CONTEÚDO PATROCINADO

A importância da regulação responsiva no setor aéreo

Uma análise das mudanças de fiscalização nas agências reguladoras, sobretudo na ANAC, seus benefícios e desafios

Crédito: Pixabay

O presente artigo tem o intuito de avaliar as mudanças que aconteceram nas agências reguladoras, sobretudo da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil no que se refere a fiscalização, mudando do modo de fiscalização comando controle para o modelo de regulação responsiva, trazendo um cenário dos benefícios e desafios desta mudança, nos dias de hoje.

Como profissional do direito fui criada no modelo comando e controle e pude observar, ao longo do meus 22 anos trabalhando no setor aéreo, como o modelo regulação responsiva pode trazer mais benefícios para a coletividade, a partir do momento em que o poder regulador cria uma ambiente de segurança com o regulado, para que ele possa trazer ao regulador seus desafios, dúvidas e juntos possam criar instrumentos normativos que não abram mão da segurança, mas permitam que o regulador crie normas que serão cumpridas e garantam a segurança e o atendimento da coletividade.

Introdução

A ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil é umas das tantas agências reguladoras federais do Brasil. A ANAC foi criada em 2005 ligada ao Ministério da Defesa para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil, infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no Brasil. Ela foi instituída pela Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, mas começou a atuar em 2006, substituindo o antigo DAC – Departamento de Aviação Civil.

O DAC – Departamento de Aeronáutica Cívil foi criado na década de 30, com o Decreto nº 19.902 e estava subordinado, naquela época, diretamente ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Em setembro de 1969, o seu nome foi modificado para Departamento de Aviação Civil – DAC permanecendo assim até março de 2006 quando foi extinto e substituído pela ANAC, que está à frente da Aviação até os dias de hoje.

Obviamente que qualquer mudança teve seus momentos turbulentos, sobretudo por estarmos migrando de um departamento militar para um departamento formado por servidores públicos recém ingressos de concursos públicos. Sabiamente a migração foi sendo feita em etapas e, ocorreu durante os cinco anos seguintes à criação da ANAC, até para permitir que houvesse uma interação entre os antigos integrantes do DAC e novos integrantes da recém-criada ANAC.

Cabe lembrar que ANAC foi uma das últimas agências a serem criadas e, portanto, teve sim os seus privilégios, dentre eles o de observar os benefícios da mudança do modelo comando controle para o de regulação responsiva em outras agências, inclusive ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações.

E para quem acha que a regulação responsiva é um modelo novo de regulação, cabe trazer que seu nascedouro tem início em 1970, quando na Austrália começaram a se perguntar o motivo pelo qual tantos trabalhadores morriam nas Minas de Carvão se o objetivo das minas não era matar pessoas. Foi então que se abriram diálogos de como este cenário poderia ser alterado.

Mas é na década de 90 com a Teoria dos Jogos tomando força que a regulação responsiva começa a se desenvolver e, é justamente neste período no Brasil, que começa um movimento de desestatização. Abre-se um parêntese para uma breve explicação sobre a Teoria Do Jogos, nela se analisa a ação dos indivíduos ou da coletividade sob o impacto das leis. Tais leis criam restrições que podem impactar o desenvolvimento? Se sim, o que podemos adaptar nas leis, regras que beneficiem o desenvolvimento e a coletividade. Realmente como em um jogo em que peças preciso mexer para criar um cenário melhor. O livro “Uma Mente Brilhante” que retrata a história do economista John Nash é uma bom exemplo que como funciona a Teoria dos Jogos.

Mas é em 2000 que a regulação responsiva toma corpo no Brasil. E quando vemos a ANAC sendo criada em 2006, ela vem inserida em um cenário em que outras agências como ANATEL já haviam incorporado o modelo de regulação responsiva e, portanto, tinham experiências de sucesso de tal modelo.

A própria ANAC, ainda, sobre o chapéu de DAC tinha uma experiência dentro de casa quando em 2001 se estabeleceu a liberdade tarifária, quando então as companhias aéreas poderiam estabelecer livremente os preços de suas passagens nas rotas nacionais e internacionais.

https://www.abear.com.br/wp-content/uploads/2022/12/Panorama2021.pdf Panorama 2021 – O Setor Aéreo em Dados e Análises.

