Decano

Marco Aurélio Mello se aposenta com histórico de votos divergentes e vencidos

Ministro ficou marcado por manifestar votos contrários ao relator ainda que soubesse que sairia derrotado

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Ministro Marco Aurélio durante sessão extraordinária do STF. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Após mais de três décadas como ministro do Supremo Tribunal Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello se aposenta na data limite, em 12 de julho, quando completa 75 anos. Em seu histórico, a marca de ser recordista em votos divergentes e isolados, além de posicionamento frequentemente desviante em relação ao colegiado.

Para desfiar o legado do ministro e também analisar o comportamento do Supremo no período, o JOTA, em parceria com o Insper, realiza uma série de webinars. O primeiro deles, nesta segunda-feira (21/6), abordou o comportamento de Marco Aurélio nas decisões em conjunto com outros ministros.  O próximo evento é na quarta-feira (23/6).

Considerando todos os ministros que ocuparam vaga no STF desde a Constituição de 1988, Marco Aurélio é o que mais apresentou votos vencidos – aqui, considerando os casos de controle abstrato de constitucionalidade, isto é, aqueles que discutem uma norma, e não um caso concreto que passou por diferentes instâncias do Judiciário. O ministro ficou vencido em 28,73% das vezes. O segundo colocado é o ministro Edson Fachin, com 16,32%.

“Assumindo que os ministros conhecem as preferências uns dos outros, o voto divergente é uma estratégia na tentativa de formar maioria ou a manifestação de uma posição sabidamente minoritária, que será derrotada”, explicou Jeferson Mariano Silva, pesquisador de pós-doutorado em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP). A questão é que divergir gera custos e quem sempre tem esse comportamento pode ser visto com certa desconfiança pelos pares.

“Em boa parte das divergências, não há pretensão de conquistar maioria; ele é sabidamente divergente, por isso são votos isolados, em que não é acompanhado por nenhum outro ministro. Ele deliberadamente trata como oportunidade de manifestar suas preferências sinceras e escolhe votar assim”, disse o cientista político, destacando ainda que as manifestações contrárias ao entendimento de relatores não fizeram com que o número de julgados do ministro diminuísse.

Além disso, o número de votos vencidos e isolados de Marco Aurélio cresceu com o tempo, diminuindo apenas em momentos em que ele acumulava outras funções, como a presidência do STF. Nunca ficou exatamente claro o motivo de ele ter esse direcionamento, ainda que ele pregue seguir a própria consciência.

“Talvez ele tenha percebido que consegue ser mais produtivo olhando apenas a própria jurisprudência e encontrou benefícios em divergir, então busca razões por preciosismo, como se fosse um ombudsman do Supremo. Ainda, é possível que, ao ser derrotado, ele tem benefícios externos, com uma audiência que não é o colegiado”, avaliou Silva.

Em relação a isso, Marco Aurélio é visto como um ministro midiático e disposto a manifestar sua opinião publicamente. Porém, nos bastidores, tem a política de não “trocar figurinhas” com os colegas antes de votar ou mesmo tomar decisão monocrática relevante.

“Ele é aberto à deliberação e a ser persuadido pelas sustentações orais, tomando voto do relator como ponto de partida. Por outro lado, essa forma de atuar, sem discutir fora dali, faz com que muitas vezes ele decida sozinho”, disse Miguel Godoy, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), acrescentando que a troca entre ministros pode ser importante e não significa necessariamente combinar votos.

Também há a fidelidade aos próprios entendimentos passados, uma característica de Marco Aurélio. “Assim, o compromisso se torna mais com ele próprio do que com a colegialidade, atuando contra o plenário mesmo quando já está vencido”, afirmou o professor.

Nesse sentido, há posicionamentos do ministro que entram em conflito com que vinha sendo adotado pelo tribunal ou sem discussão prévia. Em duas ocasiões, por exemplo, tomou decisões liminares às vésperas do recesso, em relação à prisão antes de condenação em segunda instância, em 2018, e ao aborto de anencefálicos, em 2004.

Ao mesmo tempo em que é o ministro mais divergente, é um dos que participam mais ativamente em votos. “É um dos ministros mais autênticos no plenário virtual. Ele participa pessoalmente de todos os seus votos. É o único que fundamenta todos os votos no plenário virtual. Isso é um diferencial”, disse a advogada Damares Medina, especializada em contencioso constitucional.

Ela destaca que o volume de decisões julgadas pelos ministros do STF ultrapassam grandes discussões em colegiado. “No ano passado, Marco Aurélio julgou 8 mil processos. É uma decisão a cada 12 minutos. Temos, cada vez mais,  um Supremo invisível nas demais decisões, que não no controle abstrato. Se tiramos esse recorte, há decisões com fio condutor muito consistente”, afirmou.