Outorgas a longo prazo

Concessões de aeroportos no Brasil: insegurança, reajustes e mudanças

Aeroportos têm obtido revisões dos valores de outorgas; novas regras em leilões visam evitar novos casos de devoluções

Viracopos seguradoras concessões de aeroportos
Crédito: Aeroporto de Viracopos / Divulgação

As implicações da pandemia no setor aéreo não impediram resultados acima do programado pelo governo na última rodada de leilões de aeroportos, no início de abril. Três blocos regionais, totalizando 22 aeroportos, somaram R$ 3,3 bilhões a serem pagos à vista para o governo. A perspectiva positiva contrasta com o cenário atual de reequilíbrio em concessões que foram sucesso no passado. 

Até agora, foram reajustados para baixo os acordos de oito aeroportos, totalizando desconto de quase R$ 2 bilhões nos pagamentos pela outorga de aeroportos. O ajuste se dá diante da redução do fluxo de passageiros por conta da pandemia. 

Em alguns cenários, as deduções necessárias ultrapassavam o valor a ser pago, por isso obrigações em infraestrutura foram prorrogadas no Aeroporto de Salvador e tarifas elevadas temporariamente nos aeroportos de Florianópolis e Porto Alegre. As taxas devem impactar nos custos para viajar.

Em abril, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou a postergação do pagamento de outorgas que venceriam em maio, além dos reajustes estabelecidos no fim do ano passado. Com isso, ficam liquidados os efeitos do esvaziamento de aeroportos em 2020, mas, com a pandemia se estendendo, novas adequações são esperadas também para este ano. 

O Ministério da Infraestrutura sinalizou, no fim de junho, a possibilidade de renegociar o contrato do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. O objetivo é que, com a ajuda, a administradora tenha mais margem para negociar novos voos e fazer mais investimentos. Estão em discussão pagamentos previstos para 2023, já que a concessionária tem carência entre 2019 e 2022, após quitar valores atrasados e adiantar parcelas em acordo anterior.

Em todos os casos, esse tipo de revisão tem a finalidade de garantir a saúde financeira das empresas e que o transporte aéreo continue operando, mesmo com as limitações impostas pela Covid-19, conforme justificou a Anac. Mudanças nas outorgas variáveis também são previstas em situações menos excepcionais.

Nessa rodada mais recente do plano de desestatização do setor – a sexta do programa de concessões, iniciado em 2011 para dar conta do aumento exponencial de passageiros nos anos anteriores –, há a previsão de pagamento por outorga variável, daqui a cinco anos, estimado em R$ 14,5 milhões. O valor corresponde a uma porção da receita anual do aeroporto, dependente do fluxo de passageiros. 

No leilão, o discurso do governo foi de minimizar as expectativas de arrecadação com os aeroportos. “Não estamos preocupados com ágio do leilão, mas com o investimento que será gerado. Ele será atrelado à demanda, que é o grande fator de sucesso para uma concessão ser bem-sucedida. Quando isso não aconteceu, as concessões deram errado”, disse o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, após o leilão na B3. Os fracassos se referem aos aeroportos de São Gonçalo do Amarante, que é o primeiro a ser concedido, em Natal; e de Viracopos, em Campinas (SP), leiloado em 2012. 

Calculada em um momento de fluxo crescente de passageiros, a estimativa de demanda não se concretizou ao longo dos anos, nos quais houve uma desaceleração conforme a economia perdia o vigor. Para Viracopos, eram esperados mais de 20 milhões de pessoas passando pelo terminal em 2018, quando nem a metade foi atingida. 

Com isso, a empresa que controla o aeroporto pediu recuperação judicial, encerrada em dezembro passado, quando se tornou apto para ser licitado de novo, seguindo a lei nº 13.448/2017, que permitiu a devolução de concessões que não corresponderam às projeções. Um novo leilão é previsto para março do ano que vem, segundo o governo. Ligadas a outorgas, multas e investimentos em infraestrutura, cifras bilionárias devem ser discutidas entre o aeroporto e a Anac em arbitragem na Câmara de Comércio Internacional. 

