WEBINAR DO JOTA

Jungmann: é preciso distinguir falas de ministros militares e Forças Armadas

“Há uma confusão entre o que dizem ministros militares e as Forças Armadas”, afirma o ex-ministro

Jungmann: “Se você prestar atenção, na última das notas [do Planalto], logo em seguida o vice-presidente deixou claro que as Forças Armadas estão fora disso”. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann avalia que há uma confusão entre o que dizem os ministros militares e as Forças Armadas propriamente. “A gente tem que fazer uma distinção entre o que falam os ministros políticos, dentre os ministros políticos os generais, e as Forças Armadas”, afirma.

Hussein Kalout, cientista político e especialista em relações internacionais, concorda: “muitas vezes, quando há ministros oriundos dos quadros militares exercendo uma função política, há um certo ruído, uma certa confusão”.

Leitura compartilhada também pelo general e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Sergio Etchegoyen. “Eles [ministros militares] não estão lá representando sua Força, como não está o almirante Bento ou não está o Marco Pontes representando a Força Aérea”, diz.

As falas foram na tarde desta segunda-feira (15/6) durante webinar do JOTA cujo tema foi “diplomacia, defesa e o papel dos militares no governo”.

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Entre os temas abordados, estão as recentes notas emitidas pelo Palácio do Planalto, sendo a mais recente a de sexta-feira, depois de o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidir em liminar que a Constituição não permite ao presidente da República recorrer às Forças Armadas contra o Supremo e o Congresso. Um dos tópicos da nota diz que “as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do Presidente da República, de acordo com Art. 142/CF”. Assinam o texto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o vice Hamilton Mourão, e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.

“Se você prestar atenção, na última das notas, logo em seguida o vice-presidente deixou claro que as Forças Armadas estão fora disso”, destaca Jungmann. O ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública foi questionado se assinaria uma nota com esse teor em conjunto com o presidente da República. “Pela minha experiência, nem o presidente Temer assinaria isso, nem tão pouco nós mesmos. Estou falando em tese”, foi a resposta.

Para Sergio Etchegoyen, que também foi ministro no governo Temer, o Brasil passa por uma “generalizada epidemia de complexo de vira-lata”. E explica o motivo: “temos nos ajoelhado, a ponto de dar um parecer como se aqui no Brasil diariamente houvesse alguma ameaça à institucionalidade por conta do que diz o artigo 142”. Ele lembra que a Constituição de 1946 “não autorizava as Forças Armadas a interpretarem nenhum artigo para que houvesse o movimento de 64”. E complementa: “todo movimento é de ruptura, de violência, podem chamar o Papa para abençoar essa interpretação, se alguém quiser romper a institucionalidade e der o primeiro passo estará descumprindo a Constituição”.

De acordo com Etchegoyen, não houve em nenhum momento uma ameaça institucional. “Acho que esse debate é um pouco perigoso no sentido de que a gente banalize essa ideia de que isso é possível”, diz. “O risco à estabilidade, o risco à preservação de marco legal tem sido muito mais produzido fora dos quartéis, não se ouve falar nos quartéis”.

“Não tenho a percepção de que as notas publicadas são consensuadas com o alto comando do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica”, avalia o cientista político Hussein Kalout. “Essas declarações podem ser em certo sentido potencializadas, mas algumas delas não encontram talvez um lugar cômodo no espaço democrático. Elas respondem aos políticos que proferem essas declarações”.

Postura de Bolsonaro

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro se aproximou dos partidos que fazem parte do chamado centrão e Jungmann considera esse movimento natural. “Todos os presidentes de 1988 para cá começam com a pauta de revisão constitucional, o que exige um sarrafo muito alto, de três quintos dos votos para aprovar”, lembra. “Ou seja, montar um presidencialismo de coalizão é imprescindível”, explica. “O presidente, que a princípio trabalhou com a negação da política, vai ter que trabalhar com muita política para fazer a administração da crise”.

Etchegoyen faz ressalvas quanto à composição do time montado por Bolsonaro. “A presença dos militares no Palácio do Planalto tem um inconveniente para o presidente da República, mas é uma escolha dele, que é quase que uma unidade de modelo de pensamento e de formulação”, diz. “Falta, na minha opinião, uma vivência política, um pouco mais de pluralidade, diversidade no assessoramento ao presidente da República”, afirma.

“Quando você tem um grupo totalmente monolítico de assessoramento, isso gera um anacronismo no seu processo decisório”, complementa Kalout. “Você passa a olhar um mesmo problema sob o mesmo prisma, não consegue olhar de uma forma um pouco mais ampla”.

Hussein Kalout é pesquisador na Universidade de Harvard e diz que a imagem do Brasil no mundo está em franca deterioração. “O que faz alguém lá fora avaliar a imagem de um país? A variável econômica, a estabilidade política, o arcabouço dos direitos e das garantias, e a temática do meio ambiente. Nessas quatro variáveis, o governo deixou a desejar em todas elas”, afirma.

Ele também considera um erro o alinhamento declarado e confesso de Bolsonaro ao governo do presidente americano Donald Trump. “A relação do Brasil é com os Estados Unidos, não é com o Trump pessoalmente”, destaca. “O Brasil, em vez de ser um parceiro, permitiu-se ser um ator da política externa dos Estados Unidos”, avalia. “Se o Biden for eleito, acho que o Brasil estará isolado no sistema internacional e terá uma relação muito difícil com a administração [dos Estados Unidos]”.

Em um dos momentos do webinar, Kalout foi questionado sobre a relevância acadêmica de Olavo de Carvalho nos Estados Unidos: “é uma figura irrelevante na academia americana, ninguém sabe o que é, o que escreveu, o que disse, e não tem lastro intelectual nenhum no meio acadêmico, pelo menos nas grandes universidades”.