Verifica-se através do gráfico o crescimento da oferta de assentos para os brasileiros em 2001, quando se instituiu-se a liberdade tarifária, já em 2001, uma clara melhoria para a Coletividade, que não só possibilitou uma capilaridade maior de serviços, aumento da oferta, com possibilidades de diluir os custos em um maior número de rotas e a, consequente, redução das tarifas impulsionadas pela concorrência, sem falar na atração de novos players para o mercado.

Cabe citar que o empurrão para a criação da ANAC foi justamente quando o, ainda DAC na figura de seu Diretor Presidente proíbe a comercialização pela companhia GOL Linhas Aéreas S/A de passagens ao preço de R$ 59,00. O presidente do DAC é substituído e o governo da época ganha força no seu discurso sobre a necessidade da criação da Agência, visto que aos olhos da coletividade não fazia sentido a proibição da disponibilização de uma tarifa promocional. Nasce a ANAC é com ela já o espírito da criação de uma cultura justa que busca resultados para a coletividade, que mais tarde configurou-se na aplicação da regulação responsiva.

Desenvolvimento

Durante o período de transição de DAC para ANAC em que os militares foram retornando para outras funções (20% dos servidores por ano) e os servidores públicos vindos de concursos públicos começaram a mergulhar nos desafios da agência reguladora, alguns pontos foram sendo observados entre os modelo comando controle e a regulação responsiva:

O cenário que se via na chegada da ANAC era um excesso de multas, muitas vezes discutidas durante anos, que por vezes eram levadas para discussão ao judiciário e, que, em algumas vezes, corriam o risco de ser reduzidas, tirando das mãos do órgão regulador qualquer possibilidade de solução.

Para ilustrar essa situação, trago um exemplo, um fiscal vai até um determinado aeroporto, verifica a inexistência de um determinado alarme supostamente obrigatório, e sem qualquer conversa com o regulado o atua. Este auto vai provavelmente para advogados, que acostumados com o sistema comando controle, protocolam defesas, recursos e até, em último caso, recorrem ao judiciário, que pode, por um erro material do auto poderá até mesmo cancelá-lo. Enquanto este processo durou por anos, a ausência do alarme sonoro não foi solucionada, até mesmo porque sequer houve um diálogo e, ainda, se houve um cancelamento do auto, um suposto questionamento do regulador do que deveria ser corrigido, não irá acontecer. Houve resultado ou melhoria para os consumidores? Certamente não.

E quando trazemos estas reflexões é que o modelo de regulação responsiva surge como uma resposta melhor se visamos a melhoria e segurança do serviço oferecido.

Apenas trazendo um exemplo para reflexão, quando a empresa de telefonia “OI” pediu recuperação judicial, um terço de seu passivo eram de multas com a ANATEL, faz sentido um passivo de multas com a agência reguladora neste montante sem que ambos regulado e regulador tenham dialogado para tentar resolver assuntos que prejudicavam o consumidor e, com certeza, após serem pagos são revertidos em custo para o consumidor, que deveria ter seu serviço com maior qualidade e não com custos incrementados.

A ANAC, além de ser uma das últimas agências reguladoras a serem criadas, o que lhe deu o benefício de observar as mais antigas com bagagem de na regulação responsiva, já tinha em sua cultura o reporte voluntário dos pilotos de situações que pudessem causar risco a segurança ou mesmo pudessem melhorar os níveis de segurança, porque então não ampliar esta relação de confiança para um nível onde os regulados e reguladores pudessem compartilhar informações, anseios do setor em um ambiente de confiança para criar normas mais adequadas ao setor que pudessem ser cumpridas, em suma, porque regulado e regulador não construir juntos melhorias para o setor.

Mas como chegamos neste estágio?

A regulação responsiva é uma relação de confiança que se constrói entre o regulado e o regulador, onde o regulado se sinta à vontade para relatar suas dificuldades, às vezes, até mesmo de questionar o que a norma deseja que seja executado, sem correr o risco de ser multado.

