PRESIDENTE DO IPEA

Carlos von Doellinger: ‘desenvolver infraestrutura exige parceria com setor privado’

Ao JOTA, presidente do Ipea destacou os pontos principais da Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil até 2031

Carlos von Doellinger: parceira com setor privado para expandir a infraestrutura no Brasil
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos von Doellinger / Foto: Agência Brasil

O setor de infraestrutura é um dos eixos de destaque do decreto 10.531/2020 assinado nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo ministro da economia Paulo Guedes que instituiu a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil entre 2020 e 2031.

Segundo o decreto, uma maior expansão do setor está atrelada, principalmente, a um cenário econômico mais positivo no país, que foi chamado pelo governo de “cenário transformador”. Nele, o governo projeta um aumento da produtividade geral da economia, na ordem de 1% ao ano, e da taxa de investimento, que poderia chegar a 19,5% do PIB na média do período. Neste cenário, o setor de infraestrutura representaria 2,9% do PIB.

Para alcançar esse objetivo para a infraestrutura será indispensável uma parceira com o setor privado, de acordo com Carlos von Doellinger, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que concedeu uma entrevista exclusiva ao JOTA nesta quinta-feira (29/10) sobre o tema. O instituto foi o responsável por fazer os estudos técnicos que embasam a estratégia do governo federal.

“Esse ponto [de infraestrutura] é, obviamente, essencial para uma recuperação bem sucedida. Podemos até ter num primeiro momento um crescimento inicial maior pela capacidade ociosa, mas vamos barrar na capacidade instalada se não tivermos os investimentos necessários para manter o crescimento. A proposta do documento do Ipea é que vamos precisar nos apoiar em grande parte em parcerias com o setor privado. As famosas PPPs, mas também as concessões, enfim”, afirmou.

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Na perspectiva de Doellinger, neste cenário de desenvolvimento da infraestrutura, o Estado seria uma espécie de motivador e garantidor da segurança jurídica em torno dos investimentos privados, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Não teria, portanto, a prerrogativa de aportar recursos financeiros.

“Pode se questionar: nas circunstâncias atuais, quem vem para o Brasil? A insegurança é muito grande e os investidores, cautelosos, mas é uma circunstância de momento, estamos falando aqui dos próximos dez anos. Temos um potencial grande para atrair investimento estrangeiro. Eu diria principalmente em alguns setores que possivelmente vão ter um impacto importante na economia nos próximos anos: agropecuária e energia”, explicou.

O presidente do Ipea afastou que esta perspectiva para o setor tenha mais convergência com a ala liberal do governo do que com a ala desenvolvimentista — formada principalmente pelos militares.

“Vou falar honestamente, eu não consigo perceber bem o confronto desta tal agenda desenvolvimentista com a agenda liberal. O fato concreto é que precisamos fazer medidas que estimulem. Concretamente, o Estado tem condições de bancar tudo isso que a gente precisa? Claro que não”, sustentou.

Ficaria a cargo do Estado, na avaliação de Doellinger, continuar dando garantias tradicionais que são de responsabilidade exclusiva do governo, como segurança, saúde pública e educação básica.

“O lado desenvolvimentista não existe mais. O que existe é uma mobilização de esforços com o backing do Estado dando garantias, estabilidade das regras e garantindo serviços que sim só o estado pode prover. Saúde pública, por exemplo, não se pode colocar o setor privado”, afirmou.

Há um certo ar otimista por parte do presidente do Ipea acerca de outros dois eixos considerados essenciais no decreto: o ambiental e o social. Ambos foram alvo de questionamentos pela sociedade civil por não parecer haver convergência com as prioridades atuais do governo de Jair Bolsonaro.

A questão ambiental é realmente um tema que tem preocupado muito, acredito o mundo inteiro. Na minha opinião, esse tema vai demandar uma atenção forte, até por uma contingência. A questão ambiental pode criar dificuldades de atração de investimentos para o Brasil”, disse, acrescentando que a mesma atenção será imposta pela área social. 

“Eu acho que está na agenda, está sendo discutido muito. E vai ser inexorável. Então, nessa parte social nós estamos, creio até que mais adiantados no sentido das providências que surgiu em decorrência da pandemia, que vai impor um programa amplo, permanente e consistente de amparo social”, afirmou. “Eu diria que é uma unanimidade, um pouco menos na parte do meio ambiente, mas vai chegar lá, eu sou otimista.”

Viabilidade para colocar em prática

Em meio ao incerto cenário causado pela pandemia, que desperta atualmente uma preocupação sobre a possibilidade de uma segunda onda de infecções, e da instabilidade da economia brasileira, o presidente do Ipea afirmou que não há como garantir que os resultados da estratégia serão os mesmos do plano que foi apresentado.

“O contexto é obviamente difícil, isso todo sabem. Estamos em uma fase difícil por uma superposição de fatores. Dentro deste cenário, se faz o que é possível. O manejo da macroeconomia brasileira ficou obviamente dificultado e muito cheio de restrições. O que se está tentando é dar um caminho para ser seguido”, comentou.

“Não posso garantir que os resultados serão aqueles propostos, mas estamos trabalhando nisso. É um dado, não tem como fazer milagre. Diante disso, o que está se apresentando agora no plano decenal é uma tentativa de coordenar esforços, apenas isso”.

Neste sentido, Doellinger salientou que não é responsabilidade do Ipea fazer com que realmente as coisas funcionem. “O Ipea propõe, dá os caminhos. A execução é do governo todo”.

No seu entendimento, as prioridades que precisam ser perseguidas para garantir sucesso da estratégia envolvem a aprovação de reformas macrofiscais e também mais profundas, como a administrativa e a reforma tributária.

“No cenário mais contido seriam feitas algumas mudanças macrofiscais, basicamente medidas que pudessem, de certa forma, reduzir o impacto desse crescimento explosivo da dívida pública e da queda de receitas”, explicou.

“Outro cenário mais favorável, o que chamamos de transformador, teria sim reformas mais profundas, mais amplas, que são as que já estão sendo faladas o tempo toda. Reformas mais urgentes seriam, por exemplo, a PEC emergencial que poderia gerar um equacionamento do orçamento federal neste ano”.

Ele teme, por exemplo, que sem a PEC emergencial, que permite uma viabilidade do orçamento, haja o “tão famoso e tão temido shutdown da máquina pública, esse risco existe”. 

Críticas por semelhança com plano de Temer

Segundo economistas ouvidos pelo JOTA para avaliar a proposta, há uma semelhança entre o plano de Guedes com outro apresentado pelo ex-presidente Michel Temer em 2018. O documento do governo anterior foi assinado pelo ex-ministro do Planejamento Esteves Colnago, que hoje é assessor especial de Paulo Guedes.

Na ocasião, o ex-presidente divulgou uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Em 250 páginas, Temer também estabeleceu metas para reformas nos mesmos eixos divulgados agora.

Doellinger negou essa relação. “Não se trata de nada de reciclado do governo Temer. É um documento que foi preparado agora, recentemente, ao longo deste ano. E isso foi discutido, há cerca de um mês e meio, com toda a equipe econômica e está no site do Ipea”.

“Evidentemente, nós trabalhamos com conhecimento acumulado e não estamos inventando a pólvora a cada momento. Temos um conhecimento acumulado de modelagens macroeconômicas, simulações e cenários que estão sempre sendo atualizados de acordo com o desempenho da economia”, disse o presidente do instituto.

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