Decano

De forma contundente e improvisando, Marco Aurélio Mello desempenhou o contraponto

Ministro se aposenta com o símbolo de divergente e de posições fixas sobre a Justiça

Marco Aurélio Mello
Marco Aurélio Mello em sessão da 1ª Turma do STF em 2020. / Crédito: Nelson Jr/ STF

Com aposentadoria marcada para as próximas semanas, o ministro Marco Aurélio Mello tem sua última sessão plenária no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (1/7). Inicialmente visto com suspeitas por ter sido indicado pelo primo, então presidente, Fernando Collor de Mello, ele consolidou espaço com marcas bastante próprias.

No último webinar da série que discutiu a trajetória do ministro no STF, realizado pelo JOTA em parceria com o Insper, foi feito um balanço sobre o legado que Marco Aurélio deixará. Os capítulos estão disponíveis no canal do JOTA no YouTube.

Evidentemente, um dos principais traços do ministro são os votos vencidos e as divergências em níveis muito superiores aos de colegas do tribunal. “No momento em que chegou, havia polaridades no tribunal. Rompeu com esses alinhamentos com personalidade. Assim, sua primeira marca foi a autonomia em face das forças que gravitam dentro do Supremo”, afirmou Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Entre os posicionamentos mais contundentes, estão o desvio do consequencialismo, especialmente em temas penais, e em favor das liberdades de expressão e manifestação, avaliou Vilhena. “É um ministro que fará muita falta num momento em que a Constituição brasileira é muito atacada e há uma tentativa de erosão do Estado Democrático de Direito”, disse o professor.

A indicação de Marco Aurélio foi vista com desconfiança ou surpresa, já que, além de primo do presidente, era relativamente jovem, aos 44 anos, e não havia tradição de ministros trabalhistas irem para o STF. Na época, ele era ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O ministro aposentado do Supremo, Francisco Rezek, que ocupou a cadeira na Corte em dois períodos distintos refuta a tese do parentesco como principal razão da escolha.

Na época, Rezek deixava o cargo para assumir o Ministério de Relações Exteriores. “Em uma das primeiras conversas com Fernando Collor sobre isso, ele disse que tinha em mãos o nome de Marco Aurélio, mas dúvidas por serem primos. O que ele não sabia que é que todo um ramo poderoso denso da Justiça trabalhista convergia em torno da candidatura dele”, contou Rezek, que teria informado ao presidente sobre a aceitação.

Para o antigo ministro, a postura divergente de Marco Aurélio pode ser lida como uma tentativa de apresentar a Justiça como ciência humana, sujeita a interpretações diversas. “A posição assumida por ele ao longo de tantos anos me pareceu sempre ser uma tentativa bem-sucedida de demonstração de que o Direito é uma ciência, mas não exata. Parece um empenho em mostrar linha de pensamento, mais do que uma questão decisória e judicial. Ele representou o contraponto”, disse Rezek.

“O ministro Marco Aurélio é um julgador de posições fortes. Ao mesmo tempo que sempre submete suas decisões a plenário, também desafia o colegiado. É conhecido pela improvisação. Sobretudo, ainda que ele discorde da demanda, diz que cumpre o sistema jurídico”, resumiu a advogada Marilda Silveira.

Frequentemente, essa conduta era destacada pelo próprio Marco Aurélio como guia para as próprias decisões, embora existam exceções a esse princípio. “Hoje, ele é muito cobrado por não seguir esse seu pressuposto textualista, especialmente no caso do Mensalão. Mas é preciso considerar o elemento humano: é impossível que em 31 anos de STF ele será completamente uniforme em suas decisões”, ponderou Silveira, que foi assessora jurídica de ministros e da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por três vezes, Marco Aurélio ocupou a presidência do TSE. “Em matérias eleitorais, ele não fica tão vencido, diferentemente do que acontece no Supremo. Nesse campo, ele demonstra preocupação com preservação de direitos das minorias, o que aparece em muitos votos e em decisões dele”, disse a advogada.