CONTAS PÚBLICAS

PEC Emergencial resolve urgências, mas deixa brechas para piorar crise fiscal

Para especialistas ouvidos pelo JOTA nesta terça-feira (9/3), medida permitiria descontrole de contas públicas

PEC EMERGENCIAL
Com parte dos parlamentares via videoconferência, Câmara dos Deputados discute PEC Emergencial | Crédito: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados

Em discussão nesta terça-feira (9/3) na Câmara dos Deputados depois de ter sido aprovada no Senado na última semana, a PEC Emergencial (186/19) permitirá uma nova rodada do auxílio emergencial, mas também imporá novas regras fiscais aos gestores públicos. Os mecanismos propostos pela emenda para conter a atual crise fiscal foram discutidos em webinar promovido pelo JOTA nesta tarde.

Debatendo o assunto, estavam Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro; Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI); e Leonardo Ribeiro, analista do Senado, especialista em contas públicas.

 Para a economista-chefe do Santander, a PEC é positiva ao reforçar gatilhos para conter o aumento dos gastos públicos, mas insuficiente para contornar a crise fiscal em um horizonte mais amplo. “Dentro de toda a insuficiência que temos hoje para cumprir o teto de gastos, ela ajuda pelos próximos anos, mas não resolve. Temos despesas que, depois da reforma da Previdência, ainda aumentam por volta de 4% ao ano. Nosso problema fiscal, por enquanto, será mantido sem solução de longo prazo”.

A dificuldade de aprovar matérias com reformas é entendida por ela como decorrente da falta de articulação entre gestores e parlamentares, atrasando a recuperação econômica e o ajuste das contas públicas do Brasil.

“A discussão da PEC deixa clara a dificuldade de aprovar matérias que solucionem problemas fiscais. Não há consensos ou engajamentos de lideranças políticas que fariam o Brasil entrar no eixo”, apontou.

De modo geral, os especialistas concordam que a PEC é uma medida com alcance limitado. “A seguir, precisamos pensar em como faremos o ajuste fiscal nos próximos cinco anos, diante da dificuldade de aumentar receita e de que não há disposição para cortar gastos. O problema, por exemplo, não é a dívida hoje, mas que o mercado olha no horizonte e vê que ela vai crescer sem ajuste fiscal”, disse Salto.

O economista entende que um dos principais pontos da PEC a dar margem a descontroles fiscais é o estabelecido pelo artigo 167, que fixa em 95% o limite para a relação entre despesas correntes e receitas correntes. “Basta basta fazer conta para ver que o nível na projeção para 2021 é de 94,3%. Se a emergência é tão grande como ela realmente é, deveria regular para 92%”, comentou, explicando que os gatilhos seriam disparados apenas quando este patamar for ultrapassado. Entretanto, segundo ele, haveria folga para aumentar gastos.

“Esse artigo menciona receita corrente e despesa corrente, mas esses termos podem ser interpretados de diversas formas. Se o gestor observar apenas o texto, ele vai ter espaço para aumentar a despesa corrente”, apontou Leonardo Ribeiro. O receio é de que o texto acabe não cumprindo o seu objetivo, ao permitir interpretações diversas que podem levar à judicialização.

Segundo ele, outro ponto de atenção é o limite fixado para despesas que não devem responder ao teto de gastos e as consequências propostas caso o patamar seja descumprido. “A PEC é um pouco bipolar, porque limita o auxílio emergencial a R$ 44 bilhões, o que pode não ser suficiente. Por outro lado, se não der certo [o limite], é a calamidade, liberando todas as regras fiscais. Estamos enfrentando essa pandemia sem planejamento”, afirmou.

Vescovi explicou que, da forma como são hoje, as regras fiscais permitem despesas extraordinárias em situação de emergência. “A regra do teto de gastos já prevê o crédito extraordinário para emergências. Uma eventual suspensão ampla de regras fiscais para fazer frente a desafios sociais me incomoda; ela tira da cena a restrição fiscal e os brasileiros no futuro vão pagar essa conta”.

Com a recuperação de outros países frente à pandemia, em que países como Estados Unidos e China avançam para superar a crise sanitária, a situação brasileira se torna ainda mais delicada. “Se tivéssemos aprovado a PEC Emergencial no ano passado, teríamos surfado na valorização de moedas emergentes enquanto o dólar estava enfraquecido. Quanto mais tempo corre, e não temos mais por conta da recuperação externa, mais forte é o ajuste que teremos que fazer para recobrar a confiança dos investidores”, disse Vescovi.