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Crescimento do tráfego aéreo internacional pode gerar alta do turismo judicial

Causas e caminhos para tratar a hiperjudicialização no Brasil passam por mais coerência com normas globais

Foto: Unsplash

A aviação civil segue em forte recuperação após a maior crise de sua história, ocasionada pela pandemia da Covid-19. Relatório divulgado pela IATA (Associação do Transporte Áereo Internacional) aponta que o tráfego internacional aumentou 33,7% em junho de 2023 em relação ao mesmo mês de 2022.

No agregado do primeiro semestre do ano, o tráfego internacional cresceu 58,6% em 2023 em relação ao mesmo período de 2022, sendo que o volume de passageiros transportados (RPK) chegou a 88,2% do registrado pré-pandemia.

Enquanto os dados sobre as operações parecem animadores, um velho problema segue a assombrar o mercado da aviação: as altas taxas de litigiosidade do setor.

Com o aumento dos níveis de tráfego aéreo e de passageiros transportados, volta à tona o receio quanto a elevada judicialização da aviação no Brasil, que pode representar elevados custos às transportadoras e gerar entraves ao crescimento do setor.

O Brasil, que é um dos principais destinos turísticos por suas belezas naturais, patrimônio cultural e pujança econômica, torna-se também um dos expoentes do turismo judicial, em que, após a viagem realizada traz-se na mala a possibilidade de uma ação judicial.

Dados do Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer) apontam que o Brasil responde por 98,5% das ações judiciais globais envolvendo as 30 companhias aéreas internacionais que aqui operam.

Não é simples a tarefa de tentar detectar as causas da alta judicialização da aviação no país, mas podemos apontar a alguns fatores, tratando mais especificamente das demandas consumeristas, que contribuem a para este fenômeno.

O primeiro deles diz respeito ao acesso facilitado ao Poder Judiciário. Para o ingresso de demandas de menor valor envolvido e complexidade não é necessária a presença de um advogado e tampouco o recolhimento de custas.

A despeito de já se assistir a um movimento neste sentido, via de regra não se exige que o consumidor tenha buscado solução extrajudicial à questão. Por fim, são acolhidos elementos e provas parcas apresentadas pelos consumidores como elementos constitutivos de seus direitos.

Este acesso ao Judiciário é ainda estimulado – ou mesmo induzido – por uma atividade advocatícia predatória. É possível verificar, sobretudo em redes sociais e páginas da internet, anúncios de prestadores de serviços jurídicos ou empresas de intermediação (os chamados abutres) que propõem um caminho rápido à resolução de problemas e obtenção de indenizações com a propositura de processos judiciais em face de companhias aéreas.

Estes profissionais e empresas, que apresentam peças publicitárias que sugerem facilidades e ganhos financeiros aos consumidores, mercantilizam direitos e apostam na judicialização indiscriminada e desinformada como fonte de renda.
Inobstante, as elevadas médias de indenizações concedidas nas demandas de consumo envolvendo a aviação geram também estímulos à judicialização.

Setores como telefonia, iluminação pública e outros serviços básicos, por exemplo, não possuem o mesmo grau de judicialização (em termos proporcionais) e tampouco indenizações nas mesmas montas que aquelas concedidas em demandas da aviação.

Por fim, há de se ressaltar tanto a insegurança quanto ao regime jurídico aplicável às relações civis e consumeristas decorrentes da aviação internacional. Normas postas em tratados internacionais assinados e ratificados pelo Brasil e amplamente observados internacionalmente, como a Convenção de Montreal, são objeto de debate e aplicação “reduzida”.

Este cenário de insegurança jurídica faz com que determinados juízes e tribunais apliquem certas normas ou diretrizes que possam ser mais protetivas e mesmo benevolentes aos consumidores, enquanto outros adotam uma linha mais consonante com as normas internacionais.

A hipótese de ter seu caso apreciado por um juiz mais favorável ou “generoso” pode levar consumidores a proporem ações. A este respeito, nota-se que, em certos casos, a norma de eleição de foro (artigo 101 do Código de Defesa do Consumidor), pensada para facilitar o acesso dos consumidores à Justiça, passa a ser utilizada como um artifício para se obter maior precisão na loteria judicial, em que ter seu caso sob a competência de determinado juízo em detrimento a outro pode render bons frutos financeiros.

