RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS

Como fazer uma nota técnica ou um paper para RelGov

Material é fundamental para que tomadores de decisão possam ouvir diferentes vozes da sociedade civil

PDL
Sessão na Câmara dos Deputados / Crédito: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados tem 25 comissões permanentes, com colegiados específicos para temas como Agricultura, Esporte, Educação, Minas e Energia, e Direitos Humanos e Minorias. Cada parlamentar pode compor até duas comissões permanentes, mas vota em todas as matérias que chegam ao plenário. A gama de assuntos tratados é imensa, já o tempo disponível para ouvir e entender os argumentos das partes envolvidas nas pautas é escasso.

“É impossível que os parlamentares tenham um conhecimento amplo e profundo a respeito de tudo, então precisam consultar a sociedade civil sobre os temas que estão discutindo”, destaca Eduardo Galvão, diretor de Relações Governamentais da BCW Burson Cohn & Wolfe e professor de Relações Institucionais do Ibmec.

Para facilitar o acesso às informações dos envolvidos diretamente nos projetos em pauta no Congresso, parlamentares e assessores recebem manifestações por escrito. O nome desses textos varia, mas o mais comum é serem chamados de nota técnica ou paper.

Há dois modelos de manifestação: o conciso, com informações mais diretas e usado para o tomador de decisão entender o tema de forma rápida, e o mais completo, com estudos aprofundados.

Nesta reportagem, para fins de padronização, vamos nos referir às manifestações mais curtas como nota técnica e às mais longas como paper.

O JOTA ouviu seis profissionais de relações governamentais e todos foram unânimes com relação ao tamanho de uma nota técnica, o ideal é que tenha duas ou três páginas.

Também há consenso quanto à linguagem, que precisa ser a mais simples possível em notas direcionadas ao Legislativo. “Não adianta usarmos o linguajar político à máxima potência porque não funciona no Congresso, nosso parlamento ainda tem traços muito informais”, explica Carolina Venuto, relações institucionais do escritório Ética e Inteligência. “Tem que ser uma linguagem simples, acessível, porque o parlamentar precisa aprender, absorver o máximo possível e conseguir subir na tribuna para falar sobre aquilo”, complementa Galvão.

“Muitas vezes, o parlamentar leva esse material à tribuna e lê na íntegra, então tem que ser algo resumido, mais simples”, diz Stella Mattos Batista, executiva de relações governamentais do Banco do Brasil. “O propósito é sempre explanar o problema, adequar hipóteses, analisar os dados e concluir ou, eventualmente, recomendar”.

“Gosto muito do estilo padrão, jornalístico, com texto em pirâmide invertida, sempre sendo o mais sintético possível”, descreve Vítor Oliveira, cientista político e sócio da Pulso Público, que presta consultoria política para organizações da sociedade civil e empresas com compromisso social e ambiental. A pirâmide invertida, citada por Oliveira, é uma estrutura textual muito usada no jornalismo e que consiste em abir o texto com as principais informações já no primeiro parágrafo, com apresentação de fatos secundários na sequência.

“Procuro colocar muito número, muita evidência técnica, e muito infográfico, para a pessoa pegar várias mensagens sem precisar ler nenhuma palavra”, explica Eduardo Galvão. “Os infográficos, as cores, as figuras, têm um poder muito grande”.

Se a nota for endereçada a um tomador de decisão especificamente, pode ter um caráter mais personalizado. “De repente trazer o impacto daquele projeto na região do parlamentar. Falar: olha, lá no estado do senhor tantas pessoas vão ser afetadas dessa forma pela proposta que o senhor está apresentando”, exemplifica Carolina Venuto. “É muito bom quando você consegue identificar um CPF para a sua demanda, com um caso específico, com fotos, gravuras, depoimentos de pessoas”.

