Empreendedorismo

Artesanato movimenta 100 bilhões de reais por ano no Brasil

Sebrae destaca os cem melhores artesãos em premiação que acelera negócios; frete e logística são desafios do setor

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Crocheteira Carmen Lúcia Ferreira, de Lajeado do Marinho, no sertão da Paraíba. Crédito: Divulgação/Sebrae

O artesanato brasileiro movimenta em torno de R$ 100 bilhões por ano – cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país – gerados pelos cerca de 8,5 milhões de artesãos espalhados por todos os estados. Grande parte são mulheres que encontram no ofício o principal meio de sustento de suas famílias. É um movimento que não para de crescer, todos os meses aumenta o número de profissionais cadastrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab), vinculado ao governo federal. No acumulado do ano, até outubro, foram 14.398 novos artesãos registrados oficialmente.

“Os dados revelam que o artesanato pode se transformar, além de expressão cultural, em meio de vida para parcela importante da sociedade brasileira, promovendo redução das desigualdades e desenvolvimento socioeconômico”, afirma Diego Coelho, professor da FIA Business School.

Segundo ele, o artesanato é uma manifestação cultural que comporta várias dimensões. Por um lado, materializa expressões locais e artísticas que, a despeito de carregarem aspectos tradicionais, também possuem releituras contemporâneas, tornando-se importante vértice de sentido e identidade. Por outro, é um empreendimento que se conecta e está encadeado a sistemas de valor extensos, associando-se ao turismo, à gastronomia, à moda, à decoração e ao bem-estar.

Para celebrar um setor cuja importância social, cultural e econômica é cada vez maior, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) realizou, em novembro, a cerimônia de premiação dos vencedores do Prêmio Sebrae TOP 100 de Artesanato. Realizada no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab), no Rio de Janeiro, o prêmio é uma das principais referências do setor e é cobiçado por artesãos de todo o país, dada a visibilidade e a credibilidade proporcionadas ao trabalho dos vencedores. “O trabalho do artesão reflete a cultura e a diversidade local, que é o melhor do país”, disse o gerente de Competitividade do Sebrae, Cesar Rissetti, durante o evento.

O vencedor do TOP 100 recebe um certificado considerado um “selo de garantia” da sua produção, já que passou por critérios rigorosos de seleção atestando a qualidade do produto e do negócio. “O prêmio traz uma credibilidade muito grande e desperta em todo empreendedor o desejo de ser um TOP 100”, diz Mascêne.

Além do certificado, os vencedores participam de rodadas de negócios promovidas pelo Sebrae e têm seus trabalhos incluídos em um catálogo comercial. Com 300 produtos no total – três por vencedor – o documento é distribuído a formadores de opinião, embaixadas, órgãos públicos e diversas entidades e empresas ligadas ao artesanato.

Na quinta edição do prêmio, que é realizado desde 2006, foram premiadas as cem melhores práticas de artesanato e suas unidades produtivas levando-se em consideração uma série de requisitos, tais como: técnica, estética, inovação, condições de trabalho, organização, produção, compromisso socioambiental e experiência comercial dos competidores. Neste ano, foram mais de 1.200 trabalhos inscritos de todo o Brasil e analisados por um júri composto por especialistas na área.

“O TOP 100 é considerado o Oscar do artesanato brasileiro”, explica Durcelice Mascêne, gestora nacional de artesanato do Sebrae. Ela lembra que o prêmio destaca não apenas a qualidade do produto, mas toda a prática de gestão, da captação da matéria-prima até a entrega do produto ao comprador final daquela obra.

“Não é um prêmio de design”, destaca Mascêne. Além de um produto diferente e de qualidade, os jurados levam em consideração a existência de uma estrutura organizada, com gestão e processos que são capazes de garantir preços e prazos de entrega, respeito ao meio ambiente, vínculos com a cultura local e responsabilidade social por parte da unidade de produção artesanal, que são definidas como pessoas jurídicas formalizadas que produzem e comercializam produtos artesanais. Sejam elas pequenas ou microempresas, cooperativas, associações, grupos de produção artesanal ou empreendedores individuais.

