pessoas ainda não ser contemplado pelas ações voltadas a refugiados. 

Isso porque a ONU considera refugiado todo indivíduo que “está fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados”. Assim, a fuga por riscos e degradação ambiental ficam de fora. 

Injustiças ambiental e climática

Há justiça ambiental quando a legislação é aplicada de forma equilibrada, corrigindo desigualdades que eventualmente existam no acesso a recursos naturais e ecossistema equilibrados. Em contrapartida, a injustiça ambiental é marcada pela inequidade que leva a danos ambientais mais graves a trabalhadores, populações de baixa renda, grupos étnicos minoritários e mais vulneráveis, além de mulheres.

Desde 2010, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realiza um levantamento sobre os conflitos socioambientais no Brasil, o chamado Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. “Muitos casos mostram como populações minoritárias são ameaçadas e vítimas de violência quando buscam exercer sua cidadania, ao defender seus direitos pela vida, que incluem o território, a saúde, os ecossistemas, a cultura e a construção de uma sociedade mais humana, saudável e democrática”, comenta a Fiocruz sobre o levantamento. 

Combatendo desigualdades e a crise ambiental

Para enfrentar as atuais emergências socioambientais, é preciso uma ação conjunta da sociedade na construção de programas eficientes. É o que defende Hellen Lirtêz, porta-voz da organização SOS Amazônia. 

Já se sabe que o aquecimento global é responsável por eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais, elevação do nível do mar, secas, entre consequências ambientais. Eles causam desde tragédias como a observada no litoral paulista quanto impactos no dia a dia de grupos vulneráveis. “Eles já prejudicam o cultivo alimentar de populações indígenas”, exemplifica Lirtêz. 

Por isso, os esforços precisam passar por todas as áreas. A começar por necessários investimentos de recursos. Nessa linha, um passo tomado pelo governo federal no início do ano foi restabelecer o Fundo Amazônia, paralisado em abril de 2019. 

Criado em 2008, o Fundo tem como objetivo captar doações para financiar projetos de redução, monitoramento e prevenção ao desmatamento, zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária, além de ações sustentáveis na Amazônia Legal. Trata-se de uma iniciativa com o propósito de recuperar zonas ambientalmente vulneráveis e realizar ações com populações socialmente desatendidas. 

De acordo com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, uma das prioridades nas ações desenvolvidas com os recursos do Fundo.será socorrer o povo indígena Yanomami, que vive em grave crise sanitária desencadeada pelo garimpo ilegal na região – a situação mostra um exemplo claro de como a destruição ambiental geralmente penaliza minorias raciais e sociais e, por isso, é necessária especial atenção no desenvolvimento de programas ambientais. 

Contudo, além da arrecadação de recursos para ações de recuperação e preservação do meio ambiente, há também a necessidade de condutas de adaptação que reduzam os impactos dos efeitos adversos das mudanças climáticas previstas, com foco nos prejuízos causados às populações mais vulneráveis, aponta Pontes, da UFRJ.

“Os fenômenos naturais não são possíveis de serem controlados; mas podemos tirar uma pessoa de uma zona de risco, de uma situação de vulnerabilidade, por exemplo”, afirma. “Essas são situações que não vão diminuir enquanto não houver uma política pública eficaz que seja mais preventiva do que reativa”, completa. 

Evidentemente, a melhora nessa capacidade de adaptação, essencial no enfrentamento à crise climática, depende de esforços de inteligência para melhorar a tomada de decisão – antecipando eventos adversos, por exemplo.

“Entender as mudanças climáticas é essencial para evitar tragédias e proteger populações em vulnerabilidade ambiental. Hoje em dia, temos diversas fontes de informação, mas é preciso de ferramentas de análise que apoiem profissionais a cruzar dados e gerar interpretações que auxiliem na tomada de decisões”, avalia Lucia Rodrigues, líder de Filantropia da Microsoft Brasil. 

“Nesse aspecto, a tecnologia é uma aliada no trabalho de proteger nosso meio ambiente e as pessoas, como é o exemplo do ClimaAdapt” diz, em referência à plataforma sobre mudança do clima lançada pela Microsoft no início de abril. Ela foi desenvolvida em parceria com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e usa dados públicos para apresentar um mapa, com precisão de 100 metros, que permite identificar vulnerabilidades específicas das regiões brasileiras aos eventos climáticos extremos.

Na versão atual, o ClimaAdapt incorpora 15 camadas de informações que podem ser analisadas individualmente ou em conjunto. Assim, o modelo final contempla a sobreposição de vulnerabilidades socioambientais específicas, como tipos de solos, declividade do terreno, PIB per capita e IDH, entre outras informações. A ideia é que a ferramenta passe a incluir novas camadas, inclusive de outras políticas setoriais, já que a agenda de adaptação às mudanças do clima é transversal. 

Nesse sentido, na construção de políticas de adaptação às mudanças climáticas também são necessárias ações transversais, capazes de unir a preocupação ambiental com o combate aos problemas sociais.

“Os impactos do racismo ambiental, por exemplo, só tendem a diminuir quando se combater o racismo estrutural. Um dos pontos fundamentais para isso é a maior participação da sociedade civil na elaboração e na avaliação de políticas públicas. A construção de projetos e políticas eficazes para enfrentar o problema precisa ser feita de dentro para fora, e não ao contrário”, comenta Daniela Dias, coordenadora do Observatório Socioambiental do Acre.

Outro ponto a se levar em conta é o apoio, tanto do setor público quanto do privado, em ações que fomentem cultura, diversidade e educação para que populações discriminadas recebam notoriedade na sociedade e não sejam silenciadas ou apagadas na discussão sobre os temas ambientais.

Assim, o caminho lógico é que os grupos marginalizados tenham maior participação em espaços de decisão, em que podem abordar suas necessidades e demandas específicas.  

“A construção de espaços hegemônicos é um caminho que pode trazer mais visibilidade a essa luta”, diz Lirtêz, da SOS Amazônia. Portanto, no combate ao racismo e às injustiças ambientais, o caminho, para começar, seria garantir que todos sejam vistos e ouvidos de perto.