Decisões

Locação por temporada não configura prestação de serviço turístico

Judiciário mantém aplicação de legislação que protege proprietários no aluguel de imóveis por temporada

locação por temporada
Crédito: Pexels

Opções de acomodações em viagens de lazer ou a trabalho para diversos destinos no mundo foram ampliadas desde que turistas puderam passar a locar imóveis por curta temporada, inclusive por meio de plataformas digitais, como o Airbnb.

O Airbnb nasceu em 2007, quando dois anfitriões receberam três hóspedes em sua casa em São Francisco. Eles ofereciam somente uma cama de ar (airbed) e café da manhã (breakfast): o nome e o conceito inicial do Airbnb. Com isso, eles criaram um modelo inédito no setor de viagens, em que viajantes que procuram uma maneira diferente de viajar se conectam diretamente com pessoas que compartilham espaços em suas propriedades.

“Quem procura plataformas de locação por temporada deseja um espaço caseiro, o sentimento de pertencimento ao local da viagem”, avalia o advogado Raphael Donato, sócio do Terciotti, Andrade, Gomes, Donato Advogados.

Com finalidades de mercado distintas, nada mais natural que a regulação e a Justiça diferenciem o serviço de hotelaria e a locação de imóvel residencial por aplicativo. É justamente esta diferença que serviu de baliza no Judiciário para decidir que a locação por temporada pelo Airbnb não configura atividade comercial ou hoteleira.

Um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (processo nº 1009601-48.2016.8.26.0100) destaca que condomínios não podem impedir anfitriões do Airbnb de alugarem seus imóveis sob o fundamento de que seriam locações tipo hotelaria, visto que esta locação tem natureza residencial e não se confunde com serviços hoteleiros.

“O fim comercial estaria configurado caso o locatário passasse a desenvolver atividade comercial no local, tal como um escritório, um ponto de vendas, uma loja, etc. Não sendo esse o caso, o fim residencial não se altera pelo fato de mais de um locatário utilizar da mesmíssima forma o local caso fosse ocupado por um único locatário”, diz o desembargador Hugo Crepaldi,  .

A locação é a disponibilização de um espaço para uso e não envolve a prestação de serviços de hospedagem. Já a atividade realizada por meios de hospedagem combina a prestação de serviços de alojamento e outros serviços acessórios como: serviços de copa, arrumação, recepção e outros. Além disso, os preços são tabelados e há inspeções constantes de funcionários.

É a existência desses serviços acessórios que enquadra um empreendimento na categoria hoteleira, como exige a Lei Geral do Turismo (Lei 11.771/2008), destacam os advogados Marcos Prado e Vicente Coni Junior, sócios do Cescon Barrieu. “Não faz parte do escopo oferecido aos usuários da plataforma a entrega de serviços assessórios e obrigatórios de hospedagem”, explicam Prado e Coni Junior.

Por força dessa finalidade específica, os hotéis apresentam regulação distinta daquelas aplicável aos aluguéis residenciais de curta temporada, como o oferecido por anfitriões via Airbnb, que mantém sua característica residencial como qualquer locação sujeita à aplicação da Lei do Inquilinato

“O Airbnb é só uma plataforma de conexão entre proprietários locadores de imóveis residenciais e os interessados nessa locação”, resume Ubaldo Juveniz dos Santos Junior, sócio do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados.

“O proprietário que usa o Airbnb para chegar ao locatário não oferece qualquer serviço, diferentemente dos hotéis, onde tem arrumação, café da manhã, por exemplo”, acrescenta.

A Lei Geral do Turismo regula esses empreendimentos hoteleiros, destaca a advogada Kelly Durazzo. Já o aluguel por temporada é regulado pela Lei do Inquilinato, cuja locação é destinada à residência temporária do locatário, por prazo não superior a 90 dias.

“Em regra, as locações realizadas por plataformas digitais não configuram contrato de hospedagem, regido pela Lei nº 11.771/2008, pois o proprietário não atua de forma profissional e os espaços disponibilizados são imóveis residenciais”, sintetiza Rodrigo Neiva Pinheiro, sócio de Perdiz de Jesus Advogados.

Para além das regulações distintas, o Código Civil e a Constituição Federal garantem ao proprietário que ele possa alugar seu imóvel, o que inclui a locação utilizando-se da plataforma Airbnb, como decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Processo nº 5165508-71.2018.8.13.0024).

“É ilícita a proibição da locação do imóvel de forma temporária, por privar o condômino do regular exercício de direito de propriedade”, diz o acórdão relatado pela desembargadora Evangelina Castilho Duarte, em maio de 2021.

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