Premiados

“Participar do TOP 100 é o maior sonho de todos os artesãos”, diz Maria Fialho, do ateliê que leva o seu nome, em João Pessoa, na Paraíba. Ela trabalha com renda na mesma técnica utilizada para confecção de redes de pesca, mas com algodão como matéria-prima.

Segundo Mascêne, o artesanato ganhou mais força durante a pandemia de Covid-19, já que é uma atividade que permite à pessoa trabalhar em casa. “É uma atividade que pode ser desenvolvida em um ambiente próprio, no lar, com grande capacidade de geração de trabalho e renda”, afirma.

É o caso da artesã Ana Cristina Ferreira Santos, de Penedo (AL), uma das vencedoras. “O artesanato significa superação por enfrentar todos os obstáculos da minha vida. Foi com o artesanato que criei minhas filhas e hoje com o artesanato levo renda para mais de 30 famílias que, junto comigo, bordam e retratam sua forma de ver o mundo, através do bordado”, diz Santos, uma das fundadoras da Fulô.A, grupo produtivo de mulheres que trabalha com a técnica do bordado ponto livre, representando o cotidiano alagoano. No total, são mais de 30 famílias envolvidas no projeto, fundado em 2013 e que fica no povoado de Murici, em Penedo.

“Receber o prêmio SEBRAE Top 100 de artesanato sempre foi um grande sonho em minha vida, pois não é apenas um prêmio relacionado a beleza e acabamento das peças, mas também um prêmio de gestão”, conclui Santos.

Para o artista mineiro João Alves, de Taiobeiras, o prêmio é uma forma de divulgação do seu trabalho: “é uma oportunidade para novos negócios e nos tornar mais conhecidos”, diz Alves, que se tornou conhecido em todo o país por meio de suas esculturas de barro que retratam o cotidiano da população do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais.

Opinião semelhante é da crocheteira Carmen Lúcia Ferreira, de Lajeado do Marinho, no sertão da Paraíba. Ela acredita que a vitória vai ajudar nas vendas dos artigos de crochê produzidos em sua comunidade. “O selo TOP 100 é certeza de divulgação”, diz Ferreira. Segundo ela, muitos turistas que vão à Paraíba reconhecem a importância do selo na hora de comprar produtos locais.

O artesanato também é uma maneira de valorização da cultura local e acaba envolvendo toda a comunidade. A agrônoma Juliana Pereira representou a mãe, Maria do Carmo, integrante da Associação Capim Dourado, de Ponte Alta, no Tocantins, durante a entrega do prêmio. “O capim começou a ser trabalhado nas comunidades quilombolas e hoje muita gente vive dele”, diz Pereira. Ela ressalta a importância da arte: “trabalhar com capim dourado traz rentabilidade, mas é uma arte, tem que ter talento e cuidado”.

Desafios do setor

Alguns desafios devem ser superados para que o setor se desenvolva ainda mais. “O segmento de artesanato é bastante promissor, mas com alguns entraves”, afirma Mascêne. Ela cita problemas como a formação de público-alvo, frete e logística. Muitas vezes trata-se de peças frágeis e delicadas, o que exige embalagem e transportes adequados, além de um preço de frete que seja condizente com a atividade. Há também a necessidade, diz a gestora do Sebrae, de linhas de financiamento específicas para facilitar a aquisição de maquinários e matéria-prima.

“As principais dificuldades dos artesãos, no Brasil, residem, em primeiro lugar, no amplo reconhecimento pela sociedade de que o artesanato é atividade econômica importante, porque é impactante e geradora de valor”, diz Coelho, da FIA Business. Ele destaca dificuldades associadas à modelagem e gestão dos empreendimentos pelos artesãos. Entre eles, modelos de negócios e gestão, financiamentos, suprimentos, posicionamento e precificação e comercialização dos produtos, além da informalidade trabalhista e a concorrência com produtos industrializados de baixo preço, em especial asiáticos.

“O mercado do artesanato no Brasil pode crescer, e muito. Para isso, é necessário valorizar o artesanato e o artesão, promovendo apoio e capacitações que sejam inclusivas. O principal é criar mecanismos participativos que aumentem o escopo geográfico de comercialização, respeitando-se os limites das ofertas de cada empreendimento”, afirma Coelho.

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