É obvio que neste modelo estará preservada a segurança, não se admitirá comportamentos que atentem à segurança, mas é permitido que o regulado possa consultar livremente o regulador sobre a interpretação de uma norma sem haver o temor de ser punido, pois quando o regulado faz a consulta é para que ocorra um canal que permita melhorias e adaptações.

E neste mesmo sentido, o regulador pode consultar o regulado sobre as dificuldades e benefícios da implantação de uma norma, antes mesmo de impô-la.

Este movimento começa a ter embasamento legal com a publicação da Portaria nº 3092 que estrutura o Projeto Enforcement através de uma pirâmide que passa nortear o processo de monitoramento e fiscalização da ANAC, com intuito de ao final conscientizar o regulado ao cumprimento da norma.

Para se entender como funciona o Projeto Enforcement trazemos a pirâmide que norteia o projeto e que, basicamente, cria um caminho para que a última alternativa da agência seja a suspensão ou revogação da licença.

Criado o projeto, a ANAC se deparou com uma imensidão de autos de infração criados dentro do contexto da legislação fiscalizatória, portanto, fez-se necessário a publicação da Portaria 472 que disciplinou como deveriam ser as atividades regulatórias de forma a estimular o regulado a cumpri-las sem a necessidade de uma sanção mais severa.

A Resolução 472, da ANAC, adota medidas escalonadas, começando pela tentativa de prevenção e somente em última instância evoluir para medidas sancionatórias ou mesmo acautelatórias, possibilitando um espaço de diálogo que leve o regulado a cumprir as normas da agência, sem a necessidade de sanção.

Na tabela a seguir ficam claras as medidas do Projeto Enforcemnet da ANAC que prevê medidas, acautelatórias na Resolução 472, antes de chegarmos a uma sanção do regulado. Estas medidas permitem um canal de diálogo e, consequente, melhoria de serviço para o consumidor:

TIPO

PROVIDÊNCIA ADMINISTRATIVA

FINALIDADE

APLICABILIDADE

PREVENTIVAS

Aviso de Condição Irregular (ACI)

Mero aviso (warning), destinado a alertar o ente regulado sobre alguma irregularidade

Irregularidades de baixo risco; regulados com bom histórico de compliance.

Solicitação de Reparo de Condição Irregular (SRCI)

Concessão de prazo para que o regulado corrija a irregularidade verificada. O prazo pode ser determinado ou pactuado com o regulado, por meio de plano de ação corretiva (PAC).

Irregularidades de risco tolerável por certo prazo; regulados com bom histórico e com postura colaborativa.

SANCIONA-TÓRIAS

MULTAS

Sanção pecuniária, com a finalidade de encarecer e desestimular as irregularidades e o
descumprimento.

Irregularidades de risco tolerável, mas com reincidência. Regulado com histórico ruim em relação a outras
infrações.

Suspensão Punitiva

Retirar temporariamente o regulado infrator do mercado, de forma a desestimular ainda mais a prática de infrações e mandar um sinal a outros infratores.

Irregularidades de alto risco. Ilícitos – operar sem a devida autorização. Regulados com péssimo histórico de infrações.

Cassação

Retirar definitivamente o regulado infrator do mercado, de forma a impedir que preste mais serviços e que volte a gerar risco à aviação.

Irregularidades de alto risco. Ilícitos – operar sem a devida autorização. Regulados com péssimo histórico de infrações, incluindo suspensões anteriores.

ACAUTELATÓ-RIAS

Detenção, apreensão, suspensão cautelar

Restringir imediatamente a operação do agente infrator, ou da infraestrutura ou do produto adulterado, de forma a evitar expor outras pessoas a risco.

Risco iminente: irregularidades de alto risco. Ilícitos – operar sem a devida autorização.

Fonte: ANAC – Resolução nº 472, de 6 de junho de 2018 e portarias com os compêndios de elementos de fiscalização de diversos regulamentos da Agência

Como vemos a Resolução 472 atua de forma crescente buscando o melhor resultado para a coletividade, procurando soluções antes do PAC – Processo Administrativo Sancionador. A Primeira Medida Aviso de Condição Irregular – ACI, que busca restabelecer a normalidade em situações de baixo impacto e sem risco à segurança. Já a Solicitação de Reparação de Condição Irregular – SRCI solicita a correção de uma determinada condita em um determinado tempo. Caso este prazo não seja atendido, solicita-se para que em 60 dias o regulado apresente seu Plano de Ações Corretivas – PAC, transcorrido este prazo a agência terá 60 dias para aceitar o PAC ou seguir para a instauração de um Processo Administrativo.