Já o de Natal teve a devolução anunciada pela Inframerica no começo do ano passado. O motivo foi demanda menor do que a expectativa. Eram esperados 4,3 milhões de passageiros ao ano, mas estiveram por lá cerca de 2 milhões a menos em 2019. A diferença inviabilizaria o retorno de investimentos – teriam sido R$ 700 milhões.

Minutas do edital e do contrato de concessão foram aprovadas pela Anac no mês passado. Agora o processo está no Tribunal de Contas da União. Enquanto aguarda data do leilão, previsto para o terceiro trimestre, a empresa continua administrando o aeroporto. Esquema semelhante é adotado por Viracopos.

Mudanças no formato de concessões

Para evitar problemas semelhantes, decorrentes das oscilações econômicas, foram feitas alterações no formato dos leilões mais recentes. Nos primeiros, que além dos aeroportos de Campinas e Natal, incluíram os Guarulhos e Brasília, o valor da outorga fixa era parcelado ao longo de todos os anos da concessão, com reajuste pela inflação – o que acaba aumentando o montante total de forma imprevisível. Agora, se paga antes da assinatura do contrato.

Mas as principais mudanças são outorgas variáveis distintas para cada local, além de investimentos por gatilho de demanda. Esse último ponto afasta a obrigação de apostas vultosas em melhorias que não terão retorno. “O Brasil já carrega a má impressão de ser um país instável, então esse amadurecimento ajuda a quebrar essa impressão e a mostrar que adaptações serão feitas para garantir mais segurança em um processo de longo prazo. Agora, se entende que não adianta prometer”, diz a advogada Patricia Agra, sócia do LO Batista, que já atuou em regulações para concessões de transporte no governo estadual de São Paulo.

Faz parte desse processo a concessão por blocos, iniciada em 2019, quando boa parte dos aeroportos mais vantajosos financeiramente já haviam sido concedidos. A ideia é que estruturas menos rentáveis não sejam abandonadas. Neste ano, para concessão de três décadas, foram leiloados os blocos: Sul, reunindo nove aeroportos, como os de Curitiba, Foz do Iguaçu (PR), Navegantes e Joinville (SC); Central, com seis, incluindo os de Goiânia, São Luís, Teresina e Palmas; além da primeira rodada do Norte, com outros sete, como Manaus, Porto Velho, Rio Branco e Boa Vista.  

Impulsionado pela já consolidada demanda turística, o maior lance, de R$ 2,1 bilhões, foi pelo bloco Sul. Ele não se viu livre de questionamentos nos tribunais e aguarda acordo sobre seu futuro. O governo de Santa Catarina ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que necessidades de infraestrutura de Navegantes foram preteridas em benefício do de Curitiba.

O estado pretendia que o leilão fosse invalidado, mas o relator, ministro Ricardo Lewandowski, designou audiência de conciliação, que aconteceu em junho. Em acordo, a ação foi suspensa por 60 dias para que se forme comissão mista (com representantes dos governos estadual e municipal, órgãos federais além de organizações sociais) para desenvolver programa de melhoria da infraestrutura do aeroporto.

Tanto esse grupo quanto o Central, arrematado por R$ 754 milhões, foram obtidos pela CCR. Concessionária de outros modais, como rodovias em seis estados, metrôs e trens no Brasil, ela passará a administrar 19 aeroportos no Brasil e no exterior – além dos recém-adquiridos, já participa de Confins, em Belo Horizonte.  

Quanto ao bloco Norte, a francesa Vinci, foi a vencedora com lance de R$ 420 milhões. A empresa administra o aeroporto de Salvador desde a quarta rodada, em 2017. Nesse bolo, o maior tesouro é o aeroporto de Manaus, não apenas por receber a maior parte dos passageiros, mas também por ter um importante terminal de cargas para escoamento da produção da Zona Franca na capital manauara – ele é o terceiro mais movimentado do tipo no Brasil. 

Assim, a estrutura é o que sustenta o interesse desse bloco. Porém, duas semanas após o leilão, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, decidiu retirá-lo do pacote a ser concessionado, atendendo a pedido do consórcio SB Porto Seco, que venceu licitação aberta pela Infraero em 2017 para exploração por dez anos. A questão é que o processo foi questionado pelo Tribunal de Contas da União e a Infraero chegou a revogar a licitação, após o contrato ser assinado e nunca publicado no Diário Oficial da União. 

