preconceito

Casal homoafetivo agredido e expulso de casa noturna deverá ser indenizado

Mulheres dizem ter sido notadas e perseguidas pela segurança do local, que alega ‘comportamento inadequado’

homofobia
Crédito: Unsplash

Uma casa noturna foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 40 mil a um casal de mulheres agredido e expulso por uma segurança local porque seu “comportamento perturbava funcionários e clientes”. A decisão foi dada por maioria de votos pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).

As autoras, que à época mantinham relacionamento homoafetivo, relataram ter ido ao estabelecimento para aproveitar a programação do lugar, até que se depararam com uma situação de homofobia. Lá, passaram a ser notadas e perseguidas, em especial pela segurança da casa, quem primeiro pediu-lhes que se dirigissem à área de fumantes — o que foi atendido. Após algum tempo, entraram para usar o banheiro, no que foram compelidas pela profissional a deixar o lugar. As mulheres decidiram ficar, culminando em nova abordagem que resultou em um golpe da segurança desferido contra uma delas. Acionado em razão do tumulto, o gerente expulsou o casal.

No dia seguinte, a segurança realizou postagem nas redes sociais dizendo: “Olha eu não queria falar do assunto (…). Sim, eu agredi a cliente e sou mulher para assumir meu erro”. O próprio estabelecimento publicou uma nota sobre a confusão, mas atribuindo a culpa ao casal.

Na versão da casa, as mulheres entraram alcoolizadas e passaram incomodar muitos clientes, com esbarrões e empurrões, além de “atitudes atentatórias aos bons costumes”. Uma das mulheres teria vomitado no balcão e uma delas teria respondido agressivamente à segurança, com palavrões e gestos de baixo calão. A situação estendeu-se até a pista de dança, onde as autoras teriam continuado com os comportamentos “inadequados”, dando a impressão que o intuito era de causar desavenças. Não teria havido nenhuma agressão por parte dos funcionários, tampouco da segurança, pois elas se machucaram “porque se jogaram no chão”. Além disso, a casa teria sofrido o dano patrimonial, dada a saída sem o pagamento das contas.

Em depoimento, o gerente do bar reportou ter recebido pelo rádio que havia duas mulheres “se agarrando”, o que estava “trazendo uma situação negativa para os demais clientes”. Não apenas se beijando, “se esfregando, estavam com atos até obscenos dentro da situação, dentro de uma casa onde estava cheio de pessoas trabalhando e pessoas se divertindo”. Quando perguntado se resposta de expulsão seria a mesma para casais heteroafetivos, ele disse que “não, não, negativo, a gente primeiro conversa”.

Uma testemunha contou que, momentos antes da agressão, percebeu um incômodo da segurança em relação a como o casal estava “dançando, se abraçando, beijando”, mas afirmou que “não houve cenas inadequadas”, mas sim uma “situação de intolerância”.

Ao julgar o caso, o juízo de primeira instância sentenciou a casa a indenizar as mulheres no valor R$ 100 mil e a se retratar publicamente nas redes sociais, dado que o bar já havia tornado o caso público. A juíza Renata Manzini aplicou o Código de Defesa do Consumidor para fundamentar a decisão e, sobre a quantificação, escreveu:

“A atitude preconceituosa normalmente ocorre de forma velada, e, assim como se observa nos autos, vários comportamentos foram imputados às autoras, tais como: embriaguez, perturbação, comportamento agressivo, e, após uma longa instrução processual, obteve-se que o motivo pelo qual as autoras foram abordadas seriam as carícias que trocavam diante do público. A dor das autoras é difícil de ser traduzida em valores ou mensurada. Nada traz de volta o tempo passado, a dor de ter sofrido preconceito e o estresse psicológico que isso causou. Isto não significa que o dano causado não possa ser indenizado, ainda que por arbitramento, única maneira, ainda que imprecisa, que se encontra ao alcance desta julgadora para aplacar, pois apagar não se pode o dano causado, provocando, através da compensação em dinheiro, situações prazerosas que com ele possam ser obtidas, de modo a contrabalançar o mal feito.”

No julgamento do recurso, a maioria dos desembargadores da 9ª Câmara de Direito Privado do tribunal paulista votou pela confirmação da sentença, com exceção do montante, nos termos do voto do relator, desembargador Edson Luiz de Queiroz. Os magistrados consideraram que o valor de R$ 20 mil para cada uma das mulheres do casal atenderia aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O desembargador vencido, Walter Piva Rodrigues, votou pela manutenção completa da sentença.

Ainda cabe recurso.

O processo tramita em segredo de justiça, sob o número 1016294-69.2017.8.26.0114.

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