Verifica-se claramente a regulação responsiva na medida que agência age na tentativa de solução, sendo a infração a última alternativa, que deverá ser utilizada para aquele regulado que, intencionalmente descumpre as normas de maneira contumaz.

Trazemos de uma forma mais visual como a regulação responsiva acontece na prática.

FLUXO DE AVISO DE CONDIÇÃO IRREGULAR

FLUXO DA SOLICITAÇÃO DE REPARAÇÃO DE CONDIÇÃO IRREGULAR (SRCI)

Vemos que há um longo caminho de diálogo até as medidas mais drásticas como a multa, a suspensão ou cassação, até porque as construções dos diálogos que antecedem estas medidas têm como objetivo a boa qualidade do serviço público a sociedade coletividade.

Conclusão

Hoje, olhando sobre o funil do agente do Direito poderíamos dizer que as mudanças, as melhorias, o pensamento na coletividade iriam tardar, no entanto, a regulação responsiva se mostra como uma solução que não tarda, que resolve, quando regulador e regulado estão dispostos a oferecer um transporte de qualidade pensando na coletividade e não somente no individual. Está aí uma solução para as leis que se tornam obsoletas e não respondem para a sociedade na mesma velocidade que ela demanda. E a agência tem em sua mão a especificidade do serviço, que em algumas vezes somente a ela cabe regular, a lei não tem o condão de acompanhar e não consegue, daí podemos dizer que a regulação responsiva se mostra como a melhor solução para uma sociedade que se move e evolui cada dia mais rápido.

O Próprio Código Brasileiro de Aeronáutica que data de 1986, antes mesmo da Constituição Brasileira, tornou-se obsoleto e a ANAC consegue superar alguns entraves desta situação com a regulação responsiva.

A regulação responsiva apresenta-se como um excelente medida para o desenvolvimento não só da aviação, mas também de todos os setores, pois traz este sentimento de coletividade, tão importante no dias de hoje.

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REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS

1.https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/regulacao-responsiva/conheca-o-projeto-regulacao-responsiva

2. Plano Estratégico da ANAC 2020-2026

3.10/08/2020 – Evento promovido pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil: Mesa Rendonda Virtual da ANAC – Responsabilidade Responsiva Hoje Experiências de Implementação e Resultado

4.26/02/2021 -Evento promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil – Rio de Janeiro (OAB-RJ) – Regulação Responsiva no Setor Aéreo

5.09/09/2021 – Evento realizado pela ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres: Café com Regulação – Cultura organizacional de incentivo a comportamentos virtuosos e colaborativos dos regulados: A experiência da ANAC.

6. https://www.serpro.gov.br/menu/noticias/noticias-2023/atuacao-anpdVocê sabe no que consiste a regulação responsiva? (serpro.gov.br)

7. UNB – NÚCLEO DE DIREITO SETORIAL E REGULATÓRIO DA FACULDADE DE DIREITO DA UnB – Ref.: Pesquisa e Inovação Acadêmica sobre Regulação Responsiva no Setor Aéreo Brasileiro -Estudo com a proposta, para a temática escolhida pela Diretoria Colegiada da ANAC, de modelagem regulatória baseada em mecanismos de incentivos TEMA: Desenvolvimento de modelos de atuação da fiscalização compatíveis com a RR ENFOQUE: Respostas responsivas a potenciais obstáculos jurídicos à regulação baseada em riscos na SP0 – REDAÇÃO: Prof. Marcio Iorio Aranha Profª. Ana Frazão Prof. Jorge Otávio Lavocat Galvão PhD(C) Angelo Gamba Prata de Carvalho PhD(C) Fernando Barbelli Feitosa PhD(C) Vânia Lúcia Ribeiro Vieira MSc(C) Gabriel Campos Soares da Fonseca MSc(C) Lívia Cristina dos Anjos Barros – 20/09/21

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