RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS

Pandemia reforça importância de RelGov em estados e municípios

Permissões de funcionamento também são definidas por tomadores de decisão locais, como governadores e prefeitos

RelGov
De janeiro a julho, o número de atos executivos de governadores foi 145% maior em relação ao mesmo período do ano passado; no legislativo estadual, o número de novos projetos de lei teve um salto de 76%. Dados são do Radar Governamental. Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil
brava

Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma unânime, que estados e municípios têm poder para definir as medidas necessárias no combate ao coronavírus no limite de suas competências. Ou seja, governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores podem tomar decisões sobre funcionamento de comércio, serviços e indústria, além de formulação de regras para evitar o contágio.

Coube aos tomadores de decisão locais definir o que poderia abrir, como o transporte público iria funcionar e quais espaços teriam restrição de circulação. O impacto pode ser visto em números. De janeiro a julho, o número de atos executivos de governadores foi 145% maior em relação ao mesmo período do ano passado; no legislativo estadual, o número de novos projetos de lei teve um salto de 76%. Em âmbito municipal, os atos executivos mais do que dobraram, com alta de 106%, já a quantia de projetos de lei foi 34% maior, de acordo com levantamento feito pelo Radar Governamental, que faz o monitoramento legislativo de 140 municípios.

No Itaú Unibanco, o volume de decretos e projetos de lei que impactam de forma direta o funcionamento das agências motivou a criação de um comitê, que se reúne todos os dias para falar desses atos. “Chegou um momento em que a demanda estava tão grande, que tive que acionar meu outro núcleo para auxiliar neste monitoramento”, conta Ana Paula Abi Daud, gerente de Relações Governamentais do Itaú Unibanco. “Alguns decretos diziam que a agências precisavam fechar por 15 dias. A pessoa não podia nem usar o caixa eletrônico”, lembra.

A pandemia aumentou o volume de tramitação em casas legislativas locais, que normalmente já votam mais matérias em relação ao Congresso. Essa produção maior se explica pelo fato de assembleias legislativas e câmaras municipais não precisarem de revisão de outra casa. “Em estados e municípios as tramitações são completamente diferentes. Além de temáticas diferentes, o Congresso é bicameral”, destaca Abi Daud. “Em estados e municípios não, o processo começa em uma casa e segue nela até o Executivo”, diz.

Segundo Juliana Celuppi, sócia-diretora do Celupppi Advogados e diretora executiva do Radar Governamental, na esfera federal, um projeto de lei leva, em média, quatro anos para ser convertido em norma legal. Já na esfera estadual e municipal, a média a inferior a dois anos. “Tem casas em que as leis tramitam em um ou dois meses. É muito mais dinâmico, então você tem que ser mais ágil na atuação”.

O fator numérico também tem influência. No Congresso, são 513 deputados federais e 81 senadores e, se a matéria envolver mudança na Constituição, são necessários os votos de três quintos dos parlamentares de cada Casa, em dois turnos, para aprovação. “Em São Paulo, onde há mais deputados estaduais, são 94. A tramitação ocorre de forma mais rápida”, afirma Fernando Ruiz Garcia de Almeida, gerente de relações governamentais da 3M. “A gente tem que estar sempre muito atento para encontrar a janela de oportunidade para poder falar de algum assunto para a empresa”.

Antes da pandemia, as casas legislativas locais já estavam sendo observadas com maior atenção pelos departamentos de RelGov, segundo especialistas da área. “A vida acontece em estados e municípios. Observamos um crescimento quase que exponencial da preocupação das empresas, das associações, com esse monitoramento em âmbito estadual e municipal”, destaca Mariana Castro, diretora de novos negócios da Vector, que é uma consultoria de relações governamentais e institucionais.

Monitoramento de RelGov em estados e municípios

Além da velocidade de tramitação, também há diferença na disponibilização de informações. Em âmbito federal, há uma ampla cobertura da imprensa das votações. Além disso, textos de projetos de lei, Medidas Provisórias, decretos e Propostas de Emenda à Constituição são todos acessíveis nas páginas oficiais do Congresso e do Planalto.

“Não existe uma homogeneidade no formato em que as informações são passadas em cada casa legislativa”, conta Castro. “Assembleias e câmaras municipais no estado de São Paulo, e também na região Sul, costumam ter as informações com uma disposição melhor e uma transparência muito maior nos próprios sites das casas legislativas, o que permite um monitoramento mais automatizado”, diz. “Às vezes tem sistema de acompanhamento de processo legislativo, mas nem todas as informações estão lá, então é preciso acompanhar a sessão plenária”, complementa Celuppi.

Outra fonte de informação são as redes sociais de prefeituras, vereadores e deputados estaduais. “Tem muito parlamentar que antes de apresentar um projeto acaba tuitando. Uso muito as redes sociais para me informar. Tem prefeitura que não tem site, mas que atualiza a página nas redes sociais”, pontua Ana Paula Abi Daud, do Itaú Unibanco.

“Principalmente em cidades menores, não há um diário oficial do município disponível ou o diário oficial do município é publicado uma ou duas vezes ao mês”, diz Mariana Castro, da Vector. “Às vezes conseguimos monitorar as informações na página do Facebook do prefeito. Tem cidade em que minha única fonte de informação é essa”.

