Entrevista

Para conter processos, coordenador do CNJ não descarta novo código tributário

Marcus Lívio, do comitê para estudo do contencioso tributário, afirmou que alterações seriam sugeridas na gestão Fux

Marcus Lívio Gomes, Secretário Especial de Programas, Pesquisa e Gestão Estratégica do CNJ.

Faz pelo menos meio século que o sistema tributário brasileiro é norteado pelo Código Tributário Nacional, criado em outubro de 1966, pela lei nº 5.172. Durante esse período, com maior destaque para os momentos de crise econômica, se demonstrou que a estrutura tributária do país é ineficiente, de alta complexidade e onera com maior impacto os contribuintes de classes menos favorecidas.

A somatória desses fatores tem um reflexo direto nos questionamentos sobre a legalidade e a constitucionalidade dos tributos. Todos esses processos desembocam nas instâncias administrativas e judiciais. Segundo pesquisa do Insper, o contencioso tributário brasileiro alcançou em 2019 o valor de R$ 5,44 trilhões, o que representa 75% do Produto Interno Bruto (PIB) do país daquele ano. Outro estudo realizado em 2019 pela consultoria EY, a pedido do ETCO, revelou que as discussões em torno dos processos tributários no Brasil demoram quase 20 anos para serem concluídas.

Encontrar uma saída para tornar o sistema tributário brasileiro mais simples e justo, no entanto, passa também por um profundo e minucioso diagnóstico sobre quais são efetivamente os maiores problemas que ocasionam o excesso de litígios tributários. Isso ainda é um obstáculo que precisa ser superado.

É exatamente esse problema que o recém criado Comitê de Apoio Técnico à Realização do Diagnóstico do Contencioso Tributário, iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Receita Federal, tenta corrigir. Anunciado no início deste ano, o grupo está em processo de pesquisa para elaborar um diagnóstico amplo sobre o tema.

Em entrevista ao JOTA, o secretário de projetos especiais do CNJ, Marcus Lívio, um dos coordenadores-gerais do comitê, explicou que “o objetivo principal do diagnóstico é a indicação de causas que impedem o contencioso administrativo e judicial de serem mais efetivos”. Ao lado de Lívio na coordenadoria-geral do projeto foi nomeado o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.

Para alcançar os resultados desejados, foram contratados, via licitação pública, a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), responsável pelo diagnóstico do contencioso administrativo, e o Insper, para realizar a pesquisa referente ao contencioso judicial. As duas equipes estão na fase inicial dos levantamentos.

Ainda não há um diagnóstico preliminar sobre o andamento dos estudos, mas a atuação dos pesquisadores, afirmou Lívio, resultará em propostas de soluções para resolver “os óbices à efetividade levantados nas pesquisas”. Uma das expectativas de tributaristas é que o comitê venha a propor uma nova edição de um código de processo tributário.

Lívio afirmou que neste momento não é possível garantir que a conclusão da pesquisa resultará na criação desse código. O coordenador-geral, contudo, não afastou a possibilidade. “Caso seja esse o melhor caminho para a resolução dos problemas levantados, a proposta será realizada”, defendeu, acrescentando que outras medidas também podem ser elaboradas, a depender dos resultados encontrados.

A intenção do comitê, de acordo com Lívio, é que os devidos encaminhamentos decorrentes dos diagnósticos das pesquisas sejam feitos ainda na gestão do atual presidente do CNJ, Luiz Fux, que se encerra em setembro de 2022. 

Para o representante do CNJ, será um “fato inédito no país” se o trabalho do comitê resultar em uma proposta robusta de aperfeiçoamento ou reforma do processo tributário nacional. “Raramente grandes reformas ou projetos de lei são precedidos de um estudo tão sério e profundo como este que está sendo realizado”, avaliou.

Neste sentido, ele explicou que eventuais propostas legislativas que decorram desse diagnóstico do contencioso tributário nacional “terão seus fundamentos jurídicos  e sua arquitetura institucional baseados na realidade brasileira, nas grandes tendências e nas melhores práticas nacionais e internacionais, contemplando a análise objetiva das seus números, causas, problemas e desafios”. Além disso, haverá a percepção sobre o tema dos especialistas no assunto que integram o comitê.

Estrutura do comitê

Até agora, ao menos trinta especialistas já foram nomeados como membros permanentes do comitê, por meio da portaria conjunta do CNJ com a Receita Federal (01/2021). Eles ficarão responsáveis por acompanhar e validar o trabalho das instituições de pesquisa. 

Além de representantes do CNJ e da Receita Federal, também integram o grupo nomes ligados à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional; ao Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil; ao Colégio Nacional de Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal; ao Fórum Nacional dos Procuradores-Gerais das Capitais; à Ordem dos Advogados do Brasil; ao Conselho de Administração de Recursos Fiscais; ao Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e Distrito Federal; e à Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais.

Os nomeados foram divididos em três subcomitês. O primeiro lidará com temas gerais e acompanhará os dois diagnósticos; o segundo é para temas pertinentes ao diagnóstico do contencioso judicial tributário; e, por fim, um para temas pertinentes ao diagnóstico do contencioso administrativo tributário. A consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento Maria de Fátima de Mello Cartaxo ficará responsável pela integração dos dois diagnósticos. 

De acordo com Marcus Lívio, o comitê tem funcionado como um “grupo de contraparte”, que valida as estratégias, os instrumentos da pesquisa, as metodologias adotadas e facilita o acesso aos dados pelas empresas contratadas (ABJ e Insper), junto aos órgãos públicos pesquisados.

“O comitê é colaborativo entre autoridades, procuradores e contribuintes, que estão juntos trabalhando para melhorar o cenário do contencioso tributário no Brasil. Não é um comitê que visa trazer exigências, mas sim colaborar [com os pesquisadores]”, explicou o coordenador-geral. Para Lívio, a iniciativa “trará benefícios para todos quanto à evolução do contencioso tributário administrativo e judicial do país”.

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