Democratização do lobby

MP 948: o efeito Anitta

Cantora entende a força que tem e assumiu um papel importante neste novo mundo em que política pública virou pública

Foto: Fernando Maia/Riotur

“Botar emenda na MP não é diálogo!” Foi assim que a Anitta respondeu ao deputado Felipe Carreras (PSB) quando, durante uma live entre os dois, discutiam sobre a emenda que o deputado havia apresentado à MP 948. A emenda, que alteraria as regras para o pagamento de direitos autorais em eventos, não contava com o apoio da classe artística.

Inserir emendas em medidas provisórias (MPs) é uma tática antiga e amplamente utilizada para evitar a longa tramitação de um projeto de lei (PL) e obter sua aprovação sem a necessidade de um amplo debate. O que é novo, é uma cantora pressionar o autor da emenda numa live no Instagram. Com seus mais de 47 milhões de seguidores e talking points na ponta da língua, Anitta colocou o deputado num beco sem saída. Não demorou um dia para que o deputado voltasse atrás, enviando carta ao presidente da Câmara pedindo a retirada da emenda.

Hoje, qualquer um pode fazer lobby. O cidadão que inclui seu nome numa petição ou posta uma mensagem na página do Facebook de um deputado em prol ou contra uma proposta, está fazendo lobby.

Este lobby não tem face e sua força está nos milhares ou milhões de pessoas que se mobilizam em torno de uma causa. Mas quando a Anitta organiza uma live com um deputado para discutir sua emenda, ela cria um novo espaço – aberto e transparente – para o debate em torno de uma proposta de política pública.

É a tradicional reunião no gabinete de um deputado, mas para todos verem. Ela não repostou um tweet defendendo uma causa ou compartilhou com sua rede um link para uma petição, mas advogou diretamente pela retirada de uma emenda em tema de seu interesse.

O significado da live da Anitta é enorme, pois exemplifica de forma inequívoca a democratização do lobby.

Na sua essência, lobby nada mais é do que influenciar política pública. Se antes este era o domínio dos lobistas profissionais, a internet passou a oferecer esta oportunidade a todos. Isto é, as plataformas sociais e as ferramentas digitais reduziram drasticamente as barreiras que davam aos lobistas uma vantagem comparativa na hora de informar o decisor sobre os prós e contras de uma proposta ou comunicar a visão de um setor econômico, sindicato ou ONG.

A conversa se dava no gabinete de um deputado ou nos corredores do Congresso. No entanto, hoje a conversa se estende ao mundo online. Em meu livro “Lobby Digital – Como o Cidadão Conectado Influencia as Decisões de Governos e Empresas” a ser publicado pela ABERJE, falo sobre a lógica e a dinâmica deste novo ambiente em que o debate em torno de políticas públicas vai além dos espaços tradicionais e passa a contar com a participação de novos atores.

O engajamento de celebridades na votação de matérias no Congresso não é novidade. A chef Paola Carosella, por exemplo, participou ativamente da discussão em torno do PL do Veneno, que tratava do registro de agrotóxicos, indo a audiências públicas e postando sobre o tema em plataformas sociais como o Twitter.

A chef Bela Gil entrevistou uma representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) no seu canal do Youtube e chamou seus seguidores a participarem de uma consulta pública da Anvisa sobre a rotulagem de produtos alimentícios. No entanto, a Anitta, com mais de 47 milhões de seguidores no Instagram, traz ao debate uma nova dinâmica.

Muitos dos seguidores da Anitta são recém chegados ao mundo das políticas públicas, tal como a própria Anitta (o que ela reconhece nas suas lives). Tanto que ela já organizou três aulas no Instagram com a Gabriela Priori para explicar de forma simples temas como a organização do governo nas esferas federal, estadual e municipal, a relação entre os Três Poderes e alguns conceitos básicos da política, como a diferença entre direita e esquerda. E é isso que a Anitta nos mostra: que o poder está sendo redistribuído.

Numa live com o deputado Molon (PSB), esta para discutir a MP 910 que dispõe sobre a regularização das ocupações na Amazônia, Anitta diz:

“Eu quero que as pessoas, principalmente a minha geração, sintam interesse pela política e a entendam de maneira fácil, que é para a gente poder ser ativo e mudar as coisas que precisam ser mudadas, porque a gente tem este poder”.

Se num passado não muito distante se falava no ‘efeito Fantástico’ – quando uma matéria investigativa levava a uma ação pelo Executivo, Legislativo ou Judiciário – agora temos o efeito Anitta. Ela entende a força que tem e assumiu um papel importante  neste novo mundo em que política pública virou pública e onde todos podem influenciar as decisões de governo.

Neste novo ambiente, aumenta ainda mais a imprevisibilidade, complexidade e velocidade com que temas avançam, e organizações precisam repensar como melhor se conectarem com a sociedade e se estruturarem para não serem pegas de surpresa.

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