Acompanhar o que os agentes envolvidos diretamente no tema em debate estão dizendo é outra forma de monitoramento. São os chamados stakeholders, que variam de acordo com a pauta. Se for algo ligado a reciclagem, por exemplo, os stakeholders seriam os líderes comunitários, associações de bairro, empresa de coleta e associação de catadores.

A FilterFeed criou uma plataforma justamente para fazer esse monitoramento. “Quando olhamos para estados e municípios, a única forma de saber se um projeto de lei está tramitando é através dos stakeholders e o que está sendo dito pelos parlamentares e a imprensa local”, explica Letícia Borges, cientista política e sócia fundadora da plataforma. “Os primeiros stakeholders monitorados são os próprios legisladores e os influenciadores do local. Cada empresa, cada setor tem stakeholders específicos”.

Os profissionais de RelGov também contam com o auxílio de colegas neste monitoramento. Os aplicativos de mensagem ajudam na hora de tirar dúvidas e compartilhar informações. “Eu devo ter mais de 50 grupos de RelGov no WhatsApp e no Telegram. Aí tem ‘RelGov Mato Grosso’, ‘RelGov São Paulo’, e há muitas trocas de informações, porque tem gente local”, revela Abi Daud. “É uma ferramenta que me ajuda muito”.

Diferenças na abordagem

Em junho, reportagem do Às Claras 2.0 mostrou que é praxe os profissionais de relações governamentais entregarem a tomadores de decisão notas técnicas para explicar, de forma ágil e resumida, o posicionamento da empresa, entidade ou associação que representam. Parlamentares do Congresso estão acostumados com as manifestações por escrito e às vezes, para encurtar a conversa, chegam a perguntar “tem uma nota técnica?”.

Em assembleias legislativas e câmaras municipais as notas também são apresentadas a deputados estaduais e vereadores, mas com uma linguagem diferente em relação ao Congresso. “Tem que falar na prática porque um projeto é bom ou ruim. É muito mais na prática do que na técnica”, explica Juliana Celuppi, do Radar Governamental. “É muito mais um bate papo do que um posicionamento. A gente leva nota técnica, mas é preciso adaptar seu discurso de acordo com o seu interlocutor”.

“Mudamos a linguagem, o conteúdo, no documento de posicionamento [nota técnica]”, explica Fernando Ruiz Garcia de Almida, da 3M. “Em nível federal, conseguimos detalhar um pouco mais os argumentos, já em âmbito estadual, tentamos buscar melhor o link da pauta do deputado com o que estamos buscando, e em uma linguagem mais simples, mais direta”.

O caráter de maior proximidade do parlamentar com a população também tem influência no modo como os projetos são analisados. “Nessas esferas, a política é mais feita com a comunidade, o parlamentar fica muito mais próximo do eleitor dele”, ressalta Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). “Você vai ter um líder comunitário para acesso ao parlamentar. Essa articulação fica mais importante”, diz. “O advocacy se apresenta como uma ferramenta mais fundamental. Com base nos dados empíricos, você consegue uma narrativa”, explica. “O impacto é muito direto, não precisa nem explicar muito [ao tomador de decisão]. A percepção é mais próxima”.

Dinâmica política

No Congresso, há uma divisão clara quanto aos posicionamentos de partidos e bancadas. Além disso, os líderes têm um papel importante na hora das votações.

Nas casas legislativas locais a dinâmica política é diferente e o mapeamento de posições exige uma leitura própria para cada parlamentar. “Vereadores e deputados estaduais têm uma atuação diferente. Porque quem elege um vereador, o elege geralmente por bandeira”, ressalta a cientista política Letícia Borges. “Se a gente olha a Câmara Municipal de São Paulo, tem o vereador dos bichinhos, tem o vereador dos taxistas. Então tem o vereador de causa, que tem seus aliados”, explica. “Já no Congresso, tem a questão de o vínculo partidário ser mais forte, o líder influencia mais, tem mais poder sobre como os parlamentares votam”.

O gerente de relações governamentais da 3M, Fernando Ruiz Garcia de Almeida, diz que no monitoramento estadual ele olha mais a pauta do deputado do que as diretrizes do partido ao qual pertence. Ele também destaca que em âmbito estadual há uma maior influência do Executivo. “Temos a percepção de que os projetos de lei de iniciativa do Executivo, ou que tem interesse do Executivo, tramitam mais rápido ainda”.

Por isso, há articulações que são feitas diretamente com o Executivo. Em São Paulo, há um exemplo recente: o Pacto pelas Cidades Justas. O projeto envolve organizações da sociedade civil que, em contato direto com a prefeitura, defendem uma governança compartilhada em bairros em situação de vulnerabilidade.

De acordo com Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setúbal e professora do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, a ideia é criar uma sinergia entre o poder público e os agentes locais. “Criar sinergia significa planejar onde as coisas vão ser colocadas e verificar o que dá maior benefício, ouvindo a população e pegando diretrizes”, explica.

Como exemplo, ela cita um eventual desencontro se uma secretaria municipal investir na construção de calçada em um lugar e outra pasta colocar postes em um local diferente. “Se fizer as duas coisas ao mesmo tempo, e no mesmo lugar, o resultado é diferente, é melhor”.

Por enquanto, o projeto trabalha em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. O objetivo inicial é melhorar o ambiente de conexão entre os equipamentos públicos e as residências da população.