Parcela pequena das doenças raras ou ultrarraras já identificadas possui medicamentos específicos para o tratamento. Em alguns casos, eles são registrados, mas não estão disponíveis a todos os pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS). A CASA JOTA discutiu, em webinar patrocinado pela BioMarin nesta quinta-feira (3/2), um desses casos.
Hoje, não há tratamento específico para a ultrarrara lipofuscinose ceroide neuronal tipo 2 (CLN2) no SUS. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou o registro de um medicamento, o alfacerliponase, da farmacêutica BioMarin, único existente para a doença. Porém, isso não garante a adoção imediata pelo sistema de saúde.
Em outubro do ano passado, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) recomendou que o tratamento não fosse incorporado, e o tema passou por consulta pública no mês seguinte. Agora, o órgão precisará tomar uma nova decisão sobre recomendar ou não a tecnologia. A partir do parecer, a adoção caberá à Secretária de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde.
A CLN2, também conhecida como um dos tipos da doença de Batten, é caracterizada por mutações genéticas que causam uma deficiência da enzima lisossomal tripeptidil-peptidase 1. Na prática, ela compromete o sistema nervoso central no início da infância, por isso a CLN2 é uma doença ultrarrara grave, neurodegenerativa e fatal.
Geralmente, os primeiros indícios dela são observados a partir dos dois anos de idade, com efeitos na fala e crises epilépticas. Já no início da adolescência, a doença se torna debilitante e progride até a morte. Desde 2006, foram identificados 25 casos de CLN2 no Brasil. Porém, se estima que o número seja três vezes maior.
“O primeiro sinal dessa doença pode ser o atraso da fala, que muitas crianças não chegam a desenvolver. As convulsões se tornam cada vez mais frequentes, mostrando o grau de severidade e o quão catastrófica ela é”, afirmou Carolina Fischinger, médica especialista em genética médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
“É importante que se tenha acesso a diagnóstico e tratamento, inclusive porque se trata de uma doença genética rara que pode ter outros casos na família”, completou.
Segundo a avaliação do Ministério da Saúde, as evidências clínicas
apontam para eficácia do tratamento de CLN2 com alfacerliponase em retardar a progressão da doença, mas ainda há dúvidas sobre o ganho de anos de vida
após o diagnóstico da doença.
“Essa doença é devastadora, mas, a partir do momento em que a criança tem acesso ao tratamento, ela consegue deter o avanço da doença e passa a reaprender”, afirmou Monica Aderaldo, presidente da Federação de Doenças Raras Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Fedrann).
Ela relatou que há, atualmente, 15 crianças diagnosticadas com CLN2 no Brasil, de acordo com o acompanhamento da organização. “A maioria das doenças raras não tem tratamento eficaz, só paliativo, mas a CLN2 tem. Temos que ser mais ágeis do que a doença, senão a criança terá sequelas irreversíveis e irreparáveis”, disse.
A avaliação da Conitec estima que o custo incremental por paciente com a incorporação do medicamento seria de R$ 38,5 milhões. “Há o direito à saúde, se tratando de medicamentos aprovados. Mas uma família sozinha não deve buscar esse direito, ela precisa ser apoiada. Estamos falando de 15 crianças, mas precisamos criar uma política pública sobre isso”, disse o senador Flavio Arns (Podemos-PR).
“Medicamentos para doenças raras são caros, até porque a indústria farmacêutica não é filantropia. Mas acreditamos que, uma vez que o tratamento é incorporado, o preço dele tende a cair, já que o Ministério da Saúde é o único comprador e tem poder de barganha”, defendeu Aderaldo.