Esses foram os principais argumentos para o ministro Luiz Fux, do STF, incluir novamente o aeroporto no bloco, em decisão liminar que atendeu a pedido da Advocacia-Geral da União em abril. “A ausência de segurança jurídica em contratações de grande vulto, relacionadas, por exemplo, à implantação e à preservação de infraestrutura, tem o condão de fragilizar a imagem do Brasil junto a investidores e organismos internacionais, desestimulando o aporte de recursos estrangeiros e causando potencial prejuízo a diversos setores econômicos”, escreveu o presidente do STF. 

Amazônia estratégica 

Excluindo o contratempo, o plano da Vinci para a região é interligar a porção mais ao norte do continente com a região do Caribe e América do Norte, pensando sobretudo no transporte de cargas. Em outra linha, também seria interessante a conexão com a Europa via Guiana Francesa, que tem voos diretos para a França – aqui, a expectativa é com o potencial da Amazônia para o turismo europeu. Antes da pandemia, para a entrada na região, haviam voos diretos ligando Belém a Lisboa pela portuguesa TAP.

“Manaus tem enorme potencial de se tornar um hub logístico bem no centro da América; isso poderia, inclusive, já ter acontecido antes, desconcentrando do Sudeste. Chega-se mais rápido à maior parte da região pela cidade”, diz Augusto Cesar Barreto Rocha, especialista em engenharia de transportes, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 

O foco na Amazônia Legal se dá também pela urgência em conectar diferentes municípios da região entre si e em voos regulares. Esse tipo de estrutura é atualmente insuficiente para tornar o transporte aéreo acessível, especialmente em municípios do interior e quando se trata de viagens dentro da região. A sétima rodada, prevista para o meio de 2022, deve aprofundar esse processo, com outro bloco Norte; desta vez, serão contemplados os aeroportos paraenses de Belém, Altamira, Marabá e Carajás, além da capital do Amapá. 

Ao mesmo tempo, outras estruturas menores passarão por concessão por meio de parcerias público-privadas (PPP). “Ter aeroportos cortando a Amazônia, seguindo o curso dos rios para interligar com o transporte aquaviário, seria capaz de incentivar a economia da região, que tem o turismo ecológico pouco explorado. O transporte gera isso”, afirma o professor da UFAM.

Nessa frente, a intenção é, sobretudo, viabilizar a aviação regional e gerar renda. Estão contemplados, para leilão via PPP no ano que vem: Parintins, Carauari, Coari, Eirunepé, São Gabriel da Cachoeira, Barcelos, Lábrea e Maués. Todos os aeroportos ficam no interior do Amazonas, maior estado em extensão territorial e mais dependente do transporte aquaviário. 

Para os aeroportos já arrematados, além dos planos de conexão para a região, a Vinci afirmou, em comunicados ao mercado, que pretende fomentar nos aeroportos amazônicos a perspectiva de aeroportos verdes. Esse tem sido o discurso da empresa sobre sua estratégia como um todo.

Em 2015, ela anunciou um programa de responsabilidade integral para os 45 aeroportos em que atua – sustenta que foi a primeira empresa a contar com a iniciativa – e sustenta que, nos cinco anos anteriores a 2019, reduzira em 35% a emissão de carbono. O plano agora é zerar o índice até 2050. 

No Brasil, os planos são zerar as emissões desde o início, fazer o manejo para evitar desperdícios de água e instalar usinas de energia solar que deem conta dos aeroportos em que irá atuar. “Nosso roteiro é claro: aeroportos verdes para crescimento verde. Nessa região remota em que o transporte aéreo é essencial, queremos criar aeroportos mais resilientes, ecologicamente eficientes para sustentar a recuperação econômica do Brasil enquanto preservamos o planeta”, declarou Nicolas Notebaert, CEO da Vinci, em comunicado. 

O que se espera é que, além de esses objetivos serem viabilizados para essa rodadas, os investimentos em aeroportos amazônicos limpos se traduzam nas concessões futuras – e em outras partes do Brasil.