Este cenário ajudou na cristalização de uma cultura de litigância que se verifica na sociedade brasileira. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o fluxo intenso de demandas gera “congestionamentos” de cerca de 80% dos casos em grandes tribunais, como os Tribunais de Justiça de São Paulo e Rio de Janeiro. Somente nos últimos anos viu-se movimentos de estimulo mais concreto a métodos alternativos de solução de conflitos.

Esta hiperjudicialização pode constituir um grande obstáculo ao desenvolvimento do mercado da viação civil no país. Isto porque, em primeiro lugar, há, como visto, um elevado custo com os litígios, sobretudo aqueles envolvendo demandas consumeristas. Estima-se que os custos totais dos litígios da aviação civil girem em torno de R$ 1 bilhão ao ano.

Para um setor com margens de lucratividade historicamente apertadas, por certo que a inclusão de mais uma importante rubrica de gastos pode ser determinante quanto à decisão de implementação, manutenção ou ampliação da atuação de companhias aéreas no país.

O que podemos denominar de “Custo Judicial Brasil” acaba atuando, por vezes, como barreira ao ingresso ou expansão de novos players no já relativamente concentrado mercado da aviação civil.

Ademais da redução de novos partícipes, a hiperjudicialização da aviação civil também limita as hipóteses de ofertas de serviços pelas companhias aéreas. Isto porque há um rol extenso de direitos, garantias e também expectativas – sobretudo consumeristas – a serem observadas, além da amálgama de normas técnicas que regem a complexa indústria da aviação, que tornam arriscado, árduo e custoso ofertar serviços que fujam ao padrão já adotado.

Cabe, neste ponto, sem a pretensão de esgotar o assunto, traçarmos alguns possíveis caminhos para melhorar ou mitigar os efeitos desta ocorrência.

Um primeiro passo (i) seria a legislação nacional buscar cada vez mais coerência com as normas de direito internacional e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Há movimentos neste sentido, como se viu por meio da Resolução 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Entretanto, há apontamentos que contrariam frontalmente as diretrizes internacionais quanto à responsabilidade civil, proteção de dados e liberdade tarifária, questões sensíveis ao setor e que carecem de harmonia em âmbito internacional.

No passo seguinte (ii), temos a atuação do Judiciário, que deve ter em conta os precedentes judiciais e serem coerentes quanto à aplicação das normas competentes que regulam o transporte aéreo de natureza internacional, evitando um cenário de insegurança jurídica.

Ainda quanto às decisões judiciais, (iii) estas devem observar de forma detalhada os casos e provas carreadas, considerar o princípio da proporcionalidade, bem como compreender seu papel social. Podemos concordar que a Justiça deve ser imparcial, mas não indiferente ao cenário socioeconômico que a permeia.

Quanto ao empreendimento de advocacia predatória (iv), a temática deve ser observada pela Ordem dos Advogados, CNJ, tribunais e órgãos de proteção aos consumidores, de forma a coibir ações de estímulo indistinto à judicialização e de desinformação.

Deve-se buscar, ainda, (v) a promoção da composição amigável e de tratativas extrajudiciais de conflitos, como a utilização de plataformas de autocomposição como “consumidor.gov.br”, abrandando o fluxo litigioso.

Ademais, (vi) deve-se ter atenção a análises superficiais quanto a direitos dos consumidores, para que não se chegue a um cenário de hipertrofia de garantias e proteções que se tornam, na prática, inexequíveis, gerando frustrações e perdas a todos os envolvidos.

Estudos mais aprofundados apontam que “reduzir judicialização favorece o mercado e o próprio consumidor”. Neste esforço, não se quer uma ode ou vilanizar as temáticas de proteção ao consumidor ou as empresas do setor; propõem-se, sim, buscar uma aproximação entre os órgãos reguladores, as companhias aéreas, os consumidores e órgãos de proteção, a sociedade civil num geral para a construção de um mercado de aviação civil mais sustentável.

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