Pandemia

Covid-19: votações remotas dificultam atividade de RelGov no Congresso

Sem comissões, contato com parlamentares está restrito e debates foram reduzidos

Votações à distância impedem contato com deputados e senadores nos corredores. Resultado: menos espaço para a apresentação de argumentos aos parlamentares / Crédito: Leopoldo Silva/Agência Senado

Em 2016, dois advogados que representavam organizações da sociedade civil foram até Brasília expor a parlamentares preocupações quanto ao texto do projeto que culminou na Lei 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo.

O texto foi apresentado em regime de urgência, com tramitação mais rápida, pela então presidente Dilma Rousseff (PT), para tipificar crimes terroristas. Os advogados tinham pouco tempo para fazer a interlocução e, com auxílio da Rede Justiça Criminal, tiveram acesso a deputados e ao plenário da Câmara dos Deputados.

Ao conversarem rapidamente com o relator do projeto de lei, deputado Arthur de Oliveira Maia (DEM-BA), o alertaram que o texto continha a previsão de motivação política ou ideológica para atos terroristas.

“O deputado ouviu e riscou na hora, à caneta, a parte do relatório que falava disso. O documento foi lido por ele momentos depois no plenário e o projeto de lei foi aprovado sem essas disposições”, lembra Andresa Porto, que à época trabalhava na Rede Justiça Criminal e ajudou os advogados a terem interlocução com deputados. O argumento nesse trabalho de advocacy foi o de que toda manifestação tem uma motivação política ou ideológica, o que inviabilizaria qualquer protesto.

Na ocasião, o contato direto, corpo a corpo, foi fundamental para conseguir falar com o relator do projeto. Essa proximidade física com os parlamentares está inviável no momento por causa do coronavírus e pelo regime de votações à distância adotado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

A reportagem do JOTA ouviu profissionais de relações governamentais para saber como estão fazendo para conversar com os tomadores de decisão neste período e o que mudou na interlocução com os parlamentares.

“O acesso era muito mais simples quando podíamos entrar no Congresso. A gente tinha conversas rápidas com parlamentares ou assessores no corredor”, diz Andresa Porto, atualmente consultora da Pulso Público, que presta consultoria política para organizações da sociedade civil e empresas com compromisso social e ambiental. “O corpo a corpo acabou e não há discussões em comissões. Por isso, estamos distribuindo aos parlamentares notas técnicas e papers de referência”, explica Paulo Gontijo, diretor-executivo do Livres.

O Livres é uma associação civil sem fins lucrativos que atua como um movimento político suprapartidário em defesa do liberalismo. No fim de março, a associação elaborou uma nota técnica elencando oito eixos de ação que considera útil no combate à pandemia, incluindo: Bolsa Família Emergencial, crédito especial para micro e pequenas empresas, e redução de privilégios. “A nota técnica circulou por partidos, parlamentares que fazem parte do Livres, além de associados”, destacou Gontijo. “Hoje temos uma situação com menos debate, é meio que um Congresso de guerra. Para quem está de fora, fica uma sensação de alijamento, porque em Brasília era possível acompanhar as comissões, entrar nas salas”.

Também há a sensação de menor transparência na elaboração da pauta. “A pauta continua sendo definida na reunião de líderes, também feita à distância”, conta Saulo Porto, CEO da ONG Dado Capital, plataforma de tecnologia para gestão de risco regulatório. “A gente conseguia acompanhar esse processo no Congresso e falar com as lideranças”, ressalta Porto. “Agora temos incertezas até sobre o horário do colégio de líderes”, complementa Andresa Porto, da Pulso Público.

“Em tempos normais, você tem a possibilidade de ir até o gabinete do parlamentar apresentar um ofício. E no atual cenário não tem essa possibilidade”, lembra Juliana Celuppi, sócia-diretora da Celuppi Advogados e diretora-executiva do Radar Governamental. “E não vejo uma organização de outros meios para se fazer esses contatos se você não tiver o celular do parlamentar ou dos assessores”.

Celuppi, no entanto, destaca um aumento de transparência nas deliberações de algumas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. “Tenho observado a melhoria na digitalização no processo legislativo no âmbito das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais”, diz. “Há Casas, por exemplo, que passaram a transmitir a sessão plenária pelo YouTube”. A advogada também ressalta que alguns Legislativos locais estão dando destaque ao enfrentamento da Covid-19, com disponibilização de todas as ações que estão sendo tomadas em relação à doença.

Saulo Porto, da Dado Capital, avalia que a frequência de encontros pessoais com parlamentares vem diminuindo e a pandemia acelerou um processo que estava em curso, de maior importância do espaço digital. “O parlamentar quer ouvir o cidadão, o eleitor, que se tornou nos últimos anos o stakeholder mais importante”, diz.

Andresa Porto discorda, e entende que a presença física no Congresso continua sendo importante: “costumo dizer aos nossos parceiros que não ficam em Brasília que eles têm que vir para cá, porque tem uma coisa de estar com o pé no Congresso. As informações circulam ali nos corredores, você cruza com líderes, com deputados, com assessores”.

Mesmo com o aumento de eventos online, as ações presenciais na ponta, chamadas de grassroots, também vão continuar sendo relevantes no pós-pandemia. “É muito difícil fazer ação direta com o cidadão quando você não consegue juntar gente”, afirma Paulo Gontijo, diretor-executivo do Livres. “Quando não podemos reunir as pessoas presencialmente, fazemos isso de forma digital, mas não é a mesma coisa”, avalia. “Resolve? Resolve, mas não é o ideal, não é como já foi, e não é como vai ser depois da quarentena”.

Organizações fora de Brasília, com atuação local, também experimentaram mudanças de rotina e de foco com a quarentena.

Em São Paulo, a AME Jardins foi acionada pela prefeitura para ajudar na conscientização da importância do isolamento social. “Fizemos faixas com a frase ‘ficar em casa é um ato de amor’ e colocamos em pontos de maior frequência, principalmente as praças”, conta Daniela Cerri Seibel, presidente da organização que representa os interesses dos moradores dos Jardins, que engloba quatro bairros da capital paulista.

Ao perceber um movimento grande nas praças, a associação enviou um ofício para a prefeitura pedindo a interdição de equipamentos de atividade física, mas não teve êxito. “Recebemos uma devolutiva da prefeitura dizendo que não há legislação para a intervenção dos equipamentos”, explica Seibel.

No início da pandemia, moradores alertaram a associação que servidores públicos não estavam usando equipamentos de proteção individual e surgiu a ideia de fazer arrecadações. “Com doações de moradores, compramos máscaras, luvas, álcool em gel e faces shields para disponibilizar aos órgãos até que recebessem do governo”, diz Seibel.

Segundo João Maradei, consultor da AME Jardins, não está havendo dificuldades na interlocução com a prefeitura. “Eles estão atendendo, orientando, e percebo uma maior cautela quando falam de ações futuras por causa de orçamento. Na Câmara Municipal, as atenções estão mais voltadas para a Covid”, diz Maradei. “Quando voltarmos à normalidade, teremos foco principalmente em zeladoria, que nesse momento tem ficado de lado. Mas sabemos que haverá restrições por causa de verba”.

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