A nota também tem importância na construção de imagem de uma organização, empresa ou instituto. “Tentamos, na nossa linguagem, começar do ponto mais simples possível ”, destaca Magno Karl, cientista político e diretor de políticas públicas do Livres. Nas notas produzidas pelo Livres, ao fim sempre há recomendações em formato de bullet points.

“Recomendo ao cliente sempre fazer a nota, para termos inclusive um registro da nossa manifestação, fica mais fácil também de conversarmos com as autoridades”, explica Venuto.

Vitor Oliveira, da Pulso Público, faz a ressalva de que às vezes a nota não é necessária. “Tem alguns casos em que pode ser mais estratégico não chamar a atenção para o debate. E a nota técnica é justamente um mecanismo de comunicação para chamar atenção”, pontua. “Avaliamos caso a caso. Não é necessariamente sempre que tenho uma nota técnica”, afirma Ana Carolina Carregaro, head de relações institucionais e governamentais de Brasília da BRF.

Paper

Manifestações mais longas permitem um aprofundamento maior no tema abordado e, em geral, são produzidas de modo mais segmentado.

No Banco do Brasil, esses materiais mais aprofundados são escritos por técnicos especializados e a decisão pela produção vem do corpo diretivo. “Os comitês, a diretoria da empresa, o conselho de administração, são os componentes do processo decisório que têm alçada para deferir e para levar isso adiante”, explica a executiva de RelGov do Banco do Brasil, Stella Mattos Batista. “É um instrumento destinado a expor um assunto ou propor soluções à instância decisória. Deve conter as decisões adequadas e informações suficientes para a tomada de decisão”.

Há casos em que a produção do material é terceirizada pelo fato de a empresa ou instituto não ter um corpo técnico interno de pesquisa. O Centro Sesi de Inovação em Higiene Ocupacional do Rio de Janeiro, por exemplo, realiza pesquisas para fornecer soluções à indústria.

O centro faz estudos para setores como petróleo, petroquímico, energia e cosmético. “Nosso papel é buscar informações, produzir conhecimento de forma independente, para que a empresa que nos contratou possa usar essas informações”, explica Antonio Fidalgo, pesquisador chefe do Centro Sesi de Inovação em Higiene Ocupacional. “Tudo o que a gente apresenta é com base em evidência científica, e nos restringimos a apresentar os dados. A defesa de interesse fica com a empresa, senão perdemos nossa imparcialidade”.

Importância de dados técnicos

No governo do presidente Michel Temer, foi publicado o Decreto 9203/2017, que dispõe sobre “a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundamental”.

“Esse decreto trouxe contornos de governança para a gestão de políticas públicas e a obrigatoriedade de análise ex ante, de evidências para determinar políticas públicas”, afirma Eduardo Galvão. “Também no governo Temer, foram publicados guias de governança, guia de análise ex ante, e guia de análise ex post de políticas públicas”, completa.

O Guia de Política de Governança Pública é de 2018 e foi elaborado de forma conjunta pela Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU). Na apresentação, o guia diz que tem como objetivo “permitir que as instituições se assegurem de que suas ações estão, de fato, direcionadas para objetivos alinhados aos interesses da sociedade”.

“A administração pública federal tem se pautado por esses critérios para definir políticas públicas”, lembra Galvão. “Nós, que estamos do lado de cá, temos que falar a mesma língua. Esses guias não são normas obrigatórias, mas são orientativas”.

Além disso, há o Manual de Redação da Presidência da República, cuja última edição é de 2018. O Banco do Brasil, por ter uma parcela pública, segue o manual na formulação das manifestações. “As redações de atos oficiais, segundo esse manual, precisam seguir algumas regras que disciplinam a atuação política, que é o artigo 37 da Constituição”, destaca Stella Mattos Batista, executiva de RelGov do banco. O artigo 37 da Constituição diz que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Como entregar

O ideal é fazer a entrega pessoalmente aos tomadores de decisão, o que é inviável atualmente devido ao isolamento social imposto pela pandemia. “Como essa atividade de RelGov envolve diálogo, convencimento, o contato presencial é muito importante”, defende Batista. “Um dos nossos grandes desafios agora na época da Covid-19 é essa ausência do contato presencial. Até pela natureza do Congresso, a gente precisa estar ali presencialmente”.

