Ética corporativa

Da cultura à prática, o percurso para construir processos de compliance

Evento promoveu oito debates sobre o que empresas podem fazer para implementar programas de conformidade eficientes

compliance executivo
Crédito: Pixabay

Na semana que marcou o Dia Internacional de Combate à Corrupção, especialistas em governança, análise de risco, comunicação e outras áreas corporativas se reuniram no 2º Encontro de Compliance do Grupo J&F, que promoveu oito mesas de debate entre as últimas segunda (6/12) e quinta-feira (9/12). O evento discutiu diversos aspectos do tema, refletindo sobre como empresas de qualquer tamanho podem implementar não apenas programas de conformidade eficientes, mas fomentar uma cultura ética, buscando gerar ciclos virtuosos em suas cadeias produtivas. Veja a cobertura completa.

Independentemente de número de funcionários ou receita, qualquer empresa pode e deve implementar processos de compliance. “Só cumprir a lei não é diferencial, é o mínimo”, sentenciou Leila Lória, membro do conselho da JBS e presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A tecnologia é uma aliada na adoção e definição desses processos, porém não substitui uma boa e aprofundada análise de risco. Os treinamentos não podem ser superficiais, e a empresa deve buscar uma cultura de conformidade. “O bom compliance é aquele que realmente permeia na pessoa e ela vai fazer o que é certo porque está naturalmente influenciada por aquela cultura”, resumiu Roseli Marinheiro, fundadora da consultoria RM-SHR.

A cadeia de tomada de decisões deve ser clara, conforme explicou Eduardo Staino, diretor de Compliance e Auditoria Interna da Andrade Gutierrez: “Além de colocar o processo para funcionar, é importante pensar o final desse processo, alguma liderança com alçada para tomar aquele risco, capaz de aprovar ou vetar determinado fornecedor ou cliente”. Para ele, “a reputação é um recipiente que se enche a conta gotas”.

Tudo isso, levando em conta os atores mais relevantes para o negócio, sejam quem e quantos forem. “É um ecossistema que envolve as nossas pessoas, os nossos fornecedores, as empresas do grupo, o nosso relacionamento com o governo, com empresas públicas, com empresas internacionais”, explicou José Figueira, sócio da consultoria EY. 

Em resumo, “nós somos catalisadores, o caminho para que as coisas aconteçam”, afirmou Olga Pontes, executiva de governança, risco e compliance que atuou na Braskem e na Novonor (ex-Odebrecht). “A responsabilidade de contratar corretamente é de todos. A área de conformidade é mais uma linha de defesa, que está ali para, se algo escorregar durante o processo natural do negócio, levantar a mão e fazer as perguntas necessárias”, afirmou.

Porém, como fazer? A fim de construir essa cultura organizacional, o diálogo é essencial. “Mais do que simplesmente fazer o básico, colocar as pessoas dentro de uma sala para um treinamento, é necessário construir conteúdos verdadeiramente interessantes para a sua audiência”, disse Marcio El Kalay, sócio e diretor de Novos Negócios da LEC. “A sua comunicação vai embutida em algo que naturalmente interessa à sua audiência”.

A importância do diagnóstico 

Olhando também para o público externo, Vicente Loiácono Neto, diretor de Governança, Risco e Compliance da Copel — uma das 67 premiadas neste ano com o selo Pró-Ética, da Controladoria-Geral da União —, destacou a importância de manter um canal de denúncias. “O fortalecimento do canal de denúncias impulsiona a empresa a reestruturar seus procedimentos e suas normas internas”, disse ele, completando: “Muitas denúncias vêm vazias, sem o suficiente para sequer iniciar a segunda etapa do processo, de abrir o fluxo de investigação. A oportunidade que o denunciante tem de trazer mais elementos gera um protocolo que ele mesmo acessa e pode complementar as informações”.

E o diagnóstico precede tudo. “Falar de ferramentas sem falar de análise de risco é algo absolutamente inconsistente”, disse Luciano Malara, sócio do Missão Compliance. “Antes de olhar para a ferramenta, eu tenho que olhar para dentro de casa, onde está doendo o meu calo, onde é a minha exposição.”

Afinal, conforme explicou Martim Della Valle, sócio do escritório Marchini Botelho Caselta e fundador da lawtech Zenith Source, “é você, profissional de compliance, que vai entrar em uma sala com não sei quantos terabytes de dados e dizer para os cientistas o que eles têm que olhar e quais correlações têm que procurar. Porque é você que sabe quais são as questões que têm que ser analisadas, é você que sabe qual é o ouro que está ali”.

Sair do lugar e tomar uma atitude pode fazer muita diferença, segundo vários dos painelistas defenderam. Renato Santos, diretor do Instituto de Pesquisa sobre Risco Comportamental (IRPC) e sócio da S2 Consultoria, disse que “a inércia também vai ser poderosíssima quando você conseguir fazer a roda girar”.

“Pense nisso como uma bola de neve: o programa de compliance vai entrar na cultura da empresa se você fizer pequenos esforços, todo dia, com muita dedicação. E, quando aquela bola de neve começar a rodar, vai ser muito difícil fazê-la parar”, declarou. 

Valdir Moysés Simão, sócio da Warde Advogados e ex-ministro-chefe da CGU durante o governo Dilma Rousseff (PT), em 2015 — quando foi regulamentada a Lei Anticorrupção —, deu a perspectiva de quem já esteve na administração pública e, agora, está na iniciativa privada, a fim de demonstrar o ciclo virtuoso que pode ser construído caso a maioria das empresas profissionalize as áreas de compliance.

“A empresa precisa confiar que o Estado não será desleal, trazendo para ela uma sanção desproporcional à conduta — considerando a colaboração”, afirmou Simão. “E o Estado precisa passar a acreditar que empresas que fazem o dever de casa conseguem se autorregular”, disse. “Na medida em que isso acontece, a tendência que se espera é que o Estado afaste um pouco sua lupa investigadora das empresas, porque determinado setor, mercado ou segmento vem fazendo seu dever de casa e tem programas de integridade robustos e confiáveis”.

Sair da versão mobile