“Essa preocupação não é recente, mas é sempre considerada a viabilidade de custo versus benefício pelas empresas”, explica a arquiteta Liliana Lasalvia, responsável por gestão de projetos aeroportuários e sócia da AADU Estúdio, empresa de arquitetura com foco no segmento aeroportuário. “Há projetos para o uso de energia solar, por exemplo, mas que acabam não se concretizando. Mais avançada em aeroportos mais novos é a questão de tratamento de água e esgoto, de modo a preservar o solo em que a estrutura está”. 

Impacto no sistema 

É relevante que as concessões vinguem não apenas para o sucesso dos aeroportos concedidos, mas pensando no sistema como um todo. O valor das outorgas é direcionado para o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), administrado pela Secretaria Executiva de Aviação Civil (SAC), do Ministério da Infraestrutura, que visa fomentar a infraestrutura aeroportuária.

Em meio à pandemia, houve forte queda na arrecadação do FNAC – nos seis primeiros meses de 2020, último período disponibilizado, o valor arrecadado foi de cerca de R$ 1,4 bilhão; no ano anterior completo, somou R$ 7,5 bilhões. 

O fundo é relevante para realizar melhorias em aeroportos menores e sem concessão, mas de potencial estratégico. Em abril, por exemplo, a SAC autorizou o início das obras com fundos do FNAC no aeroporto de Barreirinhas, município do Maranhão a cerca de 250 quilômetros da capital São Luís e que abriga o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. O investimento é estimado em R$ 7 milhões. Entretanto, os maiores entraves para realizar voos regulares no local, como a qualidade do aeródromo, não têm data para serem solucionadas. 

Apesar desse impacto geral, para que o transporte aéreo se expanda de fato, as condições em terra, manejadas pelos aeroportos, são apenas parte do problema a ser atacado. Em outras palavras, a ação de concessionárias pode não ser suficiente para fazer o uso mais eficiente possível da estrutura.

Para os aeroportos desempenharem papel estratégico – tanto no transporte de passageiros quanto na logística de carga –, são necessários também investimentos mais amplos, para gerar interligação entre diferentes modais e garantir que o controle aéreo seja moderno em todos os pontos.

Entre as recomendações de melhores práticas para o sistema aeroportuário, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) destaca a necessidade, em especial para os grandes terminais, de verdadeiramente facilitar o acesso ao local. Um requisito seria o transporte direto para o centro da cidade – de preferência, via transporte coletivo de massa. Não é o que acontece nas metrópoles brasileiras. 

É significativo que o aeroporto de Guarulhos, o maior a atender a capital paulista, tenha trem conectando uma estação central desde 2018, mas ele chegue a no máximo três quilômetros do embarque no Terminal 3. Previsto em contrato de concessão, esse setor foi inaugurado em 2014.

Havia a previsão de que a estação ficaria mais próxima dos terminais, mas, antes da inauguração do mais novo deles, a concessionária negou que parte do terreno fosse usada para o trem. Em novembro passado, o governo federal incluiu entre as obrigações da concessionária a implantação de um monotrilho leve para fazer o percurso. 

Para o outro aeroporto de São Paulo, Congonhas – que será concessionado na próxima rodada, em 2022 –, há obras em andamento da linha 17-Ouro do Metrô, monotrilho que vai conectar o local à rede de trens da cidade. Prometida para ser inaugurada a tempo da Copa do Mundo, a obra passou por imbróglios jurídicos e está prevista para ser entregue, no mínimo, a partir do próximo ano.

Outras capitais enfrentam dificuldades de escoamento semelhantes: apenas aeroportos de Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro (com Santos Dumont) têm ligação direta por trilhos. Além de Guarulhos, Salvador tem metrô no aeroporto, mas distante cerca de um quilômetro.

Enquanto isso, a prefeitura de Campinas iniciou, no mês passado, estudos para implantação de um modal ferroviário ligando a região central da cidade, que conta com estação, e Viracopos; caso se comprove que há viabilidade financeira e demanda, a promessa seria abrir licitação ainda neste ano.

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