Eduardo Galvão, diretor de RelGov da BCW Burson Cohn & Wolfe, também entende como uma boa prática levar o documento em mãos, para poder entregar ao tomador de decisão e aos assessores. “Também mando por e-mail, porque ele vai usar o material para redigir algo, então você facilita a vida dele, que vai poder fazer Ctrl C + Ctrl V, aproveitando trechos do seu documento para reescrever em outro documento”.

No Livres, o envio sempre é feito é feito por WhatsApp e, antes da quarentena, também pessoalmente. “Tem parlamentar que gosta de recebe em papel”, lembra Magno Karl, diretor de políticas públicas da associação sem fins lucrativos que atua como movimento político suprapartidário em defesa do liberalismo.

“A parte analógica da política ainda conta muito”, avalia Vítor Oliveira, da Pulso Público. “Ter condições de olhar no olho do assessor e fazer um pitch de elevador ainda vale muito”, completa.

Eficiência das notas

Em 2019, a BRF produziu uma nota para se posicionar a favor da Medida Provisória 903, que tratava da autorização para prorrogar contratos de médicos veterinários que trabalham no Ministério da Agricultura, Pecuário e Abastecimento. Um dos deputados que recebeu a nota e a citou em plenário foi Domingo Sávio (PSDB-MG). “O deputado falou da importância da aprovação da MP para manter os contratos. É um dos casos em que percebemos que a nota tem, sim, um retorno”, diz Ana Carolina Carregaro, head de relações institucionais e governamentais de Brasília da BRF.

Uma nota do Livres também se mostrou efetiva recentemente na Câmara, mais especificamente na comissão especial que discute a viabilização do comércio de medicamentos que contenham extratos, substratos ou parte da planta Cannabis sativa em sua formulação. “Percebemos que havia a tendência de que fosse permitida a manipulação de medicamentos à base de Cannabis, porém, havia uma restrição à permissão de plantação de Cannabis no Brasil”, lembra Magno Karl. “Mandamos notas para aqueles que estavam indecisos na questão e vimos partidos com posicionamento a favor da plantação de Cannabis no Brasil”. A discussão sobre o tema segue aberta na comissão especial.

Com a palavra, os assessores

A reportagem do JOTA ouviu assessores parlamentares e suas percepções vão na mesma linha do que relataram os profissionais de relações governamentais.

“Notas técnicas são úteis na medida em que trazem informações confiáveis e ajudam a expor os pontos de vista dos diversos setores com argumentos técnicos”, afirma José Oswaldo Cândido Júnior, assistente legislativo da senadora Kátia Abreu (PP-TO). Ele diz que o ideal é que o material tenha até três páginas e prefere a apresentação do conteúdo em tópicos, os bullet points, que, na visão dele, tendem a condensar a informação de modo mais objetivo. E qual é a melhor forma de entrega? “Prefiro receber por WhatsApp, e o PDF é o melhor formato para distribuição e entrega”, diz Cândido Júnior. Segundo o assessor, as notas tiveram papel importante no convencimento e aprovação no projeto que tratou do Cadastro Positivo.

Para Adalberto Ferreira Romar, assistente legislativo do deputado Nelson Barbudo (PSL-MT), também é importante receber o material em papel. “O formato eletrônico facilita o recebimento e a primeira leitura, mas no papel a gente tem um panorama mais frente a frente com o parlamentar e pode opinar, riscar, questionar enquanto passa a pauta legislativa com o assessor”, argumenta. Romar diz que a manifestação ideal deve ter tabelas, proposição original, as alterações propostas e nota explicativa. Ele ressalta ainda que as notas fazem diferença em discussões que envolvem temas como transgênicos e defensores agrícolas.

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