Aviação

CNJ discute estratégias para combater excesso de litígios no transporte aéreo

Instituição lançou cartilha direcionada a consumidores para orientar resolução de problemas com empresas do setor

Crédito: Pexels

Insatisfações de consumidores se sobressaem no montante de ações judiciais que chegam aos tribunais brasileiros. Em 2019, este foi o assunto que mais demandou as cortes recursais dos estados, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nesse grupo, estão incluídos processos envolvendo o transporte aéreo. Esse é um dos setores que conta com alto nível de conflitos, o que entope o Judiciário, atrapalha empresas e consumidores, além de afastar investidores.

“A resolução do litígio não precisa necessariamente ser feita por uma sentença, mas por solução que atenda aos interesses dos envolvidos”, disse o ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, em evento da instituição para discutir formas de reduzir brigas judiciais no setor aéreo nesta terça-feira (25/5). Na ocasião, foi lançada cartilha com orientações destinadas ao consumidor para que, com mais informação, o Judiciário seja a última alternativa para solucionar problemas.

O ministro sustentou que as incertezas da pandemia podem aumentar disputas no setor, por isso a urgência de pensar caminhos extrajudiciais que deem conta de atender aos consumidores. Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Humberto Martins destacou que para haver a retomada do setor após a crise, é necessário que se assegure segurança jurídica: “o Poder Judiciário brasileiro passa a exercer papel de grande importância para todos os agentes econômicos nesse momento. A regra para o investimento é a previsibilidade, inclusive jurídica”.

A judicialização envolvendo consumo e aviação no Brasil chama atenção quando comparada ao cenário encontrado em outros países do mundo e com malha aérea desenvolvida. Além disso, há indícios de que esse movimento tem crescido no país. “Há o entendimento no Brasil de que a saída judicial é a mais fácil e mais acessível. O acesso à Justiça é muito importante em um regime democrático, mas ele não pode envolver apenas essa via”, disse Valter Schuenquener, secretário-geral do CNJ.

Nesse sentido, é preciso refletir sobre as motivações dos consumidores para buscar a Justiça – isso quando não são provocados por empresas que tentam lucrar com ações. “Não creio que o brasileiro entra no avião pensando em arrumar encrenca. O melhor é a solução pacífica. Por isso, penso que talvez falte uma intervenção das empresas antes que haja briga na Justiça”, afirmou o ministro do STJ Paulo Moura Ribeiro. Para ele, um exemplo claro em que pode haver solução antes de processo é em relação ao cancelamento das passagens de retorno quando a de ida não foi usada pelo passageiro.

A cartilha do CNJ traz, inclusive, informações sobre casos e precedentes nos tribunais, de modo a deixar claro quando caberia indenização ou não. Outra dificuldade seria, na visão dos juristas, fazer com que haja uniformidade nas decisões – especialmente referentes à concessão de indenizações por danos morais, mais sujeitas a subjetividades e diferenças de valores.

“O objetivo de garantir segurança jurídica precisa ser levado em conta tanto pelo legislador quanto pelos juízes, que não devem decidir de forma isolada. A reincidência de processos com resultados distintos gera problemas; nem o consumidor sabe qual vai ser a consequência e nem o prestador de serviço”, apontou João Azambuja, juiz auxiliar da Presidência do CNJ.

Para Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, há inclusive dificuldades de acesso dos juízes à melhor informação que oriente as decisões: “temos o desafio de que os juízes conheçam os precedentes e também normas específicas do setor; não se conhece a fundo as convenções e regulações específicas. Esse é um caminho para afastar a abertura de ações que não cabem”.

Há discussões sobre a aplicabilidade de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como é o caso da Convenção de Montreal, de 1999, cujas regras foram promulgadas nacionalmente em 2006. Há algumas diferenças entre o que ela prevê e o que dizem o Código de Defesa do Consumidor (CBC) e o Código Brasileiro Aeronáutico (CBA), que incidem no setor. A diferença mais clara é que a convenção prevê apenas indenização por dano material, e não moral. “Ambos os ordenamentos convivem, mas se convencionou que este é válido para o transporte internacional”, disse a juíza auxiliar da Presidência do CNJ.

Essa relação ficou clara no Tema 210 do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou, em 2017, a necessidade de que os limites da Convenção de Montreal para indenização por extravio de bagagens seja seguido em decisões sobre o tema. Na visão de Pedro Aurélio, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, esse tratado não deve se sobrepor ou substituir normas nacionais. “Há espaço para contextualização dessas convenções com o que prevê a Constituição e nossos códigos em favor do consumidor”, afirmou.

Além de não incluir questões de danos morais, não há no texto internacional especificações sobre falta de informação ao consumidor ou recusa de embarque. Assim, não seria possível que a convenção fosse parâmetro geral para todos os casos, cabendo ainda o CDC. “A indenização por dano moral não se limita pela convenção e também precisa ser vista como compensatória, e não punitiva”, disse Marco Aurélio Bezerra de Melo, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Mais recente no ordenamento sobre o tema, a Lei 14.034/2020 estabeleceu, de modo explícito, a necessidade de comprovação de prejuízo quando se busca uma indenização decorrente de falha na prestação do contrato – assim, se espera menos ações indevidas congestionando o Judiciário. “O argumento de descumprimento por força maior, como uma questão meteorológica ou de infraestrutura, não é aceito em todo o Brasil, gerando indenizações. Queremos que se considere esses casos como fora de nossa responsabilidade”, pontuou Bartijotto, diretor jurídico da Latam e representante da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) no evento.

Não há divergências de que, para haver redução de litígios em transporte aéreo, há necessidade de se apostar em enfrentamento extrajudicial e melhora na eficiência dos canais de atendimento ao consumidor das empresas aéreas. “É importante que os consumidores conheçam seus direitos, porque há demandas de baixa complexidade que devem ser resolvidas com facilidade. Por outro lado, eles têm tido dificuldade com os canais de atendimento”, afirmou Juliana Domingues, secretária nacional do consumidor, do Ministério da Justiça. A pasta é responsável pelo consumidor.gov.br, que intermedeia a relação entre passageiros e empresas.

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