Os brasileiros fazem mais de 21,4 milhões de viagens a cada ano, de acordo com a PNAD Contínua Turismo. E, seja para relaxar, para trabalhar ou para visitar a família, as pessoas em deslocamento precisam decidir qual é a hospedagem que melhor se adapta ao perfil da viagem e a suas necessidades específicas.
O aluguel por temporada por meio de plataformas especializadas, como o Airbnb, por exemplo, apresenta uma gama diferente de opções de hospedagens e destinos de viagem.
No país, há um robusto conjunto de normas que confere legalidade ao aluguel por temporada, uma prática conhecida e expressamente autorizada pela legislação brasileira em uma série de dispositivos, mas centralizada na Lei do Inquilinato (Lei nº 8245/1991), que considera locação por temporada “aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.
Outro dispositivo que confere o direito ao aluguel por temporadas é a Lei de Condomínios (Lei nº 4.591/1964). De acordo com essa legislação, “cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses”.
Além das duas legislações específicas, especialistas em Direito Imobiliário destacam que o Código Civil Brasileiro, que regulamenta locações em geral e, principalmente, o direito constitucional à propriedade, são dispositivos que dão ainda mais segurança ao aluguel por temporada no país.
Nos últimos anos, alguns condomínios passaram a acionar a Justiça na tentativa de impedir ou limitar o direito do aluguel por temporada no Brasil, o que tem gerado dúvidas em locadores, apesar do amplo arcabouço já existente.
Especialistas em Direito renomados já destacaram, em diversos pareceres, que os condomínios não têm direito de vedar a modalidade e, quando assim o tentam, vão de encontro à legislação e à Constituição Federal.
Hoje, eles frisam que não existem leis federais que impeçam o aluguel e nem mesmo que limitem o direito do proprietário de alugar seus imóveis por temporada, com limite de 90 dias, ou a longo prazo, superior a 90 dias.
Legalidade reforçada
Na avaliação do advogado Jorge Cesa, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e autor de diversos livros e artigos sobre Direito Civil, condutas que visem proibir ou limitar o direito de alugar são ilegais e podem, no limite, até gerar indenizações.
“Os condomínios não podem vedar o aluguel da unidade autônoma, objeto do direito de propriedade alheio. Há expressa disposição legal autorizativa na Lei do Inquilinato e o condomínio não tem competência para regular tal matéria”, argumentou Cesa em parecer.
Essa posição é confirmada por Anderson Schreiber, professor de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em parecer. Para ele, proibir a locação por temporada “revela-se incompatível com a função social da propriedade”.
Cristiano de Sousa Oliveira, que é consultor jurídico condominial e membro da Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), pontuou que a locação por temporada “não afeta a finalidade residencial das unidades condominiais ou do empreendimento condominial, descritas na instituição condominial”.
Para ele, essa é “uma faculdade derivada do direito de propriedade e um exercício de princípios da ordem econômica, ambos garantidos pela Constituição Federal”.
“Pode o proprietário desfrutar do bem como quiser, sujeitando-se apenas às limitações legais impostas em razão do interesse público ou da coexistência do direito de propriedade de outros titulares”, entendeu o jurista.
Decisões
Em todo o país, provocado, o Poder Judiciário tem proferido decisões sobre a questão. Uma parte delas é contraditória, mas boa parte reforça a legalidade do aluguel por temporada. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) já decidiu, em diversas ocasiões, que os condomínios não podem impedir o anfitrião de alugar seu apartamento por meio das plataformas digitais, como o Airbnb.
Nestas decisões, os desembargadores paulistas consideraram que as locações por poucos dias não transformam o apartamento em imóvel comercial nem em um hotel. Assim, não há razão de se proibir a locação.
“A locação por temporada é aquela de até noventa (90) dias, não se vislumbrando qualquer outro requisito para sua caracterização, tampouco exceção para caso de intermediação por terceiros, seja uma Imobiliária, um Corretor, um “site”, um aplicativo ou qualquer outra plataforma digital”, escreveu Daise Fajardo Nogueira Jacot, da 27ª Câmara de Direito Privado do TJSP, em julgado de 2019. Também não se há dizer que a locação por curto prazo caracteriza modalidade de hospedagem (…) Assim, “a priori”, a proibição de “qualquer tipo de locação de curto prazo no edifício, em especial aquelas oriundas de plataformas digitais”, imposta pelo Condomínio, implica indevida restrição ao direito de propriedade do autor…’, analisou a magistrada ao julgar o caso de número 1066793-65.2018.8.26.0100.
Decisão semelhante foi proferida em Santa Catarina em que o Tribunal de Justiça local já chegou a anular uma assembleia que tentou proibir a locação por temporada em um condomínio. O processo tramitou com o número 0000659-83.2013.8.24.0139.
O mesmo Tribunal também já impediu condôminos de proibirem a locação por meio de plataformas digitais, ao entender que o anfitrião é amparado pelo direito constitucional de propriedade sobre o apartamento e, então, pode alugá-lo por temporada. Este caso tem o número de 4014239-84.2018.8.24.0900.
“Tem-se que preponderam os direitos individuais do morador de usar, fruir e dispor do apartamento de sua propriedade em detrimento ao rigor da convenção do condomínio, mesmo porque não se vislumbra prejuízo à coletividade de moradores o simples fato de se permitir a locação por temporada”, concluiu o desembargador Selso de Oliveira.
Há diversas decisões espalhadas pelo país que também reconheceram que as locações por temporada, mesmo sendo por curto prazo, têm caráter residencial, no mesmo sentido de locações comuns. Outro exemplo é o processo de número 0107553-45.2016.8.19.0001, do TJRJ.
Apesar do amplo posicionamento do Judiciário em relação ao tema, houve também pontual decisão do Superior Tribunal de Justiça que, em um caso específico, conferiu direito ao condomínio de restringir o direito à propriedade do dono do imóvel, em razão deste ter alterado as características do imóvel para prestar serviços similares aos de hospedagem, o que não se verifica na maioria das locações por temporada realizadas via plataforma digitais.
O advogado Rodrigo Neiva, sócio da Perdiz de Jesus Advogados, avalia que o Poder Judiciário deve ter cautela ao se manifestar sobre o tema nesse sentido, principalmente ao considerar a importância das novas plataformas e modalidades de negócio para a economia do país, inclusive em regiões marcadas tipicamente pelo turismo.
“Avalio que é ilegal proibir a locação por curto prazo”, considerou. “Essa é uma realidade que não tem como voltar atrás. Até locações tipicamente residenciais a tendência é por meio digital. Não tem volta”, enfatizou o advogado.
Em sentido semelhante, o advogado Rodrigo Fialho Borges, do PGLaw e professor da FGV-SP, afirmou que as decisões do STJ são aplicadas caso a caso. Segundo ele, cada um tem a sua peculiaridade. “Não é possível estabelecer uma regra geral”, frisou Borges.
Para Luciana Lorenti, sócia do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados Associados, a legislação brasileira já fornece meios adequados para interpretar situações relacionadas ao aluguel por temporada. “Não há dúvidas de que a locação por temporada é válida no Brasil. O que existem são questões a serem discutidas caso a caso”, ponderou a advogada.