CORONAVÍRUS

‘Setor de saúde como um todo vai sair maior dessa crise’, diz ex-diretor da ANS

JOTA recebeu 3 ex-diretores da ANS, Anvisa e Anac em webinar inaugural sobre regulação em tempos de pandemia

requisição de leitos STF ANS
Crédito: Pixabay

 Hábitos adquiridos de maneira compulsória durante a pandemia de coronavírus, como ponderar a necessidade de deslocamento ao pronto-socorro, devem mudar o setor de saúde no pós-crise. Além do lado comportamental, houve uma valorização à telemedicina, liberada no período de pandemia em portaria do Ministério da Saúde. Para Leandro Fonseca, ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), “o setor vai ter que se adaptar a esses novos hábitos”.

Também será necessária adaptação na regulação sanitária do país. “É preciso aceitar mais risco, e isso é muito difícil, porque o costume é sempre proteger mais”, diz Renato Porto, ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Aceitar riscos passa, naturalmente, por uma qualificação nas escolhas da população. Isso favorece o desenvolvimento econômico e de pesquisas no país”.

No setor aéreo, um dos mais impactados pela crise do coronavírus, a previsão é de maior cuidado para evitar contato entre passageiros e tripulação. “Existe a possibilidade de que a Covid-19 seja em termos sanitários o mesmo que o 11 de setembro foi do ponto de vista de segurança”, avalia Ricardo Fenelon, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “Acredito que veremos uma mudança de comportamento, pelo menos nos próximos seis meses”, afirmou. “Não duvido que seja aprovada uma obrigação de os passageiros voarem com máscaras e também a proibição do serviço de bordo em voos curtos para evitar o contato”.

Segundo Fenelon, companhias aéreas já estão mudando o processo de seleção de assentos para permitir que todas poltronas do meio estejam bloqueadas e os passageiros sentem com uma maior distância.

Leandro Fonseca, Renato Porto e Ricardo Fanelon participaram nesta quarta-feira (15/4) do webinar inaugural do JOTA para discutir regulação em tempos de pandemia. Eles conversaram durante pouco mais de uma hora com o sócio-fundador e diretor de conteúdo do JOTA, Felipe Recondo.

O primeiro assunto abordado foi o setor de saúde suplementar, que desde o fim de março passou a ser menos acionado para consultas e procedimentos eletivos. “Houve um recuo nessa utilização, mas acho que é um recuo que se assemelha ao recuo do mar antes do tsunami. Vão vir algumas ondas”, pontuou Leandro Fonseca, que já comandou a ANS. “A primeira onda deve ser da inadimplência, já que nos últimos anos o que mais cresceu foi a contratação de planos por pequenas e médias empresas”, explicou.

“O impacto vai depender da composição da carteira. As operadoras com mais clientes nos setores afetados diretamente pela crise serão as que mais vão sofrer”. A previsão, segundo Fonseca, é que “devem ficar algumas operadoras pelo caminho”.

De acordo com o ex-diretor da ANS, haverá a segunda onda do “tsunami” ocorrerá  quando as internações começarem a acelerar por causa da Covid-19. Nesse momento, os hospitais de pequeno porte devem ser os mais afetados porque tiveram o movimento reduzido em outras frente justamente por causa do coronavírus. “Esses hospitais de pequeno porte encaram o aumento da contaminação por Covid-19 em uma situação de fragilidade de caixa, é o oposto das operadoras”.

Fonseca também lembrou dos laboratórios. “Os exames sem relação com o coronavírus acabaram sendo adiados por causa do isolamento social”. Para ele, “todos os setores serão bastante afetados e vão passar por regulação”.

Sobre a postura da ANS nesse momento mais emergencial, o ex-diretor avalia que “é razoável se esperar um certo conservadorismo”. “É preciso um apoio das áreas técnicas na construção conjunta de uma solução. A autoridade pública fica muito vulnerável nessa situação, de tomar decisões sem ter acesso a informações”.

Leandro Fonseca é otimista, entende que “o setor de saúde como um todo vai sair maior dessa crise, a sociedade está vendo a importância do setor de saúde”. “A crise está mostrando como não ter saúde impacta a economia, saúde está intimamente ligada à riqueza”, lembra. “A falsa dicotomia entre saúde e economia está sendo colocada à nossa vista. Quando não temos saúde, a economia trava, então investir em saúde significa ter uma sociedade mais próspera”.

Regulação sanitária

Renato Porto, ex-diretor da Anvisa, diz que “a crise demonstra uma necessidade de potência nas decisões de agências, não podem se preocupar com coisas pequenas”. A agência, segundo ele, precisa trabalhar de forma diferenciada, e isso está acontecendo, já que nunca se tratou tão rapidamente como agora temas de pesquisa.

Para ele, a pandemia é uma maratona e é preciso se preparar para todas as etapas, sendo o período de maior contágio apenas uma delas.

“É preciso haver uma preparação para a avaliação de risco. Como protegemos as pessoas? Essa avaliação de risco é uma tarefa extremamente difícil”, diz Renato Porto. “O Brasil precisa aceitar mais risco, e aceitar risco é muito difícil, as pessoas tendem a sempre proteger. A Anvisa precisa aceitar mais risco, para favorecer o desenvolvimento econômico, para ser um país que produz ciência, produz medicamentos”.

Como exemplo, ele lembrou que há pouco tempo a telemedicina não era aceita. À Anvisa, quanto à essa questão, cabe regular o receituário eletrônico. “Se você não tiver essa ferramenta, como vou fazer uma telemedicina e obrigar o paciente a se deslocar para buscar uma receita?”, questiona. “É preciso aceitar que o paciente tem condição de utilizar uma ferramenta eletrônica e receber o medicamento em casa, e não condenar esse transporte, considerando-o arriscado”.

Porto avalia que “são compensações de risco que precisam ser feitas de acordo com o momento”. “Muitas vezes o brasileiro, e a Anvisa, tendem a se precaver mais do que o necessário, e é possível extrapolar um pouco esse risco”, diz. “As agências reguladoras podem ser consideradas uma barreira à entrada de diversas tecnologias. Elas têm que pensar em como não ser essa barreira, o mercado precisa se desenvolver”.

O ex-diretor da Anvisa prevê, no pós-crise, uma agilidade maior das agências reguladoras. “Uma agência é reguladora, mas também é desenvolvedora do país. E no segundo momento da crise, que será a econômica, aí sim isso vai ser mais importante”, analisa. “No pós-crise, teremos uma atividade regulatória muito bem estabelecida, mas esse sarrafo não pode ser uma barreira para que o Brasil tenha novos players”.

Ao ser questionado sobre a suspensão no reajuste de medicamentos, Porto lembrou que alguns custos deveriam ter sido levados em consideração. Entre eles, o transporte aéreo, que ficou mais caro, e o câmbio, já que grande parte dos insumos farmacêuticos vêm de fora do país. “A suspensão poderia ter sido melhor negociada. A indústria farmacêutica está há um ano com os mesmos preços e dentro desse turbilhão de custos de câmbio e logística”, critica. “Compreendo perfeitamente a demanda do setor farmacêutico brasileiro de ter um olhar diferenciado para o reajuste do preço de medicamento”.

Quanto ao futuro, Porto considera ser “muito difícil prever o que vai acontecer, será preciso um tempo de maturação”. “A regulação tem algumas chaves para ser feita corretamente. Uma delas é conectar setores. Não dá pra gente pensar que vamos impor um custo ao setor aéreo sem ter uma justificativa muito clara sanitariamente”, afirma. Para ele, também é necessário abrir um canal para ouvir o setor produtivo, as empresas.

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