LOBBYING UNCOVERED

Transparência, sanção e jornalismo: os pilares fundamentais para fiscalizar o lobby

Especialistas debateram o tema no lançamento em inglês do livro ‘Lobbying Uncovered’

PL das fake news
Crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado

O debate sobre a necessidade de regulamentar o lobby no Brasil não é novo, mas nos últimos anos tem ganhado maior projeção na sociedade devido às consequências que a Operação Lava Jato trouxe para o país. A fiscalização desta atividade exige estabelecer três pilares fundamentais: transparência, possibilidade de sancionar quem descumprir as regras e ter uma imprensa livre.

Essa ideia é a síntese do debate realizado nesta quarta-feira (28/10) para o lançamento da versão em inglês do livro Lobbying Uncovered: Democracia, Políticas Públicas e Corrupção no Brasil Contemporâneo.

Participaram do encontro Milton Seligman, Fernando Mello, Paulo Sotero, Joel Velasco, Matthew Taylor e Anya Prusa, que participaram da elaboração da obra. O evento foi uma iniciativa do Wilson Center, Insper, Fundação BRAVA e do JOTA.

“As empresas precisam fazer a transição de transparência com o lobby. Esse é o caminho para sair do chamado crony capitalism [relação de clientela entre empresários e membros de governos]. Ter uma democracia honesta e um país justo vai demandar muito esforço, mas quando as pessoas se registram para fazer lobby nós sabemos quem são. Quando mostram as suas finanças, nós sabemos o que está acontecendo, quando temos uma imprensa livre também”, disse Joel Velasco, vice-presidente sênior de Relações Internacionais do UnitedHealth Group.

Segundo Fernando Mello, diretor do JOTA Labs, desde a Operação Lava Jato as discussões sobre o tema se popularizaram, mas ainda não houve grandes avanços em termos de regulamentar a prática. Mello, contudo, citou que quando se olham os dados é possível identificar um maior interesse da sociedade civil em desenvolver essa transparência nas relações com o Congresso Nacional.

“O número de organizações em geral e organizações que promovem lobby registradas no Congresso Nacional explodiu depois da Lava Jato em 2016 e especialmente em 2018. Antes de 2018, eram 300 organizações registradas para ter reuniões com parlamentares. Hoje, esse número chega a mais de 900”, afirmou.

Nos dados, avaliou Mello, há uma informação interessante: muitos dos novos registrados são jornalistas, mas que não fazem parte de empresas de comunicação. “O que podemos ver é que organizações estão se registrando e procurando mais participação no Congresso ou, no mínimo, mais transparência no processo”.

Por causa da pandemia da Covid-19, Mello não prevê que haja um avanço neste ano, talvez apenas no ano que vem, sobre as propostas que estão no Legislativo para regulamentar a prática.

Em um diagnóstico sobre o combate à corrupção proveniente de um lobby mal intencionado, o professor Matthew Taylor, da American University de Washington, avaliou que na última década o Brasil fez avanços notáveis, com investimentos e fortalecimento das instituições que fiscalizam esse tipo de relação. No entanto, ele apontou que houve retrocesso nos últimos três anos, principalmente no quesito de supervisionar e sancionar os lobbys mal intencionados.

“Isso é preocupante. Em termos de supervisão o melhor dado que posso dar estatisticamente é em relação ao Coaf, que investiga lavagem de dinheiro. Essa unidade teve três quartos da sua atuação limitada pelo STF. No quesito sanção há muitas decisões no Judiciário que retrocedem ao mandar acusações de lavagem de dinheiro em campanhas políticas para o fraco e não muito funcional tribunal eleitoral”, disse.

Para Paulo Sotero, do Brazil Institute no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington, a forma mais inteligente de se mapear e fiscalizar uma relação de lobby é por meio do jornalismo. “Mantenha bons jornalistas informados sobre o que está acontecendo. São eles que podem filtrar o que é relevante para a sociedade nessas negociações”, disse.

Lobby nos EUA

Anya Prusa, também do Brazil Institute no Woodrow Wilson International Center for Scholars, destacou que nos Estados Unidos, como o lobby é regulamentado há muitos anos, as bases legais são muito fortes. Para ela, é isso que falta no Brasil.

“Nos EUA, a prática é baseada na ideia de que as companhias voluntariamente divulguem seu atos, provendo informações necessárias. Outro ponto importante é que lobby não é feito só por empresas, mas também por indivíduos. A discussão entre sociedade fazer negócio com governo é uma discussão de política publica”.

Nos últimos anos, entretanto, essa transparência tem regredido nos EUA, analisou Paulo Sotero. Ele citou que, quando Donald Trump assumiu a presidência do país com a promessa de acabar com o “pântano dos lobbys”.

Mas, segundo Sotero, há trabalhos sendo feitos por agências investigativas como a ProPublica, pesquisadores e analistas que trazem uma perspectiva de que houve um maior alargamento desse “pântano”.

“Isso tudo indica que a corrupção cresceu, mas temos jeitos de sabermos disso no futuro: por reportagens e estudos sobre como o pântano, que era para ser drenado, provavelmente dobrou de